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21 de Março - Mês Dedicado a São José

São José com a Virgem Santíssima e o Menino Deus fogem para o Egito da perseguição de Herodes


            Satisfeito os misteriosos atos da Apresentação do Infante Jesus e Purificação de Maria Virgem, voltou a Sagrada Família para Nazaré. Desde logo se começou a divulgar e crescer a fama das maravilhas, que, em Belém e no Templo, haviam sucedido, até que, chegando o seu rumor aos ouvidos do cruel Herodes, se excitou neste a indignação contra Jesus, mandando, furiosamente, com lei bárbara e desumana, matar todos os meninos que havia em Belém e seus contornos até a idade de dois anos. Achava-se o fidelíssimo José dormindo, quando, aparecendo-lhe em sonhos o Arcanjo São Gabriel, lhe declarou o ímpio projeto e a iminente perseguição de Herodes, e lhe disse: Levanta-te e com o Menino e sua Mãe foge para o Egito, onde estarás até que eu outra vez te avise, porque Herodes há de buscar o Menino para lhe tirar a vida.
            Era o Egito província cômoda e oportuna para aquele refúgio, por ficar nos confins da Palestina e estar sujeita ao domínio de outro Príncipe. E, como não era ainda tempo do Senhor padecer, mas sim de se cumprir a profecia de Oséias no capítulo 2, foi aquela fuga mistério e não temor. Frustrar-se-ia em Cristo Senhor Nosso toda a causa da redenção do mundo, se permitisse que, em idade tão tenra, executassem nele os seus inimigos todo o ódio e crueldade.
            Despertou e levantou-se São José cheio de cuidado com a admoestação do Anjo e, dando logo parte à Virgem Maria daquele aviso, se sujeitou obediente e humilde aos ocultos decretos da Providência.
            Sem perda de tempo e sem socorro nem provisão alguma para tão longa jornada mais que a viva fé na mesma providência do Altíssimo, partiram. “Olhai, diz São Francisco de Salles, falando de São José, como parte logo sem dizer palavra: não se inquieta, nem pergunta ao Anjo que caminho tomará. Quem nos há de sustentar? Quem nos receberá? Ele sai à ventura carregado das suas ferramentas para ganhar sua pobre vida e a de sua família com o suor do seu rosto”. Tomaram os divinos Peregrinos a derrota do Egito pelo caminho menos trilhado, por ser mais oculto e, por isso, mais penoso. Partiram de Nazaré até Jerusalém percorrendo vinte e sete léguas, de Jerusalém à cidade de Hebron oito, passando por junto de Belém, onde diz a tradição pia que entrara São José para fazer algum provimento para jornada tão dilatada; de Hebron à Gaza é jornada de um dia; de Gaza até o Cairo há setenta léguas das quais cinquenta são desertas, e por este cálculo vieram a caminhar muito mais de cem léguas, indo sempre São José a pé e a Virgem Maria com o Menino ao colo, montada em jumenta na Palestina e em camelo nos desertos.
            Este caminho tão dilatado foi muito penoso para os perseguidos caminhantes, por ser a maior parte dele deserto e cheio de areias ardentes, sem água e infestado de animais ferozes. Que sustos não passariam a Virgem Santíssima e seu solícito Esposo com o receio de que podia cair nas mãos dos verdugos e assassinos de Herodes o divino Infante! Quantas vezes as pulsações mais apressadas de seus corações não lhes pareceriam ser o tropel dos seus perseguidores!
            Sendo esta jornada nos princípios de Fevereiro, a todos os incômodos da viagem acrescia o frio intenso, com falta de casas em que pudessem agasalhar-se.
            Oh! Quanto neste cuidado servia a Cristo o ditoso São José! São José não morreu por Cristo, mas defendeu a Cristo, e nesta defesa, conservando-o, deu-lhe nova vida. Dar a vida pelo Senhor não parece que seria tanto, como foi conservar ao Senhor a vida; porque quanto mais valia a vida de Cristo, que a de José, tanto parece que fez mais em conservar aquela vida preciosa, do que fizera em desamparar por seu amor a própria; e ainda, se bem reparamos, tudo fez São José, porque não defendeu a vida de Jesus Cristo sem expor a própria a evidentes perigos.
            Foi São José nesta fuga o verdadeiro Anjo Rafael para com Cristo, pois o livrou das garras e astúcias do tirano Herodes, guiando-o pelos caminhos mais seguros e menos arriscados.
            Em tudo parece que, para defesa de Cristo nesta perseguição, não quis o Céu auxiliá-lo, para que tudo se devesse á cuidadosa proteção de São José.
            Não tinha o tenro Menino mais abrigo e comodidade nesta longa jornada, que os braços da Virgem e os de seu Santíssimo Esposo, cumprindo-se assim o que profetizara Isaias, que entraria o Senhor pelas terras do Egito em uma nuvem ligeira, a qual era Maria Santíssima e o glorioso São José.
            Prosseguindo os celestes Peregrinos a sua dilatada jornada, chegaram, enfim, às terras do Egito, e, assim que passavam, os ídolos caiam de seus pedestais, quebrados em pedaços, realizando-se o que havia profetizado Isaias, quando disse que entraria o Senhor no Egito e seriam comovidos seus simulacros, com particularidade no templo de Hermopolis, edificado nas margens do Nilo, no qual, entrando a Virgem e seu santo Esposo com o Menino, caíram por terra seus malditos ídolos. Teve São José a gloriosa felicidade de presenciar estes prodigiosos efeitos na ruína da idolatria, um dos fins para que mandou o Anjo que fosse com o Menino ao Egito.

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A vida de São José pela Associação de Adoração Contínua a Jesus Sacramentado - Livraria Francisco Alves, 1927.

20 de Março - Mês Dedicado a São José

Adoração dos pastores.
Circuncisão do Menino Deus e o
Santíssimo Nome de Jesus que São José lhe pôs.
Adoração dos Magos.
Apresentação no templo

FONTE 

            Diz o Evangelista São Lucas que naquela hora, em que Jesus nascera, que foi à meia noite de 25 de Dezembro, estavam os pastores vigiando o seu gado, em um lugar distante de Belém, mil passos para o Oriente, recolhidos da chuva em um edifício abandonado, chamado Torre Ader ou de Rebanho, e, chegando a eles o Anjo Gabriel, cercando-os de claridade extraordinária, lhes anunciou o Mistério do nascimento de Cristo. Eles, admirados da novidade, partiram a toda pressa para verem aquele prodígio e, entrando na gruta onde estava o Menino, se prostraram por terra, com grande humildade e reverência, e adoraram o Salvador, o Messias prometido, oferecendo-lhe seus rústicos holocaustos, louvando a Sagrada Virgem e a seu Santíssimo Esposo pelo que acabavam de presenciar e voltaram para seus campos, glorificando a Deus pelo que tinham visto.
            No oitavo dia depois de nascido Cristo, diz São Lucas que chegara o tempo de ser circuncidado o Menino. Quis o divino Verbo conformar-se com os mais homens, sujeitando-se a este preceito da Lei, que o não obrigava, não só por ser Deus, e como tal superior a todas as leis, mas por não ser concebido segundo os demais homens; porém sujeitou-se a ela para começar logo a derramar sangue pelos homens; para que não tivesse escusa a incredulidade dos judeus; para provar que era da descendência de Abraão; para não se singularizar; e por outras causas.
            Para a operação deste Sacramento da lei antiga não havia Ministro determinado; o mesmo pai e mãe podiam ser os executores. Assim foi São José que praticou a circuncisão do Menino Deus, dando-lhe o nome de Jesus.
            Daqui se deduzem três excelências de São José: ser substituto do Pai Eterno em tudo, que não é geração; ter dado o nome a Jesus; e ser o primeiro que o nomeou juntamente com a Virgem Maria.
            Verdadeiramente, se tanta consolação e tanto alívio sente a nossa alma cada vez que proferimos com a boca este suavíssimo e dulcíssimo Nome, que suavidade e júbilo experimentaria São José a primeira vez que o pronunciou?
            Oh! Como se arrebataria em doce contemplação, penetrando as altíssimas maravilhas do Nome sobre todo nome onipotente, amável e virtuosíssimo! Oh! Como o repetiria mil vezes prostrado com reverência por terra, e com ele sua Santíssima Esposa!
            Louvado seja eternamente o admirável nome de Jesus, que, com tanta glória de São José, e com tanta utilidade para o mundo, quis o Altíssimo que fosse o nosso Santo quem nos ensinasse a pronunciar, invocar e suplicar Nome tão soberano em cuja doce pronunciação está virtualmente depositada toda a nossa luz, medicina e salvação; e assim como o abecedário, que só tem 25 letras, encerra em si todos os livros, que se tem escrito, e hão de escrever-se até o fim do mundo, assim, nestas cinco letras de Jesus, se compreendem todos os mistérios dos outros nomes de Deus.
            O lugar em que se fez esta cerimônia da lei foi na Gruta do nascimento e não no Templo de Jerusalém, como indicam alguns pintores, pois a Santíssima Virgem não saiu de Belém antes do dia da sua Purificação.
            Três Régulos ou Potentados gentílicos, a que a Escritura dá o título de Magos, dedicados ao estudo da astronomia, em que eram insignes, habitando na parte da Arábia, que fica entre a Mesopotâmia e a Palestina, admirados de uma nova estrela, que observaram no Oriente, e entendendo, ou porque Deus lho revelou, ou pela profecia de Balaão, ser aquele o sinal de haver nascido o verdadeiro Rei dos judeus, se dispuseram a vir adorá-lo com grande aparato e trem de camelos e dromedários. Partiram de suas terras, levando sempre diante dos olhos, como farol, o resplendor da estrela, que os guiava, e, chegando a Jerusalém, ali souberam dos Sacerdotes que em Belém havia de nascer o Messias segundo profetizara Miquéias; e, continuando logo a sua derrota por direção luminosa da mesma estrela, deixando assustado Herodes e toda a sua corte, chegaram finalmente ao lugar, onde estava o Salvador do Mundo, que era na gruta o Presépio onde havia nascido, e ali, com profunda humildade, mais prostrados que de joelhos, adoraram a Deus Menino, treze dias depois do seu nascimento.
            Como o Evangelista São Mateus diz que os Magos entraram na casa, e não na gruta, pensam alguns que São José, depois do desafogo da cidade pela retirada dos que vieram inscrever seus nomes em obediência ao Edito, melhorara de habitação, porém os historiadores eclesiásticos dizem que todos aqueles quarenta dias, entre o Santíssimo Parto e a Purificação, não se afastara a Virgem e seu Santíssimo Esposo da gruta, onde o Menino nascera, por entender que aquele humilde tugúrio, que Deus havia escolhido e consagrado com o seu nascimento, se avantajara incomparavelmente aos maiores palácios dos reis.
            Não diz o Evangelho se assistira São José a esta adoração dos Magos, antes do seu silêncio se deve supor a ausência, talvez motivada para que os Magos, que sabiam que o Messias nasceria de uma Virgem, não se escandalizassem com a presença de seu suposto Esposo, sem poder aprofundar no mistério da concepção da Virgem.
            Depois dos felicíssimos Santos Magos adorarem reverentemente ao Filho de Deus, ofereceram-lhe seus tesouros que tinham mística significação: incenso, por ser Deus, ouro por ser Rei e mirra por ser homem. São José dera ao Menino o incenso, à Virgem o ouro e para si escolhera a mirra.
            É de crer que os Magos tivessem recebido em recompensa da Virgem Maria maravilhosas coisas do céu.
            Passados quarenta dias depois do nascimento de Cristo, levaram os Santíssimos Esposos o Menino Jesus ao Templo de Jerusalém, para o oferecer ao Senhor, segundo mandava a lei da Purificação do Levítico, e nesta jornada é crível que iriam sumamente alegres José e Maria não só por ser a primeira vez que levavam em público ao Rei da Glória para ser no mundo conhecido por suas criaturas, mas por irem oferecer ao Pai Eterno a Hóstia viva de seu Unigênito humanado. E como levariam alternadamente em seus braços São José e a Virgem aquela doce prenda, de valor inestimável! Que suave se lhes faria aquela carga amorosa, que sustenta todo o peso do universo! Em que altíssimas contemplações se empregariam por todo o espaço de duas léguas, que distava Jerusalém da cidade de Belém!
            Assim que entraram no Templo, ofereceu Maria Santíssima o Menino ao Sacerdote, e o glorioso São José, acomodando-se à lei dos pobres, ofereceu um par de pombinhos ou de rolas.
            A lei de Moisés mandava também que os ricos, quando se tratasse de menino, sacrificasse a Deus um cordeiro manso e, como os Santos Esposos tinham repartido pelos pobres o ouro, que os Magos lhes deram, é possível que não tivessem os meios de comprar o cordeiro; mas de qualquer modo era oferecido o Cordeiro místico e o verdadeiro que foi o mesmo Cristo.
            Também era lei particular que os primogênitos, não sendo filhos de Levitas, fossem redimidos por cinco ciclos e, posto que o Evangelho guarde nisto silêncio, é sem dúvida que os Santíssimos Pais resgataram com os cinco ciclos a seu Filho Jesus Cristo, como dizem os Expositores, do que resulta uma grande glória a Maria e a São José, Esposos puríssimos, pois mereceram deste modo redimir a seu mesmo Redentor, em cuja ação não só se viu verificada a significação do glorioso nome de José, que na língua hebraica significa Salvador, mas nobremente desempenhado na oferta dos cinco ciclos, que o nosso Santo satisfez no Templo para remir ao Redentor do mundo, que depois o resgatou com as suas preciosíssimas cinco chagas.
            O Sumo Sacerdote, que era o velho Simeão, inspirado pelo Espírito Santo, ao receber o Menino em seus braços, foi-lhe revelado ser aquele o Redentor de Israel, a quem esperava ver antes de sua morte. Devotamente o beijou e abençoou, entoando o misterioso cântico: “Nunc dimittes...”; e, entregando aquela estimadíssima prenda do Pai Eterno a Virgem Puríssima, sua Mãe, lhe profetizou a dor tão penetrante, como de espada aguda, que havia de transpassar sua alma na Paixão de seu Filho, anunciando-lhe também o remédio, que ele vinha trazer com a redenção do mundo.
            Destes afetos participou igualmente São José; ele e a Virgem, recebendo do Sacerdote a benção, e ficando reconhecidos por pais de Jesus Cristo, se retiraram do Templo.

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A vida de São José pela Associação de Adoração Contínua a Jesus Sacramentado - Livraria Francisco Alves. 1927

‎19 de março - Solenidade de São José


     "Porque a sua fé era tão forte, a mente e o coração de José curvaram-se em perfeita adoração. Imitai a sua fé enquanto vos ajoelhais diante do Cristo humilde e aniquilado na Eucaristia. Rasgai o véu que cobre esta fornalha de amor e adorai o Deus escondido. Ao mesmo tempo respeitai o véu do amor e fazei a imolação da vossa mente e do vosso coração, porque esta é a mais bela homenagem de fé"
 São Pedro Julião Eymard

“Como é doce, calmo, sereno, suave o pensamento de São José, meu primeiro e predileto protetor”
João XIII

“Alguns santos receberam o privilégio de nos proteger em casos particulares. A São José foi conferido o encargo de nos socorrer em toda a necessidade e em qualquer negócio: de defender, proteger e amparar com perene benevolência todos os que a ele recorrem”

São Tomás de Aquino

“Não me lembro de ter pedido alguma graça a São José que ele não me tenha alcançado”

Santa Teresa d´Ávila


“Os homens ignoram os privilégios que o Senhor concedeu a São José, e quanto pode sua intercessão junto a Deus. Somente no dia do juízo os homens conhecerão sua eminente santidade, e chorando amargamente por não haverem conhecido e se aproveitado deste meio tão poderoso e eficaz para sua salvação e alcançar as graças de que necessitam.”

Nossa Senhora à Irmã Maria de Jesus de Agreda 




Depois de Nossa Senhora, o Santo mais privilegiado por Deus é São José. Era a ele que o Filho de Deus chamava de “pai” nesta terra.

O Santo Esposo da Mãe de Deus é invocado como... 


protetor da Igreja – pois foi o pai nutrício de Jesus;
protetor das famílias – pois teve a seu cuidado a Família de Nazaré;
padroeiro dos trabalhadores – pois trabalhando como carpinteiro que conseguia o sustento de sua Família;
padroeiro da boa morte – pois morreu nos braços de Jesus e Maria!
  

Em nosso dia-a-dia na família e no trabalho, recorramos a São José, lembremo-nos de Seu exemplo como esposo, pai, trabalhador. Peçamos Sua intercessão nas dificuldades cotidianas, pois ele conheceu as aflições de um pai que precisa manter uma família com seu trabalho.

Sendo o Pai adotivo de Jesus, São José é também Pai adotivo do Seu Corpo Místico, que são os cristãos; o Cristo total é Ele - cabeça - e nós - os Seus membros. São José ama-nos, pois, como ama a Jesus. As nossas aflições, angústias e necessidades, são as de Jesus. São José é o Padroeiro da Igreja Universal; nenhum problema nosso, portanto, pode lhe ser indiferente. Invoquemo-lo, pois, cheios de confiança.

Não haverá morte eterna para o pecador, ainda o mais inveterado, que pedir a São José com frequência a graça de não morrer em pecado. Sejamos, pois, fiéis às práticas em honra de São José e obteremos sua proteção. Tenhamos na nossa casa uma imagem ou um quadro de São José.



São José, fazei que eu morra, como vós, nos braços de Jesus e Maria

 

SERMÃO DO QUARTO DOMINGO DA QUARESMA



Fontes Franciscanas
III
SANTO ANTÔNIO DE LISBOA
Volume I
Biografia e Sermões
Livro de 1998
Tradução: Frei Henrique Pinto Rema, OFM


Sermão do Quarto Domingo da Quaresma

SUMÁRIO
O Evangelho, no quarto domingo da Quaresma, é o dos cinco pães.
Em primeiro lugar, um sermão ao pregador: Lança o teu pão.
Um sermão para exprobrar o pecado: Judá, pelo seu pastor Odolamita; e sobre a fração dos cinco pães e seu significado.
Um sermão sobre os cinco côvados da mirra: Com cinco pães; e sobre os cinco irmãos de Judá e seu significado.
Um sermão sobre o amaldiçoado número quatro e sobre a reunião dos cinco e seu significado: A terra estremece com três coisas.

Exórdio. Sermão aos pregadores.
 1.  Com cinco pães e dois peixes saciou o Senhor cinco mil homens etc1.
 Aos pregadores fala Salomão no Eclesiastes2: Lança o teu pão sobre as águas que passam, e depois de muito tempo o acharás. As águas que passam são os povos a correr para a morte3. Por isso, diz a mulher de Técua no segundo livro dos Reis4: Todos corremos como água. Escreve Isaías5: Este povo rejeitou as águas de Siloé, que correm em silêncio, e preferiu apoiar-se em Rasim e em Face, filho de Romélia. Siloé interpreta-se enviado; portanto, as águas de Siloé são a doutrina de Jesus Cristo6, enviado do Pai. Rejeitam esta água os que se perdem em desejos terrenos e se apóiam em Rasim, isto é, no espírito soberbo, e em Face, ou seja, na imundície da luxúria. E por esta razão correm como água para o profundo da Geena. Portanto, sobre as águas que passam, ó pregador, lança o teu pão, o pão da palavra de Deus, do qual se diz: Não só de pão7 etc. E Isaías8: Foi-lhe, isto é, ao justo, dado o pão; depois de muito tempo, no dia do juízo, achá-lo-ás, ou seja,encontrarás o que te dará em troca dele. Em nome do Senhor, lançarei o pão sobre as águas, compondo por vosso amor, sobre os cinco pães e dois peixes, um pequeno sermão.

Os cinco pães e os dois peixes.
 2. Digamos, portanto: Com cinco pães e dois peixes etc. Os cinco pães são os cinco livros de Moisés9, em que se encontram as cinco refeições da alma. O primeiro pão é detestar o pecado na contrição; o segundo é revelá-lo na confissão; o terceiro é a miséria e humilhação de si mesmo na satisfação; o quarto é o zelo das almas na pregação; o quinto é a doçura da pátria celeste na contemplação.
 Acerca do primeiro pão lê-se no primeiro livro, no Gênesis10, que Judá mandou um cabrito a Tamar pelo seu pastor Odalamita. Judá interpreta-se o que se confessa e significa o penitente11, que deve enviar o cabrito, isto é, a detestação do pecado12. Tamar, que se interpreta amarga, trocada, palmeira13, é a alma penitente14, em cuja tripla interpretação se designa o triplo estado dos penitentes. Chama-se amarga relativamente ao estado dos incipientes; trocada, dos proficientes; palmeira, dos perfeitos. Odolamita interpreta-se testemunho pela água15 e significa a compunção das lágrimas pelas quais o penitente testemunha que detesta o pecado e promete não voltar a cometê-lo. E assim desta Tamar, como diz S. Mateus16, poderá Judá gerar Farés e Zara. Farés interpreta-se divisão; Zara, oriente17. O penitente deve antes separar-se do pecado e depois tender à iluminação das boas obras. Declina, diz o Profeta18, do mal: eis Farés; e faz o bem: Eis Zara.
 Acerca do segundo pão lê-se no segundo livro de Moisés, no Êxodo19, que Moisés escondeu debaixo da areia o egípcio morto. Moisés interpreta-se aquático20 e significa o penitente, flutuando nas água da compunção. Ele deve matar o egípcio, isto é, o pecado mortal, na contrição, e escondê-lo debaixo da areia na confissão. Escreve, pois, S. Agostinho21: Se tu te descobres, Deus cobre-te; se tu te cobres, Deus descobre-te. Esconde, portanto, o egípcio quem descobre o seu pecado. Esconde-o para Deus e descobre-o ao sacerdote. Daí o dizer-se no Gênesis22 que Raquel escondeu os ídolos de Labão. Raquel interpreta-se ovelha. Esta é a alma penitente, que deve esconder os ídolos, isto é, os pecados mortais, de Labão, ou seja, do diabo. Bem-aventurados aqueles, diz o Profeta23, cujos pecados foram cobertos.
 Acerca do terceiro pão lê-se no terceiro livro de Moisés, no Levítico24, onde se manda aos sacerdotes: O papo e as penas lançá-los-ás no lugar das cinzas para o lado do Oriente. O papo simboliza o ardor e a sede da avareza, da qual escreve Job25: Uma sede ardente atormentará o avarento. A pena designa a leveza da soberba26. A pena, escreve Job27, do avestruz, isto é, do hipócrita, é semelhante às penas da cegonha e do falcão, isto é, do varão contemplativo28. São lançadas no lugar das cinzas quando pensamos de coração compungido na palavra da maldição: És cinza, e à cinza hás-de voltar29. O lado do Oriente é a vida eterna, da qual nos separamos por causa dos primeiros pais30. Humilha-se, portanto, o penitente na satisfação e lança fora de si o papo da avareza e a pena da soberba quando traz à memória o eulógio31 da primeira maldição e geme todos os dias, prostrado diante dos olhos de Deus.
 Acerca do quarto pão lê-se no quarto livro, o dos Números32, que Fineias, tomando um punhal, atravessou os dois fornicadores pelas partes genitais. Finéias é o pregador, que tomando o punhal, isto é, a palavra da pregação, deve atravessar os fornicadores nas partes genitais, para que, descoberta e como que lançada em rosto a sua torpeza, se envergonhem do crime cometido33. Revelarei, diz o Senhor por boca do seu Profeta34, diante da tua face as partes vergonhosas. Cobre os seus rostos de ignomínia, diz David35.
 Acerca do quinto pão lê-se no quinto livro, o Deuteronômio36, que Moisés subiu das planícies do Moab ao monte Abarime aí morreu diante de Deus. Moisés é o penitente. Sobe das planícies de Moab, que se interpreta do pai37. Quer dizer, deve deixar a vida dos carnais, provenientes do pai diabo, e subir ao monte Abarim, que se interpreta passagem38, ou seja, a excelência da contemplação, para que passe deste mundo ao Pai39.
 Estes são os cinco pães de que se diz: Com cinco pães e dois peixes.

 3. Estes são os cinco côvados da mirra. Escreve Solino40 que na Arábia há uma árvore chamada mirra, de cinco côvados de altura. Arábia interpreta-se sagrada41 e significa a santa Igreja, na qual há a mirra da penitência que eleva o homem das coisas terrenas cinco côvados, que são os cinco pães evangélicos. Estes são os cinco irmãos de Judá, a respeito dos quais diz Jacob no Gênesis42: Judá, louvar-te-ão os teus irmãos; são eles: Ruben, Simeão, Levi, Issacar, Zabulão. Ruben interpreta-se vidente; Simeão, audição; Levi, ajuntado; Issacar, recompensa; Zabulão, casa de fortaleza43.
 Tenha, portanto, Judá um irmão chamado Ruben, para que veja na contrição com aqueles sete olhos a que se refere Zacarias44: Numa só pedra, ou seja, no penitente, que deve ser pedra pela constância e um só pela unidade da fé,havia sete olhos. Com o primeiro deles deve ver o passado, para o chorar; com o segundo, o futuro, para dele se acautelar; com o terceiro, as coisas prósperas, para não o ensoberbecerem; com o quarto, as adversas, para não o deprimirem; com o quinto, as coisas superiores, para as saborear; com o sexto, as inferiores, para as tornar insípidas; com o sétimo, as interiores, para se comprazer em Deus.
 Tenha, portanto, um segundo irmão de nome Simeão ao confessar-se, para que o Senhor ouça a sua voz, como diz Moisés no Deuteronômio45: Ouve, Senhor, a voz de Judá. Dela se lê nos Cânticos46: Ressoe a tua voz aos meus ouvidos, pois que a tua voz é doce.
 À contrição e à confusão se ajunte o terceiro irmão, Levi, na satisfação, a fim de que a medida da pena corresponda à culpa47. Fazei, diz, dignos frutos de penitência48. No Sinai, de fato, que se interpreta medida49, foi dada a lei. A lei da graça é dada àquele cuja penitência se mede de conformidade à culpa.
 Tenha ainda um quarto irmão, Issacar, para que, incendiado pelo zelo das almas, receba a recompensa da eterna felicidade. Mas o tronco inútil, a ocupar terreno, e o fátuo idiota, a entravar um lugar na Igreja, receba, não a recompensa da vida eterna, mas a amargura da morte eterna.
 Todavia, por favor, tenha um quinto irmão, Zebulão, para que, habitando na casa da contemplação, juntamente com o simples Jacob50, mereça tomar gosto à doçura celeste.
Estes são os cinco pães, de que diz: Com cinco pães e dois peixes etc.

 4. Os dois peixes representam a inteligência e a memória, que devem servir de condimento aos cinco livros de Moisés, para que entendas o que lês e confies ao tesouro da memória o que entendes. Ou então, os dois peixes, tirados da profundeza do mar para a mesa do rei, são Moisés e Pedro. O nome Moisés vem da água de que fora tirado51; e Pedro o pescador é elevado à dignidade de Apóstolo. A Sinagoga foi encomendada àquele; a Igreja, a este. A Sinagoga e a Igreja são Sara e Agar, das quais se escreve na Epístola52 de hoje:Está escrito que Abraão teve dois filhos etc. A escrava Agar, que se interpreta solene, significa a Sinagoga, que se gloriava na observância da lei, como se foram coisas solenes. Sara, que se interpreta carvão, significa a santa Igreja53, inflamada no dia de Pentecostes pelo fogo do Espírito Santo. O filho de Agar é o povo judeu, que luta com o filho de Sara, o povo dos crentes54.
 Por outras palavras, Sara, que se interpreta princesa55, é a parte superior da razão, que deve comandar, como a senhora manda na escrava. A escrava é a sensualidade, representada por Agar, que se interpreta abutre56. Com efeito, a sensualidade, qual abutre, segue os cadáveres dos desejos carnais. O filho de Agar, isto é, o movimento da carne, persegue o filho de Sara, ou seja, o movimento da razão. E isto é o que diz o Apóstolo57: A carne deseja contra o espírito e o espírito contra a carne, de forma a pô-la fora juntamente com o seu filho. Por isso, diz-se: Põe fora a escrava e o seu filho58. Efetivamente, a carne, carregada com os bens da natureza e opulenta com as vantagens temporais, insurge-se contra a senhora. Sucede então o que diz Salomão nas Parábolas59: A terra estremece com três coisas e uma quarta não a pode suportar: com um escravo que chega a reinar; com um insensato farto de alimento, com uma mulher odiosa que um homem desposou, e com uma escrava que se torna herdeira de sua senhora. O escravo que chega a reinar é o corpo recalcitrante. O insensato farto de alimento é a alma inebriada de delícias. A mulher odiosa são as más obras; é recebida em matrimônio quando o pecador cai na cilada do mai hábito. E desta forma a escrava Agar, a sensualidade, torna-se herdeira da sua senhora, a razão. Mas para que este domínio infeliz acabe, com cinco pães e dois peixes saciou o Senhor cinco mil homens.

 5. Acerca deste assunto há concordância no Intróito da missa: Alegra-te, Jerusalém, e reuni-vos60 etc. Nota que para o número de cinco mil homens há cinco reuniões. A primeira foi celebrada no céu; a segunda, no paraíso; a terceira, no monte das Oliveiras; a quarta, em Jerusalém; a quinta, em Corinto.
 Na primeira reunião nasceu a discórdia. Com efeito, o primeiro anjo, antes monge branco, depois monge negro, porque primeiro lúcifer, depois tenebrífero, semeou a cizânia da discórdia nas fileiras dos seus irmãos. No corro da concórdia, de fato, começou a cantar a antífona da soberba, partindo do mais alto, em vez do mais baixo. Subirei, diz,ao céu, para aí ser igual ao Pai, e serei semelhante ao Altíssimo61, isto é, ao Filho. E enquanto desta forma cantava altaneiramente e entumecia as veias do coração, caiu irrecuperavelmente: o firmamento não pôde suster a sua soberba62.
 Na segunda reunião do paraíso nasceu a desobediência, por causa da qual os protoparentes foram lançados à miséria deste exílio.
 Na terceira, nasceu a simonia. Consiste ela em comprar ou vender o espiritual ou o que é anexo ao espiritual63. Ora, que coisa mais espiritual e mais santa do que Cristo? Cremos que Judas, ao vendê-lo, incorreu no pecado de simonia, e por isso, suspenso dum laço rebentou o ventre. Assim todo o simoníaco, se não se sujeitar e fazer verdadeira penitência, suspenso do laço da eterna condenação, arrebentará o ventre pelo meio64.
 Na quarta reunião, a pobreza foi desonrada, quando Ananias e Safira subtraíram para eles parte do preço do campo vendido, mentido ao Espírito Santo65. E por isso imediatamente sofreram a sentença do manifesto ultraje. Desta maneira, se os que tiverem renunciado aos próprios bens, marcando-se com o selo da santa pobreza, quiserem reedificar a Jericó destruída66, sofrerão eternamente o impropério da maldição.
 Na quinta, foi lesada a castidade. Lê-se na epístola aos Coríntios67 que Paulo não duvidou ferir, para morte da carne, com a sentença de excomunhão aquele fornicador que tomara a mulher do pai.
 Vós, porém, membros da Igreja, cidadãos da Jerusalém celeste, fazei uma reunião dividida em cinco partes, de que serão banidos estes cinco crimes: a cizânia da discórdia, a loucura da desobediência, a concupiscência da simonia, a lepra da avareza e a imundície da luxúria. Assim merecereis ser saciados com cinco pães e dois peixes entre cinco mil homens e gozar da perfeição do número milenário. Ajude-nos aquele que é bendito por séculos de séculos. Assim seja.
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1.Breviário Romano, Antífona de Tércia deste domingo. Cf. Jo 6, 1-15.
2.Ecle 11, 1.
3.Cf. GREG., Moralium XIX 6, 9, PL 76, 101.
4.Cf. 2Reis 14, 14.
5.Is 8, 6. A palavra Face é tirada da Gossa Int., ibidem.
6.Cf. Glo. Ord., Is 1 c. e Jo 8, 6-7.
7.Mt 4, 4.
8.Is 33, 16.
9.Glo. Ord., Jo 6, 9.
10.Cf. Gen 38, 20.
11.Cf. Glo. Ord., Gen 38, 12.
12.Glo. Int., 38, 17-20.
13.JERÓN., De. nom. hebr., PL 23, 829.
14.Cf. Glo. Ord., Gen 38, 12.
15.Glo. Ord., 38, 1.
16.Cf. Mt 1, 3.
17.Glo. Ord., Gen 38, 29-30.
18.Sl 36, 27.
19.Ex 2, 21 (Vg... abscondit sabulo).
20.Cf. Ex 2, 10.
21.Cf. AGOST., Enarr. in Ps. 31, 11, 9, 12, PL 36, 264, 266.
22.Cf. Gen 31, 34.
23.Cf. Glo. Ord., Gen 31, 23.
24.Cf. Lev 1, 16.
25.Job 18, 9.
26.Glo. Int., Lev 1 c.
27.Job 39, 13 e Glo. Ord., ibi.
28.Cf. Glo. Ord., ibidem.
29.Gen 3, 19 (Vg. muda).
30.Cf. Glo. Ord., Lev 1 c.
31.Eulógio quer dizer sentença judicial. Está por elógio, testificação, certificado. Cf. A. CALEPINO, Latinae Linguae Dicionarium.
32.Cf. Num 25, 7-8.
33.Cf. AMB., In Ps. 118, sermo 18, 11, PL 15, 1532.
34.Naum 3, 5 (Vg... in facie tua).
35.Sl 82, 17.
36.Cf. Deut 34, 1.5.
37.Glo .Ord. e Int., Gen 19, 37.
38.Glo. Ord., Deut 32, 49.
39.Jo 13, 1 (Vg... ex hoc mundo...).
40.Cf. SOLINO, Polihistor, 46.
41.SOLINO, ibidem; ISID., Etym. XIV, 3, 15, PL 82, 498.
42.Gen 49, 8 (Vg... te laudehunt...).
43.Cf. Glo. Int., Gen cc. 29-30.
44.Cf. Zac 3, 9.
45.Deut 3, 7.
46.Cant 2, 14 (Vg... voz enim...).
47.Cf. Glo. Int., Lc 3, 8; Mt 3, 8; P. LOMB., Sent. IV, dist. 16, 2, p. 840.
48.Lc 3, 8; Mt 3, 8.
49.Glo. Ord. e Int., Ex 24, 16.
50.Cf. Gen 25, 27.
51.Cf. Ex 2, 10.
52.Gal 4, 22 (Vg. ajunta).
53.Cf. Glo. Ord., Gen 16, 2.
54.Cf. Glo. Int., Gen 16, 12.
55.Glo. Ord. e Int., Gen 17, 15.
56.A interpretação habitual deste nome é estrangeira ou convertida. Cf. JERÓN., De nom. hebr., PL 23, 819.
57.Cf. Gal 5, 17.
58.Gal 4, 10.
59.Prov 30, 21-23 (Vg. muda)
60.Cf. Is 66, 10-11.
61.Cf. Is 14, 13-14.
62.Para os antigo, o firmanento é como o sobrado do céu. Ele cedeu no lugar em que Lúcifer se abateu e o deixou cair no abismo. Esta passagem lembra o teatro religioso da Idade Média.
63.Cf. GRACIANO, Se adhuc obiicitur (Prologus Gratiani), C. 1, q. 3, PL 187, 546; P. LOMB., Sent. IV, dist. 25, 2-4, pp. 909-910.
64.Cf. Atos 1, 18.
65.Cf. Atos 5, 1-10.
66.Jos 6, 26.
67.Cf. 1Cor 5, 1-5.

16 de Março - A Vida de São José

A Vida de São José

A Vida dos Santos - Vol. III – Março
Rev. Alban Butler (1711-73)
Excerto do livro de 1866

FONTE 
  O GLORIOSO São José era descendente direto dos grandes reis da tribo de Judá, e dos mais ilustres patriarcas; mas sua verdadeira glória consistiu em sua humildade e virtude. A história de sua vida não foi escrita por homens, mas suas ações principais foram registradas pelo próprio Espírito Santo. Deus delegou-lhe a educação de seu divino Filho, manifestado na carne. Para este fim, ele esposou a Virgem Maria. É um erro evidente de alguns autores considerar que, de uma ex-mulher, ele fosse pai de São Tiago Menor, e de outros que nos evangelhos são referidos como irmãos do Senhor: pois havia apenas primos-primeiros de Cristo, os filhos de Maria, irmã da Virgem Santíssima, esposa de Alfeu, que ainda vivia no tempo da crucificação do Redentor. São Jerônimo assegura-nos[1] que São José sempre preservou sua castidade virginal; e é de fé que nada contrário a isto jamais ocorreu em relação à sua casta esposa, a Virgem Maria Santíssima. Ele lhe foi dado pelo céu para ser o protetor de sua castidade, para defendê-la de calúnias na ocasião do nascimento do Filho de Deus, e para assisti-la na educação d’Ele, em sua caminhada, fatigas e perseguições. Quão imensa foi a pureza e santidade daquele que foi escolhido como guardião da mais imaculada Virgem! Este homem santo parece ter desconhecido, por tempo considerável, o grande mistério da Encarnação, que fora nela forjado pelo Espírito Santo. Consciente, contudo, de seu próprio comportamento casto em relação a ela, era natural que uma grande preocupação surgisse em seu interior, ao descobrir que, não obstante a santidade do comportamento dela, com toda a certeza ela estava grávida. Mas sendo um homem justo, como as Escrituras o chamam, e consequentemente possuidor de todas as virtudes, especialmente a caridade e a mansidão em relação ao próximo, ele estava determinado a deixá-la em segredo, sem condená-la ou acusá-la, entregando tudo a Deus. Estas suas perfeitas disposições foram tão aceitáveis a Deus, o amante da justiça, caridade e paz, que antes que ele executasse o planejado, Ele enviou um anjo do céu, não para repreender qualquer coisa de sua santa conduta, mas para dissipar todas as suas dúvidas e temores, revelando-lhe o adorável mistério. Quão felizes seríamos se fossemos tão delicados em tudo que se relacionasse à reputação do próximo; tão livres de maus pensamentos ou suspeições, qualquer que fosse a certeza que fundamentasse nossas conjecturas ou nossos sentidos; tão controlados em usar nossa língua! Cometemos estas faltas somente porque, em nossos corações, somos desprovidos daquela verdadeira caridade e simplicidade da qual São José nos deu tão eminente exemplo naquela ocasião.
Podemos admirar em secreta contemplação, com que devoção, respeito e delicadeza ele contemplava e adorava o primeiro de todos os homens, o recém-nascido Salvador do mundo, e com que fidelidade ele se desincumbia de suas duas responsabilidades, a educação de Jesus e a guarda de sua santa mãe. “Ele foi verdadeiramente o servo fiel e prudente,” diz São Bernardo,[2] “a quem nosso Senhor nomeou para o chefe do lar, o conforto e apoio de Sua mãe, Seu padrasto, e o mais fiel colaborador na execução de seus mais profundos conselhos na terra.” “Que felicidade,” diz o mesmo padre, “não somente ver Jesus Cristo, mas também ouvi-Lo, carregá-Lo em seus braços, levá-Lo a lugares, abraçá-Lo e acariciá-Lo, alimentá-Lo, compartilhar todos os grandes segredos que eram ocultados dos príncipes deste mundo.”
“Oh, assombrosa elevação! Oh, incomparável dignidade!” clama o piedoso Gerson,[3] numa devota alocução a São José, “que a mãe de Deus, rainha dos céus, o chame de senhor; que o próprio Deus feito homem o chame de pai e obedeça suas ordens. Oh, gloriosa Tríade na terra, Jesus, Maria e José, que família mais querida à gloriosa Trindade nos céus, Pai, Filho e Espírito Santo! Nada é tão grande na terra, tão bom, tão excelente.” Em meio a estas graças extraordinárias, que coisa há mais maravilhosa que sua humildade! Ele oculta seus privilégios, vive como um homem obscuro, não escreve nada acerca dos grandes mistérios de Deus, não indaga mais nada sobre os mistérios de Deus, deixando a Deus a decisão de manifestá-los em Seu próprio tempo, procura cumprir a ordem da providência a seu respeito, sem interferir com qualquer coisa, exceto a que lhe diz respeito. Embora descendente da família real que tivera uma longa possessão do trono da Judéia, ele se contenta com sua condição de mecânico e artesão,[4] de cujo trabalho tira o sustento para manter a si próprio, a sua esposa e a seu divino filho.
Seríamos ingratos a este grande santo se não lembrássemos que é a ele, como instrumento de Deus, que devemos a preservação do menino Jesus do ciúme e da malícia de Herodes, manifestada na matança dos Inocentes. Um anjo, que lhe apareceu em sonho, ordenou-lhe que levantasse, tomasse o menino Jesus, fugisse com ele para o Egito e ficasse lá até que lhe fosse ordenado que voltasse. Esta repentina e inesperada fuga deve ter causado muitos inconvenientes e sofrimentos a José, numa viagem tão longa, com uma criança pequena e uma virgem delicada, grande parte do caminho sendo através de desertos e em meio a estranhos; mesmo assim, ele não alegou nenhuma desculpa, nada perguntando acerca do momento do retorno. S. Crisóstomo observa que Deus trata assim todos os seus servos, enviando-lhes frequentes provas, para livrar seus corações da ferrugem do amor-próprio, mas entremeando períodos de consolação.[5] “José”, diz ele, “está ansioso ao ver a Virgem com o filho; um anjo remove o temor; ele regozija-se com o nascimento da criança, mas um grande temor sucede; o rei furioso procura destruir a criança e toda a cidade está em alvoroço para tirar sua vida. Isto é seguido por uma nova alegria, a adoração dos Magos: uma nova tristeza então surge; ele recebe a ordem de fugir para um país estrangeiro e desconhecido, sem auxílio ou alguém conhecido.” É a opinião dos Padres da Igreja, que com a presença do menino Jesus, todos os oráculos daquele país supersticioso ficaram mudos, e as estátuas de seus deuses estremeceram e, em muitos lugares, caíram por terra, de acordo com Isaías 19: E as estátuas egípcias estremecerão diante d’Ele.[6] Os Padres também atribuem a esta divina visita as graças derramadas naquele país, que fez dele, por muitos anos, um campo fértil de santos.[7]
Depois da morte do rei Herodes, que foi informada a São José por meio de uma visão, Deus ordenou-lhe o retorno, com a criança e a mãe, para a terra de Israel, ordem que nosso santo prontamente obedeceu. Mas quando ele chegou à Judéia, sabendo que Arquelau sucedera Herodes naquela parte do país, temendo que ele tivesse sido infectado pelos vícios de seu pai – crueldade e ambição – ele temeu, por isso, lá se estabelecer, como ele teria, de resto, feito, pelas facilidades de educação da criança. E assim, sendo orientado por Deus em nova visão, ele se fixou nos domínios do irmão de Arquelau, Herodes Antipas, na Galileia, em sua residência anterior, em Nazaré, onde as maravilhosas ocorrências do nascimento de Nosso Senhor eram menos conhecidas. São José, sendo um austero observante da Lei Mosaica, em conformidade com ela, anualmente visitava Jerusalém para celebrar a páscoa. Arquelau, tendo sido banido por Augusto, e a Judéia tendo se tornado uma província romana, José não tinha, agora, nada a temer em Jerusalém. Nosso Salvador, tendo completado doze anos de idade, acompanhou seus pais até lá; os quais, tendo realizado as cerimônias usuais da celebração, estavam agora retornando, com muitos de seus vizinhos e conhecidos, para a Galileia. Sem nunca duvidarem que Jesus se unira ao grupo com algum amigo, viajaram durante todo dia sem procurar por Ele, antes que descobrissem que Ele não viajara com eles. Mas quando caiu a noite e eles não conseguiram obter nenhuma notícia d’Ele entre parentes e conhecidos, eles, na mais profunda aflição, retornaram com a máxima urgência a Jerusalém; onde, depois de uma busca ansiosa de três dias, eles O encontraram no templo, entre doutores da lei, ouvindo seus discursos e arguindo-os de forma a causar grande admiração a todos que O ouviam, deixando-os impressionados com a maturidade de Sua compreensão: tampouco seus pais ficaram menos surpresos na ocasião. E quando sua mãe contou-lhe a aflição e o afinco com que Lhe procuraram, e para expressar sua tristeza por aquela privação, embora de curta duração, de sua presença, disse a Ele: “Filho, por que procedestes assim conosco? Eis que seu pai e eu andávamos angustiados à tua procura;” ela recebeu como resposta que, sendo o Messias e Filho de Deus, enviado por seu Pai ao mundo para redimi-lo, Ele deve cuidar das coisas do Pai, as mesmas pelas quais Ele fora enviado ao mundo; e portanto, era muito provável que eles O encontrassem na casa de Seu Pai: dando a entender que sua aparição em público naquela ocasião era para manifestar a honra de Seu Pai, e para preparar os príncipes dos judeus para recebê-lo como seu Messias; advertindo-os, a partir dos profetas, acerca do tempo de Sua vinda. Mas, embora permanecendo assim no templo sem o conhecimento de seus pais, Ele tenha feito algo sem a permissão deles, em obediência ao Seu Pai celeste, em todas as outras coisas, Ele lhes foi obediente, retornando com eles para Nazaré, e lá vivendo numa obediente sujeição a eles.
Aelred, nosso compatriota, abade de Rieval, em seu sermão sobre a perda do menino Jesus no templo, observa que essa Sua conduta em relação a Seus pais é uma verdadeira representação do que ele nos mostra, quando ele, não raro, se afasta de nós por um curto período para nos fazer procurá-Lo com mais afinco. Ele assim descreve os sentimentos de Seus santos pais naquela ocasião:[8] “Consideremos o que era a felicidade daquele abençoado grupo, no caminho de Jerusalém, a quem foi dado contemplar Sua face, ouvir Suas doces palavras, ver n’Ele os sinais da sabedoria e virtude divinas; e em suas conversações receber a influência de Suas verdades que salvam e de Seus exemplos. Os velhos e os jovens O admiravam. Creio que os meninos de Sua idade ficavam atônitos com a gravidade de suas maneiras e palavras. Creio que tais raios de graça lançados de Seu abençoado semblante atraiam os olhos, ouvidos e corações de todos. E quantas lágrimas eles não derramavam quando estavam longe d’Ele?” Ele continua, considerando qual deve ter sido o desconsolo dos pais quando eles O perderam; quais foram seus sentimentos e quão veemente fora sua procura: mas que alegria quando eles O encontraram novamente! “Revela-me”, diz ele, “Oh, minha Senhora. Oh, Mãe de meu Deus, quais foram seus sentimentos, seu assombro e sua alegria quando a senhora O viu novamente, sentado, não entre meninos, mas no meio de doutores da lei: quando a senhora viu os olhos de todos fixados n’Ele, os ouvidos de todos O escutando, grandes e pequenos, instruídos ou não, atentos somente em suas palavras e movimentos. A senhora diz então: encontrei Quem eu amo. Eu O abraçarei e não O deixarei mais se afastar de mim. Abrace-O, doce Senhora, segure-O firme; lance-se ao Seu pescoço, demore em seu peito, e compense os três dias de ausência multiplicando os gozos de vosso atual desfrute d’Ele. Diga-Lhe que a senhora e Seu pai o procuraram em aflição. Por que se afligiram?, não por temor que Ele ficasse com fome ou necessitasse de algo, pois vocês sabiam que Ele era Deus: mas creio que vocês se afligiram por se verem privados dos gozos de Sua presença, mesmo por um curto período; pois o Senhor Jesus é tão doce para aqueles que O experimentam, que a mais mínima ausência é um motivo da maior aflição para eles.” Esse mistério é um emblema da alma devota, que Jesus por vezes se afastando e deixando-a na secura, a faça procurá-Lo com mais fervor. Mas, acima de tudo, quão fervorosamente não deve a alma que perdeu a Deus pelo pecado procurá-Lo novamente, e quão amargamente ela não deve deplorar sua extrema infelicidade!
Como nenhuma outra menção é feita a São José, ele deve ter morrido antes das bodas de Caná e do começo do ministério de nosso divino Salvador. Não podemos duvidar que ele tenha tido a felicidade da presença de Jesus e Maria em sua morte, rezando ao seu lado, assistindo-o e confortando-o nos seus últimos momentos. Por isso, ele é particularmente invocado pela grande graça de uma morte feliz e pela presença de Jesus nesta hora tremenda. A Igreja lê a história do patriarca José no seu dia, este que era chamado o salvador do Egito, que ele livrou de uma fome fatal; e foi nomeado o mestre fiel da casa de Putephar, do faraó e seu reino. Mas nosso grande santo foi escolhido por Deus como o salvador da vida do verdadeiro Salvador das almas dos homens, resgatando-O da tirania de Herodes. Ele está agora glorificado nos céus, como o guardião e mantenedor de seu Senhor na terra. Como o faraó dizia aos egípcios em suas tribulações: “Ide a José;” que nós confiantemente nos dirijamos à mediação dele, a quem Deus, feito homem, esteve sujeito e obediente na terra.
O devoto Gerson expressou a mais calorosa devoção a São José, que ele empenhou-se em promover por cartas e sermões. Ele compôs um ofício em sua honra, e escreveu sua vida em doze poemas, chamados Josefina. Ele engrandeceu todas as circunstâncias de sua vida através de piedosas afeições e meditações. Santa Teresa o escolheu o principal patrono de sua ordem. No sexto capítulo de sua vida, ela escreveu assim: “Escolhi o glorioso São José para meu patrono, e me recomendo singularmente a sua intercessão em todas as coisas. Não me lembro de ter suplicado a Deus alguma coisa por seu intermédio que eu não tivesse conseguido. Nunca conheci alguém que, por sua invocação, não tenha muito avançado na virtude: pois ele assiste de uma forma maravilhosa todos que se dirigem a ele.” São Francisco de Sales, ao longo de seus “dezenove entretenimentos”, recomendava grandemente a devoção a São José, e exaltava seus méritos, principalmente sua virgindade, humildade, constância e coragem. Os sírios e outras igrejas orientais celebram sua festa em 20 de julho; a Igreja ocidental, em 19 de março. O papa Gregório XV, em 1621, e Urbano VIII, em 1642, ordenou manter esta data como feriado de guarda.
A Sagrada Família de Jesus, Maria e José, nos apresenta o mais perfeito modelo de convivência na terra. Como aqueles dois serafins, Maria e José, viviam em sua pobre casa! Eles sempre desfrutavam da presença de Jesus, sempre se abrasando no mais ardente amor por Ele, inviolavelmente ligados à Sua sagrada Pessoa, sempre ocupados e vivendo apenas por Ele. Quantos foram seus êxtases em contemplá-Lo, qual foi sua devoção em ouvi-Lo, e seu gozo em possuí-Lo! Oh, vida celestial! Oh, antecipação da beatitude celestial! Oh, convívio divino! Podemos imitá-los, e compartilhar algum grau dessas vantagens, ao conversar frequentemente com Jesus, e ao contemplar sua mais amigável bondade, acendendo o fogo de Seu divino amor em nosso peito. Os efeitos desse amor, se ele for sincero, aparecerá necessariamente na adoção de Seu espírito, na imitação de Seu exemplo e virtudes; e em nosso esforço em caminhar continuamente na presença divina, encontrando Deus em todos os lugares, e na consideração de todo o tempo perdido que não dedicamos a Deus, ou à Sua honra.
__________
[1] L. adv. Helvid. c. 9.
[2] Hom. 2. super missus est, n. 16. p. 742.
[3] Serm de Nativ.
[4] Isto aparece em: Mat 23:55; S. Justino (Dial. n. 89. ed. Ben. p. 186.); S. Ambrósio (in Luc. p. 3.). Theodoreto (b. 3. Hist. c. 18.) diz que ele trabalhou em madeira, como carpinteiro. S. Hilário (in Matt. c. 14. p. 17.) e S. Pedro Chrisólogo (Serm. 48.) dizem que ele trabalhava em ferro como ferreiro; provavelmente ele trabalhou tanto em ferro quanto em madeira; opinião esposada por S. Justino, que diz: “Ele e Jesus fabricavam arados e parelhas de bois”.
[5] Hom. 8. in Matt. t. 7. p. 123. ed. Ben.
[6] Isto é afirmado por: S. Atanásio (1. de Incarn.); Eusébio (Demonstrat. Evang. l. 6. c. 20.); S. Cirilo (Cat. 10.); S. Ambrósio (in Ps. 118. Octon. 5.); S. Jerônimo (in Isai. 19.); S. Crisóstomo e St. Cyril of Alexandria, (in Isai.); Sozomeno, (l. 5. c. 20.); etc.
[7] Note 7. Ver, Vidas dos Santos dos Pais do Deserto.
[8] Bibl. Patr. t. 13.