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Confissão Frequente


Excertos do Livro
Santo Afonso Maria de Ligório



"A verdadeira dor não está em senti-la mas em querê-la. Todo o mérito das virtudes está na vontade!"
"Não falamos aqui das confissões das pessoas incursas em pecados mortais. Entretanto não deixaremos de dar muitos avisos concernentes às ocasiões próximas e às confissões sacrílegas. Mas queremos falar principalmente das confissões das almas timoratas, que amam a perfeição e procuram purificar-se cada vez mais das manchas dos pecados veniais.


UTILIDADE DA CONFISSÃO FREQUENTE

Refere Cesário que um santo sacerdote mandou da parte de Deus a um demônio que lhe tinha aparecido, lhe dissesse o que mais o maltratava; e o inimigo lhe respondeu que nada o contrariava nem o desgostava tanto, como a confissão frequente. - Mas ouçamos o que Jesus Cristo disse a Sta. Brígida: "Aquele que quer conservar o fervor, deve purificar-se frequentemente com a confissão na qual se acuse de todos os seus defeitos e negligências em servir-me." - Cassiano ensina que a alma que aspira à perfeição, deve cuidar de ter uma grande pureza de consciência, porque assim é que se adquire o perfeito amor de Deus, que não se dá senão às almas puras; de sorte que o divino amor corresponde à pureza do coração.

- É preciso, porém entender que nos homens, segundo o estado presente, esta pureza não consiste em uma isenção absoluta de toda a falta; porque, exceto nosso divino Salvador e sua divina Mãe, não houve nem haverá no mundo nenhuma alma sem suas manchas. Todos nós nascemos em pecado e caímos em muitas faltas, diz S. Tiago.


- Consiste em duas coisas, que são velar atentamente para que não entre no coração nenhuma falta deliberada, por leve que seja, e ter cuidado de purificar-se imediatamente de qualquer falta que nele possa ter entrado.


- Estes são justamente os dois bons efeitos que produz a confissão freqüente.

Primeiramente, pela confissão frequente, uma pessoa se purifica das manchas contraídas. - A este propósito, narra S. João Clímaco que um jovem, desejando corrigir-se da má vida, que levava no século, foi-se fazer religioso em certo mosteiro. Antes de recebê-lo, o abade quis prová-lo; e lhe disse que, se queria ser admitido, fosse confessar em público todos os seus pecados. Deveras resolvido a se entregar inteiramente a Deus, o jovem obedeceu; mas, enquanto expunha suas faltas diante da comunidade, um santo religioso que fazia parte desta, viu um homem de aspecto venerando, que a medida que o moço ia declarando seus pecados, os apagava de um papel que tinha na mão, onde estavam escritos; de sorte que, acabada a confissão, todos estavam apagados.

O que, neste caso, aconteceu visivelmente, sucede invisivelmente toda a vez que um se confessa com as devidas disposições.

A confissão, porém, além de purificar a alma de suas máculas, dá-lhe também força para não recair. -Segundo o doutor angélico, a virtude da penitência faz que a falta cometida seja destruída e também que não volte mais.

- A tal propósito S.Bernardo refere um fato da vida de S. MalaquiasUma mulher tinha o hábito de se impacientar e de se irritar a tal ponto que se tornara insuportávelS. Malaquias, ouvindo dela mesma quenunca se houvera confessado de tais impaciênciasexcitou-a a fazer uma confissão exata dessas faltas.Depois disto, tornou-se tão paciente e tão branda, que parecia incapaz de se enfadar por qualquer trabalho ou mau trato que a importunasse.É por isso que muitos santos, para adquirirem a pureza de consciência, costumavam confessar-se todos os dias. Assim praticavam Sta. Catarina de Senna, Sta. Brígida, a Beata Collecta, e também S. Carlos Borromeo, Sto. Inácio de Loiola e muitos outros. S. Francisco de Borgia não se contentava com uma só vez, confessava-se duas vezes por dia.

Se os homens do mundo tem horror de aparecer com uma mancha no rosto diante de seus amigosque se há de estranhar que as almas amigas de Deus procurem purificar-se cada vez mais, para se tornarem cada vez mais agradáveis aos olhos de Nosso Senhor.


- De resto, não pretendemos aqui obrigar as religiosas que frequentam a comunhão, a confessar-se toda a vez que comungam. Entretanto é conveniente que se confessem duas vezes ou ao menos uma vez por semana, e além disso quando houverem cometido alguma culpa com advertência.


DO EXAME, DA DOR OU CONTRIÇÃO E DO BOM PROPÓSITO


- Sabe-se que, para fazer uma boa confissão, três coisas se requeremO exame de consciênciaa dor de ter pecado, e o propósito de se corrigir.

1. Quanto ao exame, aos que frequentam os sacramentos, não é necessário que quebrem a cabeça em indagar todos os pormenores das faltas veniais. É preferível que se apliquem mais a descobrir as causas e raízes de seus apegos e de suas negligências. Digo isto para as religiosas que vão se confessar, com a cabeça cheia de coisas ouvidas na grade, e não fazem outra coisa que repetir, de cada vez, a recitação das mesmas faltas, como uma cantilena, sem arrependimento e sem propósito de emenda. Para as almas espirituais, que se confessam amiúde e tem cuidado de evitar os pecados veniais deliberados, o exame não exige muito tempo; pois não têm necessidade de indagar sobre as faltas graves, porque se a sua consciência estivesse sobrecarregada de um só pecado mortal, este se daria logo a conhecer por si mesmo. Quanto aos pecados veniais, se fosse plenamente voluntários, se manifestariam também de um modo sensível de pena que causariam; aliás não há obrigação de confessar todas as faltas leves que se tem na consciência, e por conseguinte também não há obrigação de fazer um exame exato e menos ainda de escrutar o número e circunstâncias, ou se recordar como e porque se cometeram.Basta declarar as faltas leves que pesam mais e são mais opostas a perfeição, e acusar as outras em termos gerais.

Quando não há matéria certa depois da confissão última, diga-se algum pecado da vida passada, de que se tenha mais dor, por exemplo: Eu me acuso especialmente de todas as culpas cometidas no passado contra a caridade, a pureza ou a obediência.

- É bastante consolador o que sobre este ponto escreve S. Francisco de Sales: "Não vos inquieteis, se não vos lembrardes de todas as vossas faltinhas para confessá-las; porque assim como muitas vezes cais sem advertência, assim também muitas vezes vos levantareis sem percebê-lo; a saber, pelos atos de amor ou outros atos bons que as almas devotas soem fazer".

2. É necessária, em segundo lugar, a dor ou contrição, e é o que se requer principalmente para obter a remissão dos pecados. As confissões mais longas não são as melhores, mas as em que há mais dor. O sinal de uma boa confissão, diz S. Gregório, não se acha no grande número de palavras do penitente, mas no arrependimento que demonstra.

- De resto, as religiosas que se confessam amiúde e tem horror até as culpas veniais, desfazem as dúvidas se tem ou não verdadeira contrição. Quereriam, cada vez que se confessam, ter lágrimas de enternecimento; e como apesar dos seus esforços e de toda a violência que fazem, não podem tê-las, estão sempre inquietas sobre suas confissões. É preciso que se persuadam que a verdadeira dor não está em senti-la mas em querê-la. Todo o mérito das virtudes está na vontade. É por isso que Gerson, falando da fé, assegura que aquele que quer crer, algumas vezes tem mais mérito do que aquele que crê.

- Mas S. Tomás ensinou a mesma coisa antes dele, falando precisamente da contrição. Diz ele que a dor essencial, necessária para a confissão, é a detestação do pecado cometido, e que esta dor não está na parte sensitiva, mas na vontade; visto que a dor sensível é um efeito do desprazer da vontade o que nem sempre está em nosso poder, porque a parte inferior nem sempre segue a parte superior.

Assim, pois, toda a vez que, na vontade, a displicência da culpa cometida é acima de todos os males, a confissão é boa.

Abstende-vos, portanto, de fazer esforços para sentir a dor. - Falando dos atos internos, sabei que os melhores são os que se fazem com menor violência e maior suavidade, visto que o Espírito Santo ordena tudo com doçura e tranquilidade.

Pelo que, o santo rei Ezequias, falando do arrependimento que tinha de seus pecados, dizia sentir deles dor muito amarga mas em paz.

Quando quiserdes receber a absolvição, fazei assim: No aparelhar-vos para a confissão, começai por pedir a Jesus Cristo e a Virgem das Dores uma verdadeira dor de vossos pecados; em seguida fazei brevemente o exame, como acima dissemos; e depois, para a contrição, basta que façais um ato como este: "Meu Deus, eu vos amo acima de todas as coisas; espero, pelos merecimentos do sangue de Jesus Cristo, o perdão de todos os meus pecados, dos quais me arrependo de todo o coração, por ter ofendido e desgostado a vossa infinita bondade, e os aborreço mais do que todos os males; e uno este meu aborrecimento ao aborrecimento que deles teve o meu Jesus no horto de Getsêmani. Proponho não vos ofender mais, com a vossa graça".Uma vez que tenhais querido pronunciar este ato com sinceridade, ide tranqüilamente receber a absolvição, sem temor e sem escrúpulo. - Sta. Teresa para tirar as angústias a este respeito, dava um outro bom sinal de contrição: "Vede, dizia ela, se tendes um verdadeiro propósito de não cometer mais os pecados que ides confessar. Se tendes este propósito, não duvideis de ter também a verdadeira dor".

3. É necessário enfim o bom propósito. O propósito exigido para a confissão, para ser bom, deve ser firme, universal e eficazPrimeiramente, deve ser firme. Há alguns que dizem: eu não quereria cometer mais este pecado; eu não quereria mais ofender a Deus. - Mas ai! este eu quereria denota que o propósito não é firme. Para que o seja, é necessário dizer com vontade resoluta: Não quero mais ofender a Deus deliberadamente. Em segundo lugar, deve ser universal, isto é, deve o penitente propor-se a evitar todos os pecados sem exceção. Isto, porém, só se entende dos pecados mortais.

Quanto aos pecados veniais, basta, para o valor do sacramento, que o arrependimento e o propósito recaiam sobre uma só espécie de pecado; mas as pessoas mais espirituais devem propor se evitar todos os pecados veniais deliberados; e quanto aos indeliberados, visto que é impossível evitá-los todos, basta que se proponham fazê-lo quanto for possívelEm terceiro lugar, deve ser eficaz, isto é, capaz de determinar o penitente a empregar os meios necessários para não cometer mais as faltas de que se acusa, e especialmente a fugir das ocasiões próximas de recair. Por ocasião próxima se entende aquela em que a pessoa caiu muitas vezes em pecados graves, ou, sem justa causa, induziu outros a caírem.Neste caso não basta propor-se somente evitar o pecado, mas é necessário também propor tirar a ocasião, aliás as suas confissões serão todas nulas, embora receba mil absolviçõespois não querer remover a ocasião próxima de pecado grave já é por si culpa grave. E assim como temos demonstrado na nossa obra de teologia moral, quem recebe a absolvição sem o propósito de tirar a ocasião próxima, comete um novo pecado mortal de sacrilégio."



SERMÃO DO PRIMEIRO DOMINGO DA QUARESMA

Fontes Franciscanas
III
SANTO ANTÔNIO DE LISBOA
Volume I
Biografia e Sermões
Livro de 1998
Tradução: Frei Henrique Pinto Rema, OFM


Sermão do Primeiro Domingo da Quaresma


SUMÁRIO

Quarto Evangelho, na Quaresma: Jesus foi conduzido ao deserto
Divide-se num sermão alegórico e noutro moral.

1 – No sermão alegórico:
Em primeiro lugar trata-se do tríplice deserto. É um sermão para o Advento do Senhor: Enviai, Senhor, o cordeiro.
Um sermão sobre o ternário maldito: Joab tomou três lança.

2. No sermão moral:
Em primeiro lugar, um sermão aos claustrais: Foram dadas duas asas `a mulher; e sobre a natureza da águia e a propriedade do falcão.
Um sermão sobre o coração contrito: Com espírito impetuoso; e: O sacrifício digno de Deus.
Um sermão aos sacerdotes sobre o modo de se calar a respeito da confissão: A confissão deve ser inabitável; e: Guardai-vos de subir ao monte.
Um sermão sobre os sete vícios e propriedade do avestruz, do asno e do ouriço: Será um covil de dragões.
Um sermão aos confitentes, de que modo devem confessar os pecados e as circunstancias dos mesmos: Toma a cítara.
Um sermão sobre a confissão: Quão terrível é o lugar.
Um sermão sobre o jejum quaresmal: E tendo jejuado quarenta dias; e: Os exploradores enviados por Moisés.
Um sermão sobre as circunstancias do pecado que se devem confessar e depor: Josué tomou também Maceda.
Um sermão sobre o maldito ternário com que nos tenta o diabo: Revistamo-nos do homem novo.

Exórdio. Deserto de Engadi.

1. Jesus foi conduzido pelo Espírito ao deserto, para ser tentado pelo demônio, etc1.
 Diz-se no primeiro livro dos Reis2 que David habitou no deserto de Engadi. David interpreta-se forte de mão, e significa Jesus Cristo, que debelou as potestades aéreas3 com as mãos pregadas à cruz. Eis que admirável fortaleza: vencer o próprio inimigo com as mãos ligadas! Habitou no deserto de Engadi, que se interpreta olho da tentação4. Nota que o olho da tentação é triplo. O primeiro é o da gula, de que se escreve no Gênesis5: Viu a mulher que o fruto da árvore era bom para comer, formoso aos olhos e de aspecto agradável; e tirou do fruto dela, e comeu e deu a seu marido. O segundo é o da soberba e vanglória, de que diz Job6, falando do diabo: Vê tudo o que é elevado; ele é o rei de todos os filhos da soberba. O terceiro é o da avareza, do qual escreve Zacarias7: Este é o olho deles em toda a terra. Cristo, portanto, habitou no deserto de Engadi quarenta dias e quarenta noites, em que sofreu do diabo a tentação da gula, da vanglória e da avareza.

 2. Por isso, diz-se no Evangelho de hoje: Jesus foi conduzido ao deserto etc. Nota que é triplo o deserto, a qualquer dos quais foi conduzido Jesus. O primeiro é o ventre da Virgem8, o segundo o referido no presente Evangelho, o terceiro o patíbulo da cruz9. Ao primeiro foi conduzido só por misericórdia, ao segundo para nosso exemplo, ao terceiro por obediência ao Pai.
 Do primeiro diz Isaías10: Envia, Senhor, o cordeiro dominador da terra, mandado da pedra do deserto ao monte da filha de Sião. Ó Senhor Pai, envia um cordeiro, não um leão, um dominador, não um devastador; da pedra do deserto, isto é, da Santíssima Virgem, chamada pedra do deserto: pedra, por causa do firme propósito da virgindade donde a resposta dada ao anjo: Como se fará isto, pois eu não conheço varão? 11, ou seja, propus firmemente não o conhecer12; do deserto, porque não arável, pois permaneceu virgem antes do parto, no parto e depois do parto. Envia, digo, ao monte da filha de Sião, ou seja, à excelência da Igreja, a Jerusalém celeste13.
 Do segundo escreve S. Mateus14: Jesus foi conduzido ao deserto etc.
Do terceiro S. João Batista diz em S. João15: Eu sou a voz do que brada no deserto. S. João chama-se voz, porque assim como a voz precede a palavra, assim ele precedeu o Filho de Deus16. Eu sou a voz de Cristo17 a bradar no deserto, ou seja, no patíbulo da cruz: Pai, nas tuas mãos18 etc. Neste deserto esteve todo cercado de espinhos e destituído de todo o auxílio humano.
 A tríplice tentação de Adão e de Jesus Cristo.

3. Digamos, portanto: Jesus foi conduzido ao deserto pelo Espírito. Costuma perguntar-se por quem. S. Lucas19mostra clarissimamente por quem foi conduzido: Jesus, cheio do Espírito Santo, regressou do Jordão e era conduzido pelo Espírito ao deserto. Foi conduzido por aquilo de que estava cheio. A seu respeito disse ele mesmo em Isaías20: O Espírito do Senhor está sobre mim, por me ter ungido. Por aquele espírito como que foi ungido de preferência aos seus companheiros21, por ele mesmo foi conduzido ao deserto para ser tentado pelo diabo. Porque o Filho de Deus, o nosso Zorobabel, que e interpreta mestre de Babilônia22, viera restaurar o mundo desfigurado pelos pecados, e, como médico, sarar os doentes, convinha curasse os contrários com os contrários, tal como sucede à arte da medicina em que as coisas frias se curam com as quentes e as quentes com as frias23.
 O pecado de Adão foi a destruição e a enfermidade do gênero humano. Consiste ele em três coisas: Gula, vanglória e avareza24. Donde o verso: A vanglória, a gula e a concupiscência venceram o velho Adão25. Estes três vícios aparecem no Gênesis26: Disse a serpente à mulher: no dia em que dele comeres, abrir-se-ão os vossos olhos, eis a gula; sereis como deuses, eis a vanglória; conhecendo o bem e o mal, eis a avareza27. Estas foram aquelas três lanças com que Adão foi morto juntamente com seus filhos.
 Daí o dizer-se no segundo livro dos Reis28: Tomou, pois, Joab três lanças, e traspassou com elas o coração de Absalão. Joab interpreta-se inimigo e significa bem o diabo, inimigo do gênero humano29. Este tomou na mão da falsa promessa três lanças, isto é, a gula, a vanglória e a avareza, e traspassou com elas o coração30, no qual está a fonte do calor e a vida do homem. Dele, escreve Salomão31, procede a vida. O diabo traspassa-o, a fim de extinguir o calor do amor divino e tirar de todo a vida. Traspassou o coração de Absalão, que se interpreta paz do pai32. este foi Adão, posto de propósito em lugar de paz e de delícias, para que conservasse eternamente a paz do pai, obedecendo-lhe. Mas depois de se recusar a obedecer a Deus Pai, perdeu a paz, e o diabo traspassou-lhe o coração com três espadas, e privou-o inteiramente da vida.

4.  Veio, portanto, o Filho de Deus em tempo aceitável. Obedecendo a Deus Pai, restaurou o perdido, curou os contrários com os contrários. Adão foi posto no paraíso, onde, rodeado de delícias, caiu. Jesus foi conduzido ao deserto, onde, insistindo nos jejuns, venceu o diabo. Vede o acordo entre ambas as tentações no Gênesis e em S. Mateus: Disse a serpente: No dia em que comeres. E aproximando-se o tentador, disse-lhe: Se és Filho de Deus, diz a estas pedras que se transformem em pães33: eis a gula. Depois: Sereis como deuses. Então o demônio transportou-o à cidade santa, e pô-lo sobre o pináculo do templo34: eis a vanglória. Finalmente:Conhecendo o bem e o mal. De novo o demônio o transportou a um monte muito alto, e mostrou-lhe todos os reinos do mundo e a sua magnificência, e disse-lhe: Tudo isto te darei, se, prostrado, me adorares35. Quanto ele tem de perverso, tanto ele perversamente falou: eis a avareza. A sabedoria, porém, porque sempre age sapientemente, superou a tríplice tentação do demônio com a tríplice sentença do Deuteronômio36.
 Quando o diabo tentou com a gula, Jesus respondeu-lhe: Não só de pão vive o homem37; como se dissesse: Assim como o homem exterior vive do pão material, assim o interior vive do pão celeste, que é a palavra de Deus. A palavra de Deus é o Filho, Sabedoria que procedeu da boca do Altíssimo38. Sabedoria vem de sabor39; portanto, o pão da alma é o sabor da sabedoria, com que saboreia os bens do Senhor e experimenta quão suave é o mesmo Senhor40. Deste pão se diz no livro da Sabedoria41: Deste-lhe pão vindo do céu, que tinha em si toda a delícia e a suavidade de todo o sabor. É isto o que se diz: Mas de toda a palavra que procede da boca de Deus. Diz de toda, porque a Palavra, o Verbo e Sabedoria de Deus, contém a suavidade de todo o sabor: o seu sabor torna insípido o deleite da gula. Porque Adão se enfastiou deste pão, cedeu à tentação da gula. Com razão se diz, portanto: Não só de pão etc.
 Depois, quando ele o tentou com a vanglória, Jesus respondeu42: Não tentarás o Senhor teu Deus. Jesus Cristo é Senhor pela criação, Deus pela eternidade. O diabo tentou-o, quando o persuadiu a ele, criador do templo, a deitar-se abaixo do pináculo do templo, e prometeu ao Deus de todos os poderes celestes o auxílio dos anjos.Não tentarás, portanto, o Senhor teu Deus. Adão também tentou o Senhor Deus, quando não respeitou a Deus e o seu preceito, mas de ânimo leve anuiu à falsa promessa: Sereis como deuses43. Ó quanta vanglória acreditar alguém que se possa fazer Deus! Ó miserável! Por vãmente te quereres elevar acima de ti, miseravelmente te precipitarás por debaixo de ti! Não tentarás, portanto, o Senhor teu Deus.
 Finalmente, quando o tentou com a avareza, Jesus respondeu-lhe44: Adorarás o Senhor teu Deus, e a ele só servirás. Todos os que amam o dinheiro ou a glória do mundo, prostrados adoram o diabo. Mas nós, por quem Jesus Cristo desceu ao ventre duma Virgem e suportou o patíbulo duma cruz, instruídos por seu exemplo, vamos ao deserto da penitência e com o seu auxílio reprimamos o ímpeto da gula, o vento da vanglória, o incêndio da avareza. Adoremos aquele que os arcanjos adoram; sirvamos aquele a quem os anjos servem. Ele é bendito, glorioso, louvável e excelso por séculos eternos. Diga toda a criatura: Assim seja.

__________
1.Mt 4,1 (Vg. Tunc Jesus ductus est...).
2.Cf. 1Reis 24, 1-2.
3.Glo. Int., 1Reis 16, 13.
4.Glo. Int., 1Reis 24, 1.
5.Gen 3, 6 (Vg. Vidit igitur... et tulit...).
6.Job 41, 25 (Vg. imite).
7.Zac 5, 6 (Vg. Haec est...).
8.Cf. Glo. Ord., Os 13, 15.
9.Cf. Glo. Int., ibidem.
10.Is 16, 1.
11.Lc 1, 34 (Vg.... quoniam virum...).
12.Cf. Glo. Int., ibidem.
13.Cf. Glo. Ord., Is 1. c.
14.Mt 4, 1.
15.Jo 1, 23.
16.Cf. GREG., In Evangelia homilia 7, 2, PL 76, 1100.
17.Cf. Glo. Int., Jo 1. c.
18.Lc 23, 46.
19.Lc 4, 1; Mc 1, 12; cf. Glo. Ord., ibi.
20.Is 61, 1 (Vg... unxerit Dominus me...).
21.Cf. Heb 1, 9.
22.Glo. Ord., Ag 1, 1.
23.Cf. GREG., In Evang. Homilia, 32, 1, PL 76, 1232.
24.Cf. Glo. Ord., Gen 3, 5.
25.Verso de autor desconhecido.
26.Gen 3, 4.
27.gen 3, 5; cf. Glo. Ord., ibi.
28.2Reis 18, 14.
29.Glo. Ord., 2Reis 3, 17.
30.Cf. Glo. Ord., 2Reis 18, 9.
31.Prov 4, 23.
32.Glo. Ord., 2Reis 13, 14.
33.Mt 4, 3.
34.Mt 4, 5.
35.Mt 4, 8-9 (Vg... si cadens adoraveris me).
36.Cf. Deut 8, 3; 6, 16; 6, 13.
37.Mt 4, 4; cf. Deut 8, 3.
38.Cf. Ecli 24, 5.
39.ISID., Etym. X, 240, PL 82, 392.
40.Cf. Salmo 33, 9.
41.Sab 16, 20 (Vg muda, omite).
42.Mt 4, 7; Deut 6, 16.
43.Gen 3, 6.
44.Mt 4, 10; cf. Deut 6, 13; 10, 20.


OBS.: O Sermão Moral será transcrito em outra ocasião.

Os Dez Mandamentos do Mundo

Segundo S. Luís Maria Grignion de Montfort


Estes são os Mandamentos do Mundo
e
seu Verdadeiro Significado

1º. Conhecer o mundo, isto é, estar a par das finezas amaneiradas do século e demonstrar esse conhecimento.
2º. Viver honestamente, isto é, contentar-se com aparências de honestidade.
3º. Realizar seus negócios, isto é, tomar o dinheiro por fim último da vida, sem o deixar transparecer.
4º. Conservar o que é seu, isto é, ignorar a caridade, sob pretexto de direito de propriedade, interesses de família, negócios, etc.
5º. Adiantar na vida, isto é, ter ambições, ousadias, conseguir sem mérito pessoal nenhum.
6º. Fazer amigos, isto é, não desdenhar relações de nenhuma espécie, ainda à custa da consciência, para obter os desejosos fins.
7º. Frequentar altas rodas, andar atrás das pessoas eminentes ou em evidência, a fim de brilhar ao menos com a auréola dos outros.
8º. Viver confortavelmente, isto é, ter boa mesa, com pretexto de conservar a saúde, manter as relações sociais, tratar de negócios, ou saborear coisas boas para glorificar o Criador.
9º. Não ser desmancha-prazeres, isto é, cultivar o bom humor mediante toda sorte de prazeres, mesmo culpáveis, embora seja preciso negligenciar os deveres do próprio estado.
10º. Evitar singularidades, isto é, rejeitar a piedade, religião, obras de caridade, todo o “exagero” das pessoas devotas
S. Luís Maria Grignion de Montfort (A.E.S. pg. 121)


A Falsa Sabedoria do Mundo

     Deus tem sua Sabedoria. É a única e verdadeira, que há de ser amada e buscada como um grande tesouro. Mas o mundo corrompido tem igualmente sua sabedoria. E ela deve ser condenada e detestada, como falsa e perniciosa.
   A sabedoria do mundo é uma perfeita conformidade com as máximas do mundo; uma contínua tendência para as grandezas e estima; uma busca infatigável e secreta do próprio prazer e interesse próprio, não de maneira grosseira e chocante, em pecados escandalosos, mas de modo elegante, falacioso e político; porque, de outra sorte, já não seria, como diz o mundo, sabedoria, mas libertinagem.
    Um sábio do século é um homem que conhece bem seus negócios e deles sabe tirar todo proveito temporal, sem o dar a perceber; que conhece a arte de dissimular e enganar finamente, sem que os outros suspeitem; que diz ou faz uma coisa e pensa outra; que nada ignora dos ares e etiquetas mundanas; que a todos se acomoda para seus intentos, sem ponderar muito em honra e interesse de Deus; que leva a cabo um secreto mas funesto pacto da verdade com a mentira, do Evangelho com o mundo, da virtude com o pecado, de Jesus Cristo com Belial; que quer passar por honesto, mas não por devoto; que despreza, envenena ou condena facilmente todas as práticas de piedade que não se adaptam às suas. Enfim, um sábio mundano é um homem que, guiando-se somente pela luz dos sentidos e da razão humana, não pretende senão revestir-se das aparências de cristão e honesto, sem se preocupar muito em agradar a Deus e expiar pela penitência os pecados com que ofendeu a Divina Majestade.
É tríplice a sabedoria do mundo:








1. Ela é terrestre. Os bens da terra. E desta sabedoria fazem secreta profissão os sábios mundanos, quando apegam o coração ao que possuem e se empenham para tornar-se ricos. Quando intentam processos e demandas inúteis para obter dinheiro ou para conservá-los. Quando não pensam, não falam não agem, senão para alcançar ou conservar qualquer ganho terreno; a confissão, a oração, etc, que fazem superficialmente, como quem se desempenha de um ônus, a raros intervalos, e para salvar as aparências.
2. A sabedoria do mundo é carnal. O amor do prazer. E desta sabedoria fazem profissão os sábios mundanos, quando buscam apenas os prazeres dos sentidos. Quando gostam de boa mesa. Quando de si afastam tudo o que poderia mortificar ou incomodar o corpo, como os jejuns e as austeridades. Quando, ordinariamente, não pensam mais que em comer, beber, divertir-se, rir, passar agradavelmente o tempo. Quando andam em busca de leitos confortáveis, jogos que divirtam, festas agradáveis, companhias mundanas. E depois que sem escrúpulos se deram todos esses prazeres, vão atrás de um confessor “o menos escrupuloso que encontrarem”, a fim de obter assim, por pouco preço, a paz em sua vida sensual e útil, e a indulgência plenária de todos os pecados.
3. A sabedoria do mundo é diabólica. O amor da estima e das honras. E desta sabedoria fazem profissão os sábios mundanos, quando aspiram, muito embora secretamente, grandezas, honras, dignidades e cargos elevados. Quando se esforçam para serem vistos, estimados, louvados e aplaudidos pelos homens. Quando não colimam em seus estudos, trabalhos, lutas, senão a estima e louvor dos homens, a fim de que sejam tidos por honestos, sábios, grandes líderes, sábios jurisconsultos, pessoas de infinito mérito e grande consideração. Quando não podem suportar o desprezo e a repressão. Quando escondem o que têm de defeituoso e mostram o que possuem de belo.
     É preciso, com Jesus Cristo, detestar e condenar estas sabedorias falsas, a fim de obter a verdadeira, que não busca seu interesse, que não é da terra, nem se encontra no coração dos que vivem em seus cômodos, e que abomina tudo o que é grande e prestigioso aos olhos dos homens.
S. Luís Maria Grignion de Montfort (Amour de La Sagesse Eternelle, pg. 117 e ss)


Estes Mandamentos são Contrários à
Divina Sabedoria

     Todos eles se baseiam em pontos de vista naturalistas e pagãos. – questão de “honra”, “o que vão dizer”, “não fica bem”, “todos fazem assim”, “é preciso aproveitar a vida”, “ocasiões de bons negócios não se repetem”, “é preciso aparecer”, “não quero ser ridículo”, etc.
Há virtudes particulares que os mundanos canonizam, como a bravura, o destemor, a habilidade, a política, a elegância, a sociabilidade, a arte de fazer amigos...
     Como todas essas considerações são contrárias à Divina Sabedoria! Que pensa o mundo da vida da graça, da intimidade com Deus, da renúncia de si mesmo, do desprezo dos bens materiais, do critério sobrenatural na apreciação de tudo, da divina loucura do sofrimento e da cruz!
Deveras, a “Sabedoria da carne é inimiga de Deus” (Rom 8,7)


As Vaidades do Mundo



Vaidade das vaidades, tudo é vaidade, exceto amar a Deus e só a Ele servir (Ecl 1,2).
A suma sabedoria é, pelo desprezo do mundo, caminhar para o reino dos céus.
E assim vaidade é buscar riquezas perecedouras e pôr nelas a esperança.
Vaidade é também desejar honras e desvanecer-se com elas.
Vaidade é seguir os apetites da carne e desejar aquilo por onde depois hás de ser gravemente castigado.
Vaidade é desejar vida larga, e cuidar pouco de que seja boa.
Vaidade é também olhar somente a esta presente vida, e não prever a que virá depois.
Vaidade é amar o que tão depressa passa, e não buscar com fervor a felicidade que sempre dura.
Lembra-te amiúde daquele provérbio: “Não se farta a vista de ver, nem o ouvido de ouvir” (Ecl 1,8).
Procura pois desapegar o teu coração das coisas visíveis e afeiçoá-lo às invisíveis, porque os que seguem o atrativo dos sentidos mancham sua consciência e perdem a graça de Deus.
Imitação de Cristo (Liv. I, cap. 1, 3 a 5)




    Excertos do livro: Consagração a Nossa Senhora - D. Antônio Maria A. Siqueira - Ed. Santuário - 6a. Edição 1982

    É possível fazer as meditações deste livro no A Alegria da Minha Juventude, observando que não apoiamos a transcrição e uso dos textos dos livros para fins lucrativos, e não possuímos esta finalidade.


    Quarta-Feira de Cinzas

    O Porquê das Cinzas...
    O uso litúrgico das cinzas tem origem no Antigo Testamento. Elas simbolizam dor, morte e penitência. A Bíblia conta a história de Jó e mostra seu arrependimento, quando ele se veste com um saco e se cobre de cinzas (Jó 42,6). Daniel, ao profetizar a captura de Jerusalém pela Babilônia, escreveu: "Volvi-me para o Senhor Deus a fim de dirigir-lhe uma oração de súplica, jejuando e me impondo o cilício e a cinza" (Dn 9.3). No século V antes de Cristo, depois da pregação de Jonas, o povo de Nínive proclamou um jejum a todos, se vestiram de sacos, inclusive o Rei, que sentou sobre cinzas (Jn 3.5-6). Estes exemplos demonstram a prática de se utilizar as cinzas como símbolo de arrependimento.
    No Novo Testamento, o próprio Jesus fez referência ao uso das cinzas. Ele disse as pessoas que não se arrependiam de seus pecados, apesar de terem visto milagres e escutado a Boa Nova: "Ai de ti, Corozaim! Ai de ti, Betsaida! Porque se tivessem tido feitos, em Tiro e em Sidônia, os milagres que foram feitos em vosso meio, há muito tempo elas teriam se arrependido sob o cilício e as cinzas" (Mt. 11,21).
    E a Igreja, desde o inicio, continuou a prática do uso das cinzas com o mesmo simbolismo. Com o passar do tempo, o uso das cinzas foi adotado como sinal do início do tempo da Quaresma.
    Na liturgia atual da Quarta-Feira de Cinzas, utilizam-se as cinzas feitas com os ramos de palmas distribuídos no ano anterior, no Domingo de Ramos. O sacerdote abençoa as cinzas e as impõe na fronte de cada fiel, traçando o Sinal da Cruz. dizendo: "Recorda-te que és pó e em pó te converterás"(Gn 3. 19) e/ou 'Arrepende-te e crede no Evangelho".
    Durante a Quaresma devemos orar e refletir sobre o significado das cinzas que recebemos. O arrependimento sincero e o reconhecimento de que somos fracos, limitados e pecadores, nos faz humildes de tal forma que Deus Pai vem fazer morada em nosso coração através de seu filho Jesus. Ele que é o Caminho, a Verdade e a Vida.
    Faça um exame de consciência e veja o que precisa ser mudado em sua vida. Não tenha medo do que você vai encontrar ou descobrir a seu respeito. Lembre-se de que o Espírito Santo está sempre contigo. Peça à Ele fé, força e coragem para enfrentar as tribulações.
    A Quarta-feira de Cinzas dá início à Quaresma, que não é um tempo de tristeza. É um tempo para reflexão, oração, jejum, penitência, esmola e caridade, na firme esperança de uma mudança radical de vida, culminando na ressurreição de Nosso Senhor Jesus Cristo, na Páscoa, acontecimento que garantiu também a nossa Páscoa definitiva.
    Pe. Eduardo, S.J.

    Lembrando à todos que:
         Na Quarta-Feira de Cinzas, bem como também na Sexta-Feira da Paixão, a Igreja nos prescreve o jejum e a abstinência de carne (excetuando-se a carne de peixes)[1].
    jejum é fazer apenas uma refeição completa por dia, e se houver necessidade tomar mais duas refeições com quantidades menores que as refeições habituais. São obrigados ao jejum os maiores de 18 anos e menores de 60 anos [2]     
     A abstinência de carne é obrigatória aos maiores de 14 anos de idade.
    As pessoas gestantes ou doentes estão dispensadas dessas formas de penitência, o que não as impede de fazer uma outra forma de sacrifício (como por exemplo, comer algo menos saboroso no lugar de algo mais apetitoso, etc). 
    [1] Código de Direito Canônico, Cânon 1250 e 1251.
    [2] Código de Direito Canônico, Cânon 1252.


    Uma Boa e Santa Quaresma à todos!


    Se Preparando para a Quaresma


    Na linguagem corrente, a Quaresma abrange os dias que vão da Quarta-feira de Cinzas até ao Sábado Santo. Contudo, a liturgia propriamente quaresmal começa com o primeiro Domingo da Quaresma e termina com o sábado antes do Domingo da Paixão.

    A Quaresma pode se considerar, no ano litúrgico, o tempo mais rico de ensinamentos. Lembra o retiro de Moisés, o longo jejum do profeta Elias e do Salvador. Foi instituída como preparação para o Mistério Pascal, que compreende a Paixão e Morte (Sexta-feira Santa), a Sepultura (Sábado Santo) e a Ressurreição de Jesus Cristo (Domingo e Oitava da Páscoa).

    Data dos tempos apostólicos a Quaresma como sinônimo de jejum observado por devoção individual na Sexta-feira e Sábado Santos, e logo estendido a toda a Semana Santa. Na segunda metade do século II, a exemplo de outras igrejas, Roma introduziu a observância quaresmal em preparação para a Páscoa, limitando porém o jejum a três semanas somente: a primeira e quarta da atual Quaresma e a Semana Santa.

    A verdadeira Quaresma com os quarenta dias de jejum e abstinência de carne, data do início do século IV, e acredita-se que, para essa instituição, tenham influído o catecumenato e a disciplina da penitência pública.

    O jejum consistia originariamente numa única refeição tomada à tardinha; por volta do século XV tornou-se uso comum o almoço ao meio-dia. Com o correr dos tempos, verificou-se que era demasiado penosa a espera de vinte e quatro horas; foi-se por isso introduzindo o uso de se tomar alguma coisa à tarde, e logo mais também pela manhã, costume que vigora ainda hoje. O jejum atual, portanto, consiste em tomar uma só refeição diária completa, na hora de costume: pela manhã, ao meio-dia ou à tarde, com duas refeições leves no restante do dia.

    A Igreja prescreve, além do jejum, também a abstinência de carne, que consiste em não comer carne ou derivados, em alguns dias do ano, que variam conforme determinação dos bispos locais.

    No Brasil são dias de jejum e abstinência a quarta-feira de cinzas e a sexta-feira santa. Por determinação do episcopado brasileiro, nas sextas-feiras do ano (inclusive as da Quaresma, exceto a Sexta-feira Santa) fica a abstinência comutada em outras formas de penitência.

    Praticar a abstinência é privar-se de algo, não só de carne. Por exemplo, se temos o hábito diário de assistir televisão, fumar, etc, vale o sacrifício de abster-se destes itens nesses dias. A obrigação de se abster de carne começa aos 15 anos. A obrigação de jejuar, limitando-se a uma refeição principal e a duas mais ligeiras no decurso do dia, vai dos 21 aos 59 anos. Quem está doente (e também as mulheres grávidas) não está obrigado a jejuar.

    "Todos pecamos, e todos precisamos fazer penitência, afirma São Paulo. A penitência é uma virtude sobrenatural intimamente ligada à virtude da justiça, que dá a cada um o que lhe pertence: de fato, a penitência tende a reparar os pecados, que são ultrajes a Deus, e por isso dívidas contraídas com a justiça divina, que requer a devida reparação e resgate. Portanto, a penitência inclina o pecador a detestar o pecado, a repará-lo dignamente e a evitá-lo no futuro.

    A obrigatoriedade da penitência nasce de quatro motivos principais, a saber:
    1º. - Do dever de justiça para com Deus, a quem devemos honra e glória, o que lhe negamos com o nosso pecado;
    2º.- da nossa incorporação com Cristo, o qual, inocente, expiou os nossos pecados; nós, culpados, devemos associar-nos a ele, no Sacrifício da Cruz, com generosidade e verdadeiro espírito de reparação.
    3º.- Do dever de caridade para com nós mesmos, que precisamos descontar as penas merecidas com os nossos pecados e que devemos, com o sacrifício, esforçar-nos por dirigir para o bem as nossas inclinações, que tentam arrastar-nos para o mal;
    4º.- do dever de caridade para com o nosso próximo, que sofreu o mau exemplo de nossos pecados, os quais, além disso, lhe impediram de receber, em maior escala, os benefícios espirituais da Comunhão dos Santos.
    Vê-se daí quão útil para o pecador aproveitar o tempo da Quaresma para multiplicar suas boas obras, e assim dispor-se para a conversão.

    Segundo os Santos Padres, a Quaresma é um período de renovação espiritual, de vida cristã mais intensa e de destruição do pecado, para uma ressurreição espiritual, que marque na Páscoa o reinício de uma vida nova em Cristo ressuscitado.

    A Quaresma tem por escopo primordial incitar-nos à oração, à instrução religiosa, ao sacrifício e à caridade fraterna. Recomenda-se por isso a frequência às pregações quaresmais, a leitura espiritual diária, particularmente da Paixão de Cristo, no Evangelho ou em outro livro de meditação.

    O jejum e abstinência de carne se fazem para que nos lembremos de mortificar os nossos sentidos, orientando-os particularmente ao sincero arrependimento e emenda de nossos pecados.

    A caridade fraterna — base do Cristianismo — inclui a esmola e todas as obras de misericórdia espirituais e corporais.

     Missal Romano


    ~*~*~*~  ... relembrando ...

    Quarta-feira de Cinzas: jejum e abstinência obrigatórios.
    Sexta-feira Santa da Paixão do Senhor: jejum e abstinência obrigatórios.
    Demais dias da Quaresma, exceto os Domingos: jejum e abstinência parcial (carne permitida só na refeição principal/completa) recomendados.
    Dias assinalados pelo calendário antigo como Sextas-feiras das Têmporas: jejum e abstinência recomendados.
    Dias assinalados pelo calendário antigo como Quartas-feiras das Têmporas e Sábados das Têmporas:jejum e abstinência parcial recomendados.
    Demais sextas-feiras do ano, exceto se forem Solenidades: abstinência obrigatória, mas não o jejum. Essa abstinência pode ser trocada, a juízo do próprio fiel, por outra penitência, conforme estabelecer a conferência episcopal (no Brasil, a CNBB estabeleceu qualquer outro tipo de penitência, como orações piedosas, prática de caridade, exercícios de devoção etc).

    a partir de texto base de Dom Eugênio de Araújo Sales, Arcebispo emérito do Rio de Janeiro



    Façamos Dignos Frutos de Penitência


    Uma Boa e Santa Quaresma à todos os leitores!