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Preparação para o Mês de Maio



MÊS DE NOSSA SENHORA DO SANTÍSSIMO SACRAMENTO
MEDITAÇÕES EXTRAÍDAS DOS ESCRITOS
do
BEM-AVENTURADO PEDRO JULIAO EYMARD(*)
Fundador
DA CONGREGAÇÃO DO SANTÍSSIMO SACRAMENTO
pelo
Revmo. Pe. ALBERTO TESNIÈRE
DA MESMA CONGREGAÇÃO
Com um exemplo, uma prática e uma jaculatória
para cada dia.
 Tradução do Francês
por uma adoradora
Livro de 1946 - 160 págs

(*) Nota do blog: Bem-Aventurado pois o livro é de 1946, 
sua canonização foi realizada em dezembro de 1962
pelo então Papa João XXIII




PREFÁCIO
da Sétima Edição Francesa

Transcrevemos, como prefácio desta nova edição, um artigo publicado na revista "O Santíssimo Sacramento" em janeiro de 1906; mostrar-nos-á ele que poderoso incentivo à devoção para com Nossa Senhora do Santíssimo Sacramento recebeu do Soberano Pontífice, e a preciosa sanção concedida à iniciativa do Bem-aventurado Pedro Julião Eymard, de conferir este novo título à Santíssima Virgem.
"É conhecido de nossos leitores o culto piedoso com que a família eucarística do venerando Padre Eymard honra este nome bendito de NOSSA SENHORA DO SANTÍSSIMO SACRAMENTO, que ele conferiu à Santíssima Virgem para exprimir, numa palavra característica, todos os laços que unem Maria a seu Filho Sacramentado, e todos os motivos que nos impelem a recorrer-lhe como medianeira necessária entre nossa indigência e a admirável santidade de seu Filho. Aprovado por um certo número de Bispos e enriquecido de indulgência para suas respectivas dioceses, aclamado no Congresso Eucarístico de Lourdes, este novo nome de uma coisa muito antiga começou a se propagar entre as almas devotas da Eucaristia, que sentem a necessidade de não separar o Filho de sua Mãe, tanto no culto que lhes prestam como em seus corações. Faltava porém a este título, afim de que pudesse desferir seu voo além dos limites diocesanos e se propagar livremente no universo católico, a bênção do Pastor da Igreja universal.
E esta bênção ele recebe agora: autêntica, como no-lo prova o Rescrito que temos em nossas mãos e que vamos transcrever; espontaneamente concedida, como nos informa uma carta bem noticiosa chegada de Roma.
Eis o Rescrito, do próprio punho de Sua Santidade Pio X:

"Cunctis qui coram SSmo. Sacramento publicae adorationi exposito, recitaverint hanc jaculatoriam:
"Domina nostra Sanctissimi Sacramenti, ora pro nobis". Indulgentiam tercentorum dierum concedimus".

Die 30 Mensis Decembris an. 1905. PIUS P. P. X.

"A todos que diante do Santíssimo Sacramento exposto recitarem a oração jaculatória seguinte:
"Nossa Senhora do Santíssimo Sacramento rogai por nós”, concedemos uma indulgência de 300 dias".

30 de Dezembro de 1905, PIO X, PAPA.

As circunstâncias que acompanharam a redação e a concessão, pelo Santo Padre, desse precioso Rescrito, têm alguma coisa de gracioso e de tocante como uma página de lenda, alguma coisa também de espontâneo e de decisivo como um motu próprio.
Um arcebispo do Canadá, cuja piedade para com a Eucaristia é tão grande quanto a sua cordialidade, Mons. Gauthier, arcebispo de Kingston, visitando, há pouco tempo, Roma, foi solicitado pelo Revmo. Padre Estévenon, Superior geral da Congregação do Santíssimo Sacramento, cuja residência, na Igreja de São Cláudio, é bem conhecida dos peregrinos da Cidade Eterna, a pedir ao Soberano Pontífice, em favor dos fiéis de sua diocese, uma Indulgência para a recitação desta fórmula: NOSSA SENHORA DO SANTÍSSIMO SACRAMENTO, Mãe o Modelo dos adoradores, rogai por nós. Sua Excelência, acolhendo favoravelmente este desejo, redigiu uma súplica para submeter ao Santo Padre numa audiência fixada para 30 de dezembro último. No decorrer da audiência, tendo recebido o consentimento para fazer a leitura da referida súplica, em vão a procura nos seus bolsos e manda procurá-la, com igual resultado, em seu sobretudo, deixado na antecâmara. Grande embaraço para o bondoso Prelado, que expõe então de viva voz o objeto da súplica extraviada; e Pio X, sorridente e solicito, com a espontaneidade atenciosa e amável que lhe é peculiar, toma da pena e escreve, sem um instante de hesitação, o texto acima transcrito, entregando-o a Mons. Gauthier, que se sentiu duplamente sensibilizado: pela graça que acabava de receber e pela boa vontade com que lhe era a mesma concedida.
O mui caro correspondente que nos relatou este acontecimento, acrescenta: "Bem avaliais a imensa alegria que esta noticia causou a todos nós. Exultantes de emoção, fomos imediatamente nos lançar aos pés da Santíssima Virgem (diante da mesma imagem da capela de São Mauricio (1) onde nosso venerando Pai aclamou Maria pela primeira vez.
Nossa Senhora do Santíssimo Sacramento), e entoamos o Magnificat, e repetimos com ardor a invocação abençoada".
Nossos leitores partilharão conosco estes sentimentos de ação de graças. Temos, de ora avante, na linguagem da Igreja, uma fórmula autêntica e definitiva do título de Nossa Senhora do Santíssimo Sacramento que o Padre Eymard exprimiu em francês.
Várias vezes havíamos desejado traduzi-lo em latim, não somente para apresentá-lo à aprovação de Bispos estrangeiros, mas tendo ainda em vista obter dos Soberanos Pontífices indulgências para a sua recitação. E hesitávamos em fazer a tradução litoral diante da objeção de que a palavra "Domina" parecia dar a Maria, sobre o Cristo Eucarístico, uma autoridade
ou superioridade que ela não possui. A objeção, entretanto, apesar de não ser destituída inteiramente de fundamento, não se apresentava irrefutável. A fé, simples e terna, do Soberano Pontífice, a generosa e ardente piedade que ele manifesta em todos os seus atos pontificais, não o detiveram a discutir as diversas opiniões; com sua mão que somente assina palavras de verdade e de vida, escreveu com simplicidade: "Domina nostra Sanctissimi Sacramenti, ora pro nobis.'" E a tradução literal da invocação inspirada pela fé e pelo amor de nosso Pai por Maria: "Nossa Senhora do Santíssimo Sacramento, rogai por nós!"

__________
(1) Casa do primeiro Noviciado da Congregação, na diocese de Versailles, fundada e habitado pelo Beato Padre Eymard e extinta em consequência dos decretos de 1880 contra as Congregações religiosas.


Coroinha de Nossa Senhora

Retirada do Tratado da Verdadeira Devoção à Santíssima Virgem de
São Luís Maria Grignion de Montfort
(Livro de 1943 - segunda edição)


234. Segunda prática. Rezarão todos os dias de sua vida, mas sem a isso se obrigarem, a coroinha da Santíssima Virgem. Esta compõe-se de três Pai-Nossos e doze Ave-Mariasem honra dos doze privilégios e grandezas da Santíssima Virgem. Esta prática é muito antiga e fundamenta-se na Sagrada Escritura. São João viu uma mulher coroada de doze estrelas, vestida de Sol e tendo a Lua debaixo dos pés (Ap 12, 1). Segundo os intérpretes, essa mulher é a Santíssima Virgem.

235. Há várias maneiras de recitar bem esta coroinha, e seria demasiado longo mencioná-las. O Espírito Santo as ensinará aos que forem mais fiéis a esta Devoção. Entretanto, para rezá-la em sua forma mais simples dir-se-á ao começar: Dignai-Vos conceder-me que Vos louve, ó Virgem Sagrada, dai-me virtude contra os Vossos inimigos!” Em seguida reza-se o Credo, depois um Pai-Nosso, quatro Ave-Marias e um Glória ao Pai; e novamente um Pai-Nosso, quatro Ave-Marias e um Glória ao Pai, e assim por diante. No fim se dirá: Sob a Vossa proteção nos acolhemos, Santa Mãe de Deus; não desprezeis as nossa súplicas em nossa necessidades; mas livrai-nos sempre de todos os perigos, ó Virgem Gloriosa e Bendita!”


Coroinha de Nossa Senhora



. Concedei-me que Vos louve, Virgem Sagrada,
. Dai-me valor contra os vossos inimigos.

CREDO

I - Coroa de Excelência

Pai Nosso ...
Ave Maria ...
Sois Bem-aventurada, Virgem Maria, que levastes em vosso seio o Senhor, Criador do mundo; destes à luz a Quem Vos formou, e Sois Virgem perpétua.
. Alegrai-Vos, Virgem Maria.
.  Alegrai-Vos mil vezes.

Ave Maria…
Ó Santa e imaculada virgindade, não sei com que louvores Vos possa exaltar; pois quem os céus não podem conter, Vós O levastes em vosso seio.
. Alegrai-Vos, Virgem Maria.
.  Alegrai-Vos mil vezes.

 Ave Maria…
 Sois toda formosa, Virgem Maria, e não há mancha em vós.
. Alegrai-Vos, Virgem Maria.
.  Alegrai-Vos mil vezes.

Ave Maria…
Possuís, ó Virgem Santíssima, tantos privilégios, quantas são as estrelas no céu.
. Alegrai-Vos, Virgem Maria.
℟ .  Alegrai-Vos mil vezes.

Glória ao Pai...


II - Coroa de Poder

Pai Nosso...
Ave Maria...
Glória a Vós, imperatriz do céu, conduzi-nos convosco aos gozos do paraíso.
. Alegrai-Vos, Virgem Maria.
℟ .  Alegrai-Vos mil vezes.

Ave Maria…
Glória a Vós, tesoureira das graças do Senhor, dai-nos parte em vosso tesouro.
. Alegrai-Vos, Virgem Maria.
℟ .  Alegrai-Vos mil vezes.

Ave Maria…
Glória a Vós, medianeira entre Deus e os homens, tornai-nos propício o Todo-poderoso.
. Alegrai-Vos, Virgem Maria.
℟ .  Alegrai-Vos mil vezes.

Ave Maria…
Glória a Vós, que esmagais as heresias e o demônio: sede nossa bondosa guia.
. Alegrai-Vos, Virgem Maria.
℟ .  Alegrai-Vos mil vezes.

Glória ao Pai...


III - Coroa de Bondade

Pai Nosso...
 Ave Maria...
 Glória a Vós, refúgio dos pecadores; intercedei por nós junto ao Senhor.
. Alegrai-Vos, Virgem Maria.
℟ .  Alegrai-Vos mil vezes.

 Ave Maria…
 Glória a Vós, Mãe dos órfãos; fazei que nos seja propício o Pai Todo-Poderoso.
. Alegrai-Vos, Virgem Maria.
℟ .  Alegrai-Vos mil vezes.

 Ave Maria…
Glória a Vós, alegria dos justos; conduzí-nos convosco às alegrias do céu.
. Alegrai-Vos, Virgem Maria.
℟ .  Alegrai-Vos mil vezes.

Ave Maria…
 Glória a Vós, nossa auxiliadora mui prestimosa na vida e na morte; conduzí-nos convosco para o reino do céu.
. Alegrai-Vos, Virgem Maria.
.  Alegrai-Vos mil vezes.

Glória ao Pai...

Oremos:
Ave, Maria, Filha de Deus Padre; Ave, Maria, Mãe de Deus Filho; Ave, Maria, Esposa do Espírito Santo; Ave, Maria, templo da Santíssima Trindade; Ave, Maria, Senhora minha, meu bem, meu amor, Rainha do meu coração, Mãe, vida, doçura e esperança minha mui querida, meu coração e minha alma. Sou todo vosso, e tudo o que possuo é vosso, ó Virgem sobre todos bendita. Esteja, pois, a mim a vossa alma para engrandecer o Senhor; esteja em mim vosso espírito para rejubilar em Deus. Colocai-Vos, ó Virgem fiel, como selo sobre o meu coração, para que, em Vós e por Vós, seja eu achado fiel a Deus. Concedei, ó Mãe de misericórdia, que me encontre no número dos que amais, ensinais, guiais, sustentais e protegeis como filhos. Fazei que, por vosso amor, despreze todas as consolações da terra e aspire só as celestes; até que, para glória do Pai, Jesus Cristo, Vosso Filho, seja formado em mim, pelo Espírito Santo, vosso Esposo fidelíssimo, e por Vós, sua Esposa mui fiel.
Assim seja.



SUB TUUM

À vossa proteção recorremos, santa Mãe de Deus; não desprezeis as nossas súplicas em nossas necessidades; mas livrai-nos sempre de todos os perigos, ó Virgem gloriosa e bendita.




A Prática da Mortificação Cristã

pelo Cardeal Desidério José Mercier
(1851-1926)

   Todas as práticas de mortificação que reunimos aqui são recolhidas dos exemplos dos santos, especialmente Santo Agostinho, Santo Tomás de Aquino, Santa Teresa, São Francisco de Sales, São João Berchmans, ou são recomendadas por reconhecidos mestres da vida espiritual, como o Venerável Louis de Blois, Rodriguez, Scaramelli, Abade Allemand, Abade Hamon, Abade Dubois, etc.


Artigo 1 – Objeto da mortificação cristã

   A mortificação cristã tem por fim neutralizar as influências malignas que o pecado original ainda exerce nas nossas almas, inclusive depois que o batismo as regenerou. Nossa regeneração em Cristo, ainda que tenha anulado completamente o pecado em nós, nos deixa sem embargo muito longe da retidão e da paz originais. O Concílio de Trento reconhece que a concupiscência, ou seja, o triplo apetite da carne, dos olhos e do orgulho, se deixa sentir em nós, inclusive depois do batismo, a fim de excitar-nos às gloriosas lutas da vida cristã (Conc. Trid., Sess. 5, Decretum de pecc. orig.).

   A Escritura logo chama esta tripla concupiscência de “homem velho“, oposto ao “homem novo” que é Jesus que vive em nós e nós mesmos que vivemos em Jesus, como “carne” ou natureza caída, oposta ao “espírito” ou natureza regenerada pela graça sobrenatural. Este velho homem ou esta carne, ou seja, o homem inteiro com sua dupla vida moral e física, deve ser, não digo aniquilado, porque é coisa impossível enquanto dure a vida presente, mas sim mortificado, ou seja, reduzido praticamente à impotência, à inércia e à esterilidade de um morto; há que impedir-lhe que dê seu fruto, que é o pecado, e anular sua ação em toda a nossa vida moral.

   A mortificação cristã deve, portanto, abraçar o homem inteiro, estender-se a todas as esferas de atividade nas quais a natureza é capaz de mover-se. Tal é o objeto da virtude de mortificação. Vamos indicar sua prática, recorrendo sucessivamente às manifestações múltiplas de atividade em que se traduz em nós:

I) A atividade orgânica ou a vida corporal;


II) A atividade sensível, que se exerce seja sob a forma do conhecimento sensível pelos sentidos exteriores ou pela imaginação, seja sob a forma de apetite sensível ou de paixão;


III) A atividade racional e livre, princípio de nossos pensamentos e de nossos juízos, e das determinações de nossa vontade;


IV) Consideraremos a manifestação exterior da vida de nossa alma, ou nossas ações exteriores;


V) E, finalmente, o intercâmbio de nossas relações com o próximo.


Artigo 2 – Exercício da mortificação cristã

A. Mortificação do corpo


1º Limite-se, tanto quanto possa, em matéria de alimentos, ao estritamente necessário. Medite estas palavras que Santo Agostinho dirigia a Deus: “Me ensinastes, oh meu Deus, a pegar os alimentos somente como remédios. Ah, Senhor!, aqui quem dentre nós não vai além do limite? Se há um só, declaro que este homem é grande e que deve grandemente glorificar vosso nome” (Confissões, liv. X, cap. 31);

2º Roga a Deus com freqüência, roga-lhe a cada dia que lhe impeça, com Sua graça, de transpassar os limites da necessidade, ou deixar-se levar pelo atrativo do prazer;

3º Não pegue nada entre as refeições, a menos que haja alguma necessidade ou razões de conveniência;

4º Pratique a abstinência e o jejum, mas pratique-os somente sob obediência e com discrição;

5º Não lhe está proibido saborear alguma satisfação corporal, mas faça-o com uma intenção pura e bendizendo a Deus;

6º Regule seu sono, evitando nisto toda relaxação ou molície, sobretudo pela manhã. Se pode, fixe-se uma hora para deitar-se e levantar-se, e obrigue-se a ela energicamente;

7º Em geral, não descanse senão na medida do necessário; entregue-se generosamente ao trabalho, e não meça esforços e penas. Tenha cuidado para não extenuar seu corpo, mas guarde-se também de agradá-lo: quando sentir que ele está disposto a rebelar-se, por pouco que seja, trate-o como a um escravo;

8º Se sente alguma ligeira indisposição, evite irritar-se com os demais por seu mau humor; deixe aos seus irmãos o cuidado de queixar-se; pelo que lhe cabe, seja paciente e mudo como o divino Cordeiro que levou verdadeiramente todas as nossas enfermidades;

9º Guarde-se de pedir uma dispensa ou revogação à sua ordem do dia pelo mínimo mal-estar. “Há que fugir como da peste de toda dispensa em matéria de regras“, escrevia São João Berchmans;

10º Receba docilmente, e suporte humilde, paciente e perseverantemente a mortificação penosa que se chama doença.


B. Mortificação dos sentidos, da imaginação e das paixões


1º Feche seus olhos, diante de tudo e sempre, a todo espetáculo perigoso, e inclusive tenha a valentia de fechá-los a todo espetáculo vão e inútil. Veja sem olhar; não se fixe em ninguém para discernir sua beleza ou feiúra;

2º Tenha seus ouvidos fechados às palavras bajuladoras, aos louvores, às seduções, aos maus conselhos, às maledicências, às zombarias que ferem, às indiscrições, à crítica malévola, às suspeitas comunicadas, a toda palavra que possa causar o menor esfriamento entre duas almas;

3º Se o sentido do olfato tem que sofrer algo por conseqüência de certas doenças ou debilidades do próximo, longe de queixar-se disso, suporte-o com uma santa alegria;

4º No que concerne à qualidade dos alimentos, seja muito respeitoso do conselho de Nosso Senhor: “Comei o que vos for apresentado”. “Comer o que é bom sem comprazer-se nisto, o que é mau sem mostrar aversão, e mostrar-se indiferente tanto em um como no outro, esta é a verdadeira mortificação”, dizia São Francisco de Sales;

5º Ofereça a Deus suas comidas, imponha-se na mesa uma pequena privação: por exemplo, negue-se um grão de sal, um copo de vinho, uma guloseima, etc.; os demais não o perceberão, mas Deus o terá em conta;

6º Se o que lhe apresentam excita vivamente seu atrativo, pense no fel e no vinagre que apresentaram a Nosso Senhor na cruz: isto não lhe impedirá de saborear o manjar, mas servirá de contrapeso ao prazer;

7º Há que evitar todo contato sensual, toda carícia em que se poria certa paixão, em que se buscaria ou onde se teria um gozo principalmente sensível;

8º Prescinda de ir aquecer-se, a menos que lhe seja necessário para evitar-lhe uma indisposição;

9º Suporte tudo o que aflige naturalmente a carne; especialmente o frio do inverno, o calor do verão, a dureza da cama e todas as incomodidades do gênero. Faça boa cara em todos os tempos, sorria a todas as temperaturas. Diga com o profeta: “Frio, calor, chuva, bendizei ao Senhor“. Felizes somos se podemos chegar a dizer com gosto esta frase tão familiar a São Francisco de Sales: “Nunca estou melhor do que quando não estou bem”;

10º Mortifique sua imaginação quando lhe seduz com a isca de um posto brilhante, quando se entristece com a perspectiva de um futuro sombrio, quando se irrita com a recordação de uma palavra ou de um ato que o ofendeu;

11º Se sente em você a necessidade de sonhar, mortifique-a sem piedade;

12º Mortifique-se com o maior cuidado sobre o ponto da impaciência, da irritação ou da ira;

13º Examine a fundo seus desejos, e submeta-os ao controle da razão e da fé: você não deseja mais uma vida longa que uma vida santa? prazer e bem-estar sem tristeza nem dores, vitórias sem combates, êxitos sem contrariedades, aplausos sem críticas, uma vida cômoda e tranquila sem cruzes de nenhum tipo, ou seja, uma vida completamente oposta à de nosso divino Salvador?

14º Tenha cuidado de não contrair certos costumes que, sem ser positivamente maus, podem chegar a ser funestos, tais como o costume de leituras frívolas, dos jogos de azar, etc;

15º Trate de conhecer seu defeito dominante, e quando o tiver conhecido, persiga-o até suas últimas pregas. Por isso, submeta-se com boa vontade ao que poderia ter de monótono e de entediado na prática do exame particular;

16º Não lhe está proibido ter bom coração e mostrá-lo, mas fique atento para o perigo de exceder o justo meio. Combata energicamente os afetos demasiado naturais, as amizades particulares, e todas as sensibilidades moles do coração.


C. Mortificação do espírito e da vontade


1º Mortifique seu espírito proibindo-lhe todas as imaginações vãs, todos os pensamentos inúteis ou alheios que fazem perder o tempo, dissipam a alma, e provocam o desgosto do trabalho e das coisas sérias;

2º Deve distanciar de seu espírito todo pensamento de tristeza e de inquietude. O pensamento do que poderá suceder no futuro não deve preocupá-lo. Quanto aos maus pensamentos que o molestam, deve fazer deles, distanciando-os, matéria para exercer a paciência. Se são involuntários, não serão para você senão uma ocasião de méritos;

3º Evite a teimosia em suas idéias, e a obstinação em seus sentimentos. Deixe prevalecer de boa vontade o juízo dos demais, salvo quando se trate de matérias em que você tem o dever de pronunciar-se e falar;

4º Mortifique o órgão natural de seu espírito, ou seja, a língua. Exerça-se de boa vontade no silêncio, seja porque sua Regra o prescreve, seja porque você o impõe espontaneamente;

5º Prefira escutar os demais do que falar você mesmo; mas, sem embargo, fale quando convenha, evitando tanto o excesso de falar demasiado, que impede os demais de expressar seus pensamentos, como o de falar demasiado pouco, que denota indiferença, que fere ao que dizem os demais;

6º Não interrompa nunca quem fala, e não corte com uma resposta precipitada quem lhe pergunta;

7º Tenha um tom de voz sempre moderado, nunca brusco nem cortante. Evite os “muito”, os “extremamente”, os “horrivelmente”, etc.: não seja exagerado em seu falar;

8º Ame a simplicidade e a retidão. A simulação, os rodeios, os equívocos calculados que certas pessoas piedosas se permitem sem escrúpulo, desacreditam muito a piedade;

9º Abstenha-se cuidadosamente de toda palavra grosseira, trivial ou inclusive ociosa, pois Nosso Senhor nos adverte que nos pedirá conta delas no dia do Juízo;

10º Acima de tudo, mortifique sua vontade; é o ponto decisivo. Adapte-a constantemente ao que sabe ser do beneplácito divino e da ordem da Providência, sem ter nenhuma conta nem de seus gostos nem de suas aversões. Submeta-se inclusive a seus inferiores nas coisas que não interessam para a glória de Deus e os deveres de seu cargo;

11º Considere a menor desobediência às ordens, inclusive aos desejos de seus Superiores, como dirigida a Deus;

12º Lembre-se de que praticará a maior de todas as mortificações quando amar ser humilhado e quando tiver a mais perfeita obediência àqueles a quem Deus quer que se submeta;

13º Ame ser esquecido e ser tido por nada: é o conselho de São João da Cruz, é o conselho da Imitação: não fale apenas de si mesmo nem para bem nem para mal, mas busque pelo silêncio fazer-se esquecer;

14º Diante de uma humilhação ou repreensão, se sente tentado a murmurar? Diga como Davi: “Melhor assim! É-me bom ser humilhado!”;

15º Não entretenha desejos frívolos: “Desejo poucas coisas, e o pouco que desejo, o desejo pouco”, dizia São Francisco;

16º Aceite com a mais perfeita resignação as mortificações chamadas de Providência, as cruzes e os trabalhos unidos ao estado em que a Providência o pôs. “Quanto menos há de nossa eleição, mais há de beneplácito divino“, dizia São Francisco de Sales. Queríamos escolher nossas cruzes, ter outra distinta da nossa, levar uma cruz pesada que tivesse ao menos algum brilho, antes que uma cruz ligeira que cansa por sua continuidade: Ilusão! Devemos levar nossa cruz, e não outra, e o mérito disto não se encontra em sua qualidade, mas na perfeição com que a levamos;

17º Não se deixe turbar pelas tentações, pelos escrúpulos, pelas aridezes espirituais: “o que se faz durante a sequidão é mais meritório diante de Deus do que o que se faz durante a consolação”, dizia o santo bispo de Genebra;

18º Não devemos entristecer-nos demasiado por nossas misérias, senão mais bem humilhar-nos. Humilhar-se é uma coisa boa, que poucas pessoas compreendem; inquietar-se e impacientar-se é uma coisa que todo o mundo conhece e que é má, porque nesta espécie de inquietude e de despeito o amor próprio tem sempre a maior parte;

19º Desconfiemos igualmente da timidez e do desânimo, que fazem perder as energias, e da presunção, que nada mais é do que o orgulho em ação. Trabalhemos como se tudo dependesse de nossos esforços, mas permaneçamos humildes como se nosso trabalho fosse inútil.


D. Mortificações que há de se praticar em nossas ações exteriores


1º Deve ser o mais exato possível em observar todos os pontos de sua regra de vida, obedecer sem demora, lembrando-se de São João Berchmans, que dizia: “Minha maior penitência é seguir a vida comum”; “Fazer o maior caso das menores coisas, tal é o meu lema”; “Antes morrer que violar uma só de minhas regras!”;

2º No exercício de seus deveres de estado, trate de estar muito contente com tudo o que parece feito de propósito para desagradá-lo e molestá-lo, lembrando-se também aqui da frase de São Francisco de Sales: “Nunca estou melhor do que quando não estou bem”;

3º Não conceda jamais um momento à preguiça; da manhã à noite, esteja ocupado sem descanso;

4º Se sua vida se passa dedicada, ao menos em partes, ao estudo, aplique os seguintes conselhos de Santo Tomás de Aquino aos seus alunos: “Não se contentem em receber superficialmente o que lêem ou escutam, mas tratem de penetrar e aprofundar seu sentido. – Não fiquem nunca com dúvidas sobre o que podem saber com certeza. – Trabalhem com uma santa avidez em enriquecer seu espírito; classifiquem com ordem em sua memória todos os conhecimentos que possam adquirir. – Sem embargo, não tratem de penetrar os mistérios que estão acima de sua inteligência”;

5º Ocupe-se unicamente da ação presente, sem voltar-se ao que precedeu nem adiantar-se pelo pensamento ao que vem a seguir; diga com São Francisco: “Enquanto faço isto, não estou obrigado a fazer outra coisa”; “Apressemo-nos com bondade: será tão logo tanto quanto esteja bom”;

6º Seja modesto em sua compostura. Nenhum porte era tão perfeito como o de São Francisco; tinha sempre a cabeça direita, evitando igualmente a ligeireza que a gira em todos os sentidos, a negligência que a inclina adiante e o humor orgulhoso e altivo que a levanta para trás. Seu rosto estava sempre tranqüilo, livre de toda preocupação, sempre alegre, sereno e aberto, sem ter, sem embargo, uma jovialidade indiscreta, sem risadas ruidosas, imoderadas ou demasiado freqüentes. Quando se encontrava só mantinha-se em tão boa compostura como diante de uma grande assembléia. Não cruzava as pernas, não apoiava a cabeça no encosto. Quando rezava, ficava imóvel como uma coluna. Quando a natureza lhe sugeria seus gostos, não a escutava em absoluto;

7º Considere a limpeza e a ordem como uma virtude, e a sujeira e a desordem como um vício: evite os vestidos sujos, manchados ou rasgados. Por outra parte, considere como um vício ainda maior o luxo e o mundanismo. Faça de modo que ao ver sua vestimenta e adereços, ninguém diga: está desarrumado; nem: está elegante; mas que todo o mundo possa dizer: está decente.

E. Mortificações para praticar em nossas relações com o próximo


1º Suporte os defeitos do próximo: faltas de educação, de espírito, de caráter. Suporte tudo o que nele lhe desagrada: seu modo de andar, sua atitude, seu tom de voz, seu sotaque, e todo o resto;

2º Suporte tudo a todos e suporte até o fim e cristãmente. Não se deixe levar jamais por essas impaciências tão orgulhosas que fazem dizer: Que posso fazer de tal ou qual? Em que me concerne o que diz? Para que preciso o afeto, a benevolência ou a cortesia de uma criatura qualquer, e desta em particular? Nada é menos segundo Deus que estes desprendimentos altaneiros e estas indiferenças depreciativas; melhor seria, certamente, uma impaciência;

3º Encontra-se tentado a irar-se? Pelo amor a Jesus, seja manso. De vingar-se? Devolva bem ao mal. Diz-se que o segredo de chegar ao coração de Santa Teresa, era fazer-lhe algum mal. De mostrar a alguém uma cara má? Sorria com bondade. De evitar seu encontro? Busque-o por virtude. De falar mal dele? Fale bem. De falar-lhe com dureza? Fale doce e cordialmente;

4º Ame fazer o elogio de seus irmãos, sobretudo daqueles a quem sua inveja se dirige mais naturalmente;

5º Não diga acuidades em detrimento da caridade;

6º Se alguém se permite em sua presença palavras pouco convenientes, ou mantém conversações próprias para danificar a reputação do próximo, poderá às vezes repreender com doçura a quem fala, mas mais freqüentemente será melhor distanciar habilmente a conversação ou manifestar por um gesto de descontentamento ou de desatenção querida que o que se está dizendo o desagrada;

7º Quando lhe custar fazer um favor, ofereça-se a fazê-lo: terá duplo mérito;

8º Tenha horror de apresentar-se diante de si mesmo ou dos demais como uma vítima. Longe de exagerar suas cargas, esforce-se em encontrá-las leves. O são em realidade muito mais freqüentemente do que parece, e o seriam sempre se tivesse um pouco mais de virtude.

Conclusão


    Em geral, saiba negar à natureza o que ela pede sem necessidade.

   Saiba fazê-la dar o que ela nega sem razão. Seus progressos na virtude, disse o autor da Imitação de Cristo, serão proporcionais à violência que saiba fazer-se.
 
   Dizia o santo Bispo de Genebra: “Há que morrer a fim de que Deus viva em nós: porque é impossível chegar à união da alma com Deus por outro caminho que não o da mortificação. Estas palavras: Há que morrer! são duras, mas serão seguidas de uma grande doçura, porque não se morre a si mesmo senão para unir-se a Deus por esta morte”.

   Quisera Deus que pudéssemos aplicar-nos com pleno direito as seguintes palavras de São Paulo: “Em todas as coisas sofremos a tribulação… Trazemos sempre em nosso corpo a morte de Jesus, a fim de que a vida de Jesus se manifeste também em nossos corpos” (2 Cor. 4, 10).




OBS.: Agradeço ao leitor o envio deste artigo por email. Que Nossa Senhora o abençoe sempre!

Homilia Sobre a Dormição da Santíssima Mãe de Deus, a Bem Aventurada Virgem Maria

São João Damasceno (675-749)
Monge, Teólogo, Pai da Igreja
"Antologia dos Santos Padres"
Folch Gomes
1979



Quem ama ardentemente alguma coisa costuma trazer seu nome nos lábios e nela pensar noite e dia. Não se me censure, pois, se pronuncio este terceiro panegírico da Mãe de meu Deus, como oferenda em honra de sua partida. Isso não será favor para ela mas servirá a mim mesmo e a vós, aqui presentes - divina e santa assembleia - como um manjar salutar que, nesta noite sagrada, satisfaça nosso gosto espiritual. Estamos sofrendo, como sabeis, de penúria de alimentos. Assim, improviso a refeição; se não é suntuosa nem digna daquilo que no-La inspira, possa ao menos acalmar-nos a fome. Sim, não é Maria que precisa de elogios, nós é que precisamos de sua glória. Um ser glorificado, que glória pode receber ainda? A fonte da luz, como será iluminada ainda? É pois para nós mesmos que fazemos a coroa. "Vivo eu, diz o Senhor, e glorificarei os que me glorificam”. (2Sm 2, 30)
O vinho agrada sem dúvida, é deliciosa bebida, e o pão alimento nutritivo: um alegra, o outro fortifica o coração do homem (Sl 104, 15). Mas que existe de mais suave do que a Mãe de meu Deus? Ela cativou meu espírito, ela reina sobre minha palavra, dia e noite sua imagem me é presente. Mãe do Verbo, dá-me de que falar! Filha de mãe estéril, torna fecundas as almas estéreis! Eis aquela cuja festa celebramos hoje em sua santa e divina Assunção.
Acorrei, pois, e subamos a montanha mística. Ultrapassando as imagens da vida presente e da matéria, penetrando na treva divina e incompreensível, ingressando na luz de Deus, celebremos o seu infinito poder. Aquele que, de sua transcendência superessencial e imaterial, desceu ao seio virgíneo para ser concebido e se encarnar, sem deixar o seio do Pai; aquele que através da Paixão marchou voluntariamente para a morte, conquistando pela morte a imortalidade e voltando ao Pai; como não pôde ele atrair ao Pai sua Mãe segundo a carne? como não elevaria da terra ao céu aquela que fora um verdadeiro céu sobre a terra?
Hoje a escada espiritual e viva, pela qual o Altíssimo desceu, se fez visível e conversou entre os homens (Baruc 3, 38), ei-La que sobe, pelos degraus da morte, da terra ao céu.
Hoje a mesa terrestre que, sem núpcias, trouxera o pão celeste da vida e a brasa da divindade, foi levada da terra aos céus, e para a Porta oriental, para a Porta de Deus, se ergueram as portas do céu.
Hoje, da Jerusalém terrestre, a Cidade viva de Deus foi conduzida à Jerusalém do alto; aquela que concebera como seu primogênito e unigênito o Primogênito de te da criatura e o Unigênito do Pai, vem habitar na Igreja das primícias (Hb 12, 23); a arca do Senhor, viva e racional, é transportada ao repouso de seu Filho (Sl 132, 8).
As portas do paraíso se abrem para acolher a terra portadora de Deus, onde germinou a árvore da vida eterna, redentora da desobediência de Eva e da morte infligida a Adão. É o Cristo, causa da vida universal, quem recebe a gruta escondida, a montanha não trabalhada, donde se destacou, sem intervenção humana, a pedra que enche a terra.
Aquela que foi o leito nupcial onde se deu a divina encarnação do Verbo, veio repousar em túmulo glorioso, como em tálamo nupcial, para de lá se elevar até a câmara das núpcias celestes, onde reina em plena luz com seu Filho e seu Deus, deixando-nos também como lugar de núpcias seu túmulo sobre a terra. Lugar de núpcias, esse túmulo? Sim, e o mais esplendoroso de todos, a refulgir não por revérberos de ouro, de prata ou de gemas, porém pela divina luz, irradiação de Espírito Santo. Proporciona, não uma união conjugal aos esposes da terra, mas a vida santa às almas que se prendem pelos laços do Espírito, proporciona uma condição junto de Deus, melhor e mais suave que outra qualquer.
Seu túmulo é mais gracioso do que o Éden: neste, sem querermos repetir tudo o que lá se passou, houve a sedução do inimigo, sua mentira apresentada como conselho amigo, a fraqueza de Eva, sua credulidade, o engodo - doce e amargo - ao qual seu espírito se deixou prender e pelo qual em seguida aliciou o marido; a desobediência, a expulsão, a morte, mas - para não trazermos com tais lembranças assunto de tristeza à nossa festa - houve o túmulo que elevou ao céu o corpo de um mortal, ao contrário daquele primeiro jardim, que derrubou do céu nosso primeiro pai. Pois não foi ali que o homem, feito à imagem divina, ouviu a sentença: "tu és terra e em terra te hás de tornar"? (Gn 3, 19)
O túmulo de Maria, mais precioso que o antigo tabernáculo, encerrou o candelabro espiritual e vivo, brilhante de divina luz, a mesa portadora de vida, que recebeu, não os pães da proposição, mas o pão celeste, não o fogo material mas o fogo imaterial da divindade.
Esse túmulo é mais feliz que a arca mosaica, pois teve por partilha a verdade, já não as sombras e as figuras; acolheu a urna áurea do maná celeste, a mesa viva do Verbo encarnado por obra do Espírito Santo, dedo onipotente de Deus, Verbo subsistente; acolheu o altar dos perfumes, a brasa divina que aromatizou toda a Criação.
Fujam portanto os demônios, gemam os míseros nestorianos - como outrora os egípcios - com seu chefe, o novo faraó, o cruel flagelo, o tirano, pois foram engolidos pelo abismo da blasfêmia. Nós, porém, salvos, que atravessamos a pé enxuto o mar da impiedade, cantemos à Mãe de Deus o canto do Êxodo. Miriam, que é a Igreja, tome nas mãos o tamborim e entoe o hino de festa; saiam as jovens do Israel espiritual com tamborins e coros (Ex 15, 20), exultando de alegria! Que os reis da terra, os juízes e os príncipes, os jovens e as virgens, os velhos e as crianças, celebrem a Mãe de Deus! Que reuniões e discursos de toda espécie, raças e povos na diversidade de suas línguas, componham um cântico novo! Que o ar ressoe de flautas e trombetas espirituais, inaugurando com brilho de fogos o dia da salvação! Alegrai-vos, ó céus, e vós, nuvens, fazei chover a alegria! Saltai, novilhos do rebanho eleito, apóstolos divinos que, como montanhas altas e sublimes, aspirais às mais altas contemplações; e vós, também, ó cordeiros de Deus, povo santo, filhos da Igreja, que pelo desejo vos alçais como colinas até as altas montanhas!
Mas então? Morreu a fonte da vida, a Mãe de meu Senhor? Sim, era preciso que o ser formado da terra à terra voltasse, para dali subir ao céu, recebendo o dom da vida perfeita e pura a partir da terra, após ter-lhe entregue seu corpo. Era preciso que, como o ouro no crisol, a carne rejeitasse o peso da mortalidade e se tornasse, pela morte, incorruptível, pura, e assim ressuscitasse do túmulo.
Começa hoje para Maria uma segunda existência, recebida daquele que a fez nascer para a primeira, como também ela mesma dera uma segunda existência - a vida corpórea - àquele, cuja primeira existência, a eterna, não teve começo no tempo, embora principiada no Pai como em sua divina causa.
Alegra-te, Sião, montanha divina e santa, onde habitou a outra montanha divina, a montanha vivente, a nova Betel, ungida na pedra, a natureza humana ungida pela divindade. De ti, como de um jardim de oliveiras, e Filho se elevou às celestes alturas. Que uma nuvem se componha, universal e cósmica, e que as asas dos ventos tragam os apóstolos dos confins da terra até Sião!1 Quem são aqueles que, como nuvens e águias, voam para o corpo - fonte de toda ressurreição, a fim de cultuar a Mãe de Deus? Quem é a que sobe, na flor de sua alvura, toda bela, brilhante como o sol? Que cantem as cítaras do Espírito, isto é, as línguas dos apóstolos! Que ressoem os címbalos, isto é, os arautos eminentes da palavra de Deus! Que esse vaso de eleição, Hieroteu2, santificado pelo Espírito Santo e pela união divina capacitado a sofrer as realidades divinas, seja arrebatado do corpo, e em transportes de fervor entoe seus hinos! Que todas as nações aplaudam e celebrem a Mãe de Deus! Que os anjos prestem culto ao corpo mortal!
Filhas de Jerusalém, feitas cortejo da Rainha, e virgens suas companheiras, ide com ela até o Esposo, levai-a à direita do Senhor! Desce, ó Soberano, vem pagar à tua Mãe a dívida que ela merece por te haver nutrido! Abre tuas mãos divinas e acolhe a alma de tua mãe, tu que sobre a cruz entregaste o espírito às mãos do Pai! Dirige-lhe um suave apelo: vem, ó formosa, ó bem-amada, mais resplandecente pela virgindade do que o sol, tu me partilhaste teus bens, vem agora gozar junto de mim o que te pertence!
Aproxima-te, ó Mãe, de teu Filhe, aproxima-te e participa do poder régio daquele que, nascido de ti, contigo viveu na pobreza! Ascende, ó Soberana, ascende! Já não vale a ordem dada a Moisés: "Sobe e morre..." (Dn 31, 48) Morre, sim, mas eleva-te pela própria morte!
Entrega tua alma às mãos de teu Filho e devolve à terra o que é da terra, pois mesmo isso será carregado por ti.
Erguei vossos olhos, Povo de Deus, alçai vosso olhar! Eis em Sião a arca do Senhor Deus dos exércitos, à qual vieram pessoalmente prestar assistência os apóstolos, tributando seu derradeiro culto ao corpo que foi princípio de vida e receptáculo de Deus. Imaterialmente e invisivelmente os anjos o cercam com respeito, como servidores da Mãe de seu Senhor. O próprio Senhor lá está, onipresente, ele que tudo enche e abraça, que na verdade não está em lugar algum porque nele tudo está como na causa que tudo criou e tudo encerra.
Eis a Virgem, filha de Adão e Mãe de Deus: por causa de Adão entrega seu corpo à terra, mas por causa de seu Filho eleva a alma aos tabernáculos celestes! Santificada seja a Cidade santa, que acolhe mais essa bênção eterna! Que os anjos precedam a passagem da divina morada e preparem seu túmulo, que o fulgor do Espírito a decore! Preparai aromas para embalsamar o corpo imaculado e repleto de delicioso perfume! Desça uma onda pura a fim de haurir a bênção da fonte imaculada da bênção! Alegre-se a terra de receber o corpo e exulte o espaço pela ascensão do espírito! Soprem as brisas, suaves como o orvalho e cheias de graça! Que toda a criação celebre a subida da Mãe de Deus: os grupos de jovens em sua alegria, a boca dos oradores em seus panegíricos, o coração dos sábios em suas dissertações sobre essa maravilha, os velhos de veneráveis cãs em suas contemplações. Que todas as criaturas se associem nessa homenagem, que ainda assim não seria suficiente. Todos, pois, deixemos em espírito este mundo com aquela que dele parte. Sim, todos, pelo fervor do coração, desçamos com a que desce à sepultura e ali nos coloquemos. Cantemos hinos sacros e nossas melodias se inspirem nas palavras: "Ave, cheia de graça, o Senhor é contigo!" Permanece na alegria, tu que foste predestinada a ser Mãe de Deus. Permanece na alegria, tu que foste eleita antes dos séculos por um desígnio de Deus, germe divino da terra, habitação do fogo celeste, obra-prima do Espírito Santo, fonte de água viva, paraíso da árvore da vida, ramo vivo que portas o divino fruto, donde fluem o néctar e a ambrosia, rio de aromas do Espírito, terra produtora da divina espiga, rosa resplandecente da virgindade, donde emana o perfume da graça, lírio da veste real, ovelha que geras o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo, instrumento de nossa salvação, superior às potências angélicas, serva e Mãe!
Vinde, enfileiremo-nos em torno ao túmulo imaculado para dali sorvermos a divina graça! Vinde, abracemos em espírito o corpo virginal. Entremos no sepulcro e morramos nele, rejeitando as paixões da carne, vivendo uma vida sem concupiscência e sem mácula. Escutemos os hinos divinos, cantados imaterialmente pelos anjos. Entremos para adorar, aprendamos a conhecer o mistério inaudito: como esse corpo foi elevado às alturas, arrebatado ao céu, como a Virgem foi posta junto de seu Filho acima dos coros angélicos, de sorte que nada se interpusesse entre Mãe e Filho.
Tal é, depois de outros dois, o terceiro discurso que compus acerca de tua partida, ó Mãe de Deus, em honra e amor da Trindade, cuja cooperadora foste, por benevolência do Pai e por virtude do Espírito, quando recebeste o Verbo sem princípio, a Sabedoria onipotente, a Força de Deus. Aceita, pois, minha boa vontade, maior do que minha capacidade, e dá-me a salvação, a libertação das paixões da alma, o alívio das doenças dos corpos, a salvação das dificuldades, a vida de paz, a luz do Espírito. Inflama nosso amor por teu Filho, regula nossa conduta sobre o que lhe apraz, a fim de que, na posse da bem-aventurança do alto, e vendo-te refulgir com a glória de teu Filho, façamos ressoar hinos sagrados, na eterna alegria, na assembleia dos que celebram, em festa digna do Espírito, aquele que por ti opera nossa salvação, o Cristo Filho de Deus e nosso Deus, a quem pertence a glória e o poder, com o Pai sem princípio e o Espírito Santo e vivificador, agora e sempre pelos séculos. Amém.

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1 O autor passa a aludir aqui a certa tradição, segundo a qual Nossa Senhora, ao morrer em Jerusalém, teve à sua volta os apóstolos
2 O autor pensa em Hieroteu, apresentado como mestre de Dionísio em seu livro "Os Nomes Divinos"


O Vício da Ira - Santo Afonso Maria de Ligório


Primeiro Ponto
A ruína que a ira desenfreada traz para a alma


São Jerônimo diz que a ira é a porta pela qual todos os vícios entram na alma. "Omnium vitiorum janua est iracundia”. A ira precipita os homens em ressentimentos, blasfêmias, atos de injustiça, detrações, escândalos e outras iniquidades, pois a paixão da ira escurece o entendimento e faz o homem agir como uma besta e um louco. "Caligavit ab indignatione oculus meus" – Jó 17:7. Meu olho perdeu a visão, por causa da indignação. Davi disse: "Meu olho está atribulado pela ira." - Salmo 30:10. Por isso, segundo São Boaventura, um homem irritado é incapaz de distinguir entre o que é justo e injusto. "Iratus non potest videre quod justum est, vel injustum". Em uma palavra, São Jerônimo diz que a ira priva o homem da prudência, da razão e do entendimento. "Ab omni consilio deturpat, ut donee irascitur, insanire credatur". Assim, São Tiago diz: "Porque a ira do homem não produz a justiça de Deus." - Tiago 1:20. Os atos de um homem sob a influência da ira não podem estar de acordo com a justiça divina e, consequentemente, não podem ser irrepreensíveis.
Um homem que não refreia o impulso da ira cai facilmente em ódio contra a pessoa que tenha sido ocasião de sua paixão. Segundo Santo Agostinho, o ódio nada mais é que uma raiva perseverante. "Odium est ira diuturno tempore perseverans". Por isso, Santo Tomás diz que "a ira é súbita, mas o ódio é duradouro". Parece, então, que naquele em quem persevera a ira, o ódio também reina. Mas alguns dirão: Eu sou o chefe da casa, devo corrigir os meus filhos e servos, e, quando necessário, tenho que levantar a voz contra os distúrbios que testemunho. Digo como resposta: Uma coisa é ter ira contra um irmão, outra coisa é ficar descontente com os pecados de um irmão. Ter ira contra o pecado não é ira, mas Zelo e, portanto, não somente é permitido, mas às vezes é um dever. Mas a nossa ira deve ser acompanhada pela Prudência, e deve ser dirigida contra o pecado, não contra o pecador, pois se a pessoa que estamos corrigindo perceber que falamos por meio da paixão e do ódio contra ele, a correção será inútil e até mesmo perversa. Portanto, ter ira contra o pecado de um irmão é certamente legítimo. Santo Agostinho diz: "Não está irado contra um irmão, aquele que está irado contra o pecado de um irmão". Assim, como disse Davi, podemos estar irados sem pecar. "Irai-vos e não queirais pecar." - Salmo 4:5. Mas, estar irado contra um irmão por causa do pecado que ele cometeu não é permitido, porque, de acordo com Santo Agostinho, não estamos autorizados a odiar os outros por causa de seus vícios. "Nec propter vitia (licet) homines odisse".
O ódio traz consigo um desejo de vingança, pois, segundo Santo Tomás, a ira, quando totalmente voluntária, é acompanhada por um desejo de vingança. “Ira est appetitus vindictoe”. Mas talvez você diga: Se eu me ressinto de tal injúria, Deus terá piedade de mim, porque eu tenho motivos justos de ressentimento. Quem, pergunto eu, lhe disse que você tem motivos justos para buscar vingança? É você, cujo entendimento está obscurecido pelas paixões, quem diz isso. Já disse que a raiva obscurece a mente e tira a razão e o entendimento.
Enquanto durar a paixão da ira, você considerará a conduta de seu próximo como muito injusta e intolerável, mas, quando a sua ira tiver passado, você verá que o ato dele não foi tão ruim como pareceu antes. Mas, apesar de a injúria ser grave, ou mesmo muito grave, Deus não terá compaixão de você, se você procurar vingança. Não, Ele diz: A vingança pelos pecados não pertence a você, mas a Mim, e quando chegar o tempo, vou castigá-los como eles merecem. "A Mim pertence a vingança e eu lhes darei a paga a seu tempo." - Deuteronômio 32:35. Se você se ressente de uma injúria feita pelo próximo, Deus justamente infligirá vingança sobre você por todas as injúrias que você tiver feito a ele, e em particular por se vingar de um irmão, a quem Ele ordena que se perdoe. "Aquele que quer vingar-se encontrará a vingança do Senhor.... Um homem conserva a sua ira contra outro homem, e pede a Deus remédio?.... Aquele que, sendo apenas carne, conserva rancor e pede propiciação a Deus?, quem lhe alcançará perdão por seus pecados?” - Eclesiástico 28:1,3,5. O homem, um verme feito de carne, conserva rancor e se vinga de um irmão, e depois se atreve a pedir misericórdia de Deus? E quem, acrescenta o Sagrado Escritor, pode obter o perdão para as culpas de tão ousado pecador? Diz Santo Agostinho: "Qua fronte indulgentiam peccatorem obtinere poterit, qui praecipienti dare veniam non acquiescit". Como aquele que não obedece à ordem de Deus de perdoar o seu próximo pode esperar obter de Deus o perdão dos seus próprios pecados?
Imploremos ao Senhor que nos preserve de ceder a qualquer paixão forte e particularmente à ira. "Não me entregueis a uma alma sem vergonha e sem recato." - Eclesiástico 23:6. Porque aquele que se submete a tal paixão está exposto ao grande perigo de cair em um pecado grave contra Deus ou contra o próximo. Quantos, em consequência da não conterem a ira, cometeram blasfêmias horríveis contra Deus ou seus santos. Mas, ao mesmo tempo em que estamos em uma onda de indignação, Deus está armado com flagelos. O Senhor disse um dia ao profeta Jeremias: "Que vês tu, Jeremias? Eu respondi: Vejo uma vara vigilante." - Jeremias 1:11. Senhor, vejo uma vara vigilante a infligir punição. O Senhor lhe perguntou de novo: "Que vês tu? Respondi: Vejo uma panela a ferver." - Jeremias 1:13. A panela a ferver é a figura de um homem inflamado de ira e ameaçado com uma vara, ou seja, com a vingança de Deus. Percebam, então, a ruína que a ira desenfreada traz ao homem. Primeiro, ela o priva da graça de Deus, e depois da vida corporal. "A inveja e a ira abreviam os dias." - Eclesiástico 30:26. Jó diz: "Verdadeiramente, a ira mata o insensato e a inveja mata o pequeno." - Jó 5:2. Em todos os dias da sua vida, pessoas viciadas em irar-se são infelizes, porque estão sempre em uma tempestade. Mas passemos ao segundo ponto, no qual eu tenho muitas coisas a dizer que irão ajudá-lo a superar este vício.


Segundo Ponto
Como devemos aplacar a ira nas ocasiões de provocação


Em primeiro lugar, é necessário saber que não é possível para a fraqueza humana, em meio a tantas ocasiões, estar totalmente livre de todo o movimento de ira. Ninguém, como diz Sêneca, pode estar totalmente isento dessa paixão. "Iracundia nullum genus hominum excipit". Todos os nossos esforços devem estar direcionados para a moderação dos sentimentos de ira que brotam na alma. Como eles devem ser moderados? Pela mansidão. Essa é chamada a virtude do Cordeiro - isto é, a amada virtude de Jesus Cristo. Porque, como um cordeiro sem ira e nem mesmo queixa, Ele suportou as dores de Sua Paixão e Crucificação. "Tal como cordeiro, ele foi levado para o matadouro; como ovelha muda diante do tosquiador, ele não abriu a boca." – Isaías 53:7. Por isso Ele nos ensinou a aprender com Sua mansidão e humildade de coração. "Aprendei de mim, porque sou manso e humilde de coração." - Mateus 11:29.
Oh! quão agradáveis os mansos são aos olhos de Deus, aqueles que se submetem pacificamente a todas as cruzes, infortúnios, perseguições e injúrias! Aos humildes é prometido o Reino dos Céus. "Bem-aventurados os mansos, porque herdarão a terra." - Mateus 5:4. Eles são chamados filhos de Deus. "Bem-aventurados os pacíficos, porque serão chamados filhos de Deus." - Mateus 5:9. Alguns se gloriam de sua mansidão, mas sem qualquer fundamento, pois eles são mansos apenas com aqueles que os elogiam e lhes favorecem, mas, para os que ferem ou censuram, eles se enchem de fúria e vingança. A virtude de mansidão consiste em ser manso e pacífico com aqueles que nos odeiam e maltratam. "Com os que odiavam a paz eu era pacífico." - Salmo 119:7.
Precisamos, como diz São Paulo, revestir-nos de entranhada misericórdia para com todos os homens, e suportar-nos uns aos outros. "Portanto, como eleitos de Deus, santos e queridos, revesti-vos de entranhada misericórdia, de bondade, humildade, doçura, paciência. Suportai-vos uns aos outros e perdoai-vos mutuamente, toda vez que tiverdes queixa contra outrem." - Colossenses 3:12-13. Você quer que outros suportem seus defeitos e perdoem suas falhas, então você deve agir da mesma maneira em relação aos outros. Assim, sempre que você receber um insulto de uma pessoa enfurecida contra você, lembre-se que "Uma resposta branda aplaca o furor, uma palavra dura excita a cólera." Provérbios 15:1. Um monge certa vez passou por um campo de milho, o proprietário do campo não gostou e falou-lhe em linguagem muito ofensiva e injuriosa. O monge humildemente respondeu: Irmão, você está certo, eu agi de maneira errada, me perdoe. Com esta resposta o lavrador ficou tão acalmado, que instantaneamente perdeu toda a raiva, e até quis seguir o monge e entrar na vida religiosa. O orgulhoso faz uso das humilhações que recebem para aumentar o seu orgulho, mas os humildes e os mansos transformam os desprezos e insultos oferecidos a eles em ocasião de avançar na humildade. São Bernardo diz: "É humilde aquele que converte a humilhação em humildade".
São João Crisóstomo diz que "um homem de mansidão é útil para si e para os outros". Os mansos são úteis para si mesmos, porque, de acordo com o Pe. Alvarez, o tempo de humilhação e desprezo é para eles o tempo de mérito. Assim, Jesus Cristo chama os seus discípulos de felizes por que serão injuriados e perseguidos. "Bem-aventurados sereis quando vos caluniarem e perseguirem." - Mateus 5:11. Por isso, os santos sempre desejaram ser desprezados, como Jesus Cristo foi desprezado. Os mansos são úteis para os outros, porque, como o mesmo São João Crisóstomo diz, não há nada melhor calculado para atrair outros para Deus, do que ver um cristão manso e alegre quando recebe um ferimento ou um insulto. "Nihil ita conciliat Domino familiares ut quod illum vident mansuetudine jucundum". A razão disso é que a virtude se torna conhecida ao ser testada e, como o ouro é provado no fogo, a mansidão dos homens é provada na humilhação. "Porque o ouro é provado no fogo e as pessoas escolhidas no forno da humilhação." - Eclesiástico 2:5. "O meu nardo", diz a esposa no Cântico, "exala o seu perfume." - Cânticos 1:11. O nardo é uma planta aromática, mas só difunde seus odores quando é rasgada ou ferida. Nesta passagem, o escritor inspirado nos dá a entender, que um homem não pode ser chamado de manso, a menos que seja conhecido por exalar o perfume de sua mansidão suportando injúrias e insultos em paz e sem raiva. Deus quer que sejamos mansos, até em relação a nós mesmos. Quando uma pessoa comete uma falha, Deus certamente deseja que ela se humilhe, se arrependa de seus pecados, com o propósito de nunca cair neles novamente, mas Ele não quer que ela fique indignada consigo mesma, dando lugar a problemas e agitações na consciência, pois, quando a alma está agitada, o homem é incapaz de fazer o bem. "O meu coração está conturbado, a minha força me desamparou." - Salmo 37:11.
Assim, quando recebemos um insulto, devemos fazer violência a nós mesmos, a fim de aplacar a ira. Respondamos com mansidão, como recomendado acima, ou fiquemos em silêncio, e assim venceremos, como diz Santo Isidoro. "Quamvis quis irritet, tu dissimula, quia tacendo vinces". Mas, se você responder com a paixão, você fará mal a si e aos outros. Seria ainda pior dar uma resposta com ira a uma pessoa que o corrige. Pois São Bernardo diz: "Medicanti irascitur qui non irascitur sagittanti". Alguns não ficam com raiva, mas deveriam estar indignados com aqueles que ferem suas almas pela lisonja, e ficam cheios de indignação contra a pessoa que o censura para curar as suas irregularidades. Contra o homem que detesta a correção, a sentença de perdição, de acordo com o Homem Sábio, já foi pronunciada. "Porque odiaram as instruções e não abraçaram o temor do Senhor, nem se submeteram ao meu conselho, mas desprezaram todas as minhas repreensões, comerão, pois, o fruto do seu próprio proceder e fartar-se-ão dos seus conselhos. A indocilidade dos fátuos os matará e a (falsa) prosperidade dos insensatos os destruirá." - Provérbios 1:29-32. Os insensatos contam como prosperidade estarem livres de correção, ou desprezar as advertências que recebem, mas tal prosperidade é a causa de sua ruína. Quando você se deparar com uma ocasião de ira, você deve, em primeiro lugar, estar em guarda para não permitir que a ira entre em seu coração. "Não seja fácil em te irares." - Eclesiastes 7:10. Algumas pessoas mudam de cor, e caem em uma paixão a cada contradição, e quando a raiva foi admitida, Deus sabe a que ela deve levá-los. Por isso, é necessário prever essas ocasiões em nossas meditações e orações, pois, a menos que estejamos preparados para elas, será tão difícil aplacar a ira quanto pôr um freio em um cavalo enquanto ele está fugindo.
Sempre que tivermos a infelicidade de permitir que a ira entre na alma, sejamos cuidadosos para não permitir que ela permaneça. Jesus Cristo diz a todos para se lembrarem de que se um irmão estiver ofendido com você, não se deve oferecer os dons no altar, sem primeiro se reconciliar com o próximo. “Vai reconciliar-te primeiro com teu irmão, depois vem fazer a tua oferta.” - Mateus 5:24. E aquele que tenha recebido qualquer ofensa, deve se esforçar para extirpar do seu coração não só toda a raiva, mas também todo sentimento de amargura para com as pessoas que o ofenderam. "Toda a amargura, animosidade, cólera, clamor, maledicência, com toda espécie de malícia seja banida de entre vós." - Efésios 4:31. Enquanto a ira persistir, siga o conselho de Sêneca - "Quando você estiver com raiva, não faça nada, não diga nada que possa ser instigado pela raiva". Como Davi, fique em silêncio, e não fale quando você sentir que está perturbado. "Fiquei perturbado e não falei." - Salmo 76:5. Quantos, quando estão inflamados pela ira, dizem e fazem aquilo de que eles mais tarde, em seus momentos mais calmos, se arrependem e se desculpam dizendo que estavam transtornados pela paixão? Enquanto a ira persistir, devemos ficar em silêncio, e abster-nos de fazer ou resolver fazer qualquer coisa, pois, o que é feito no calor da paixão será, de acordo com a máxima de São Tiago, injusto. "Porque a ira do homem não produz a justiça de Deus." – Tiago 1: 20. Também é necessário se abster completamente de consultar aqueles que poderiam fomentar a nossa indignação. Davi diz: "Ditoso o homem que não se deixou levar pelo conselho dos ímpios." – Salmo 1:1. Para aquele a quem se pede conselho, o Eclesiástico diz: "Se assoprares a uma faísca, ela se inflamará, se cuspires sobre ela, se apagará: e uma e outra coisa saem da boca." – Eclesiástico 28:14. Quando uma pessoa está indignada por causa de alguma injúria que recebeu, você deve apagar esse fogo, exortando-o à paciência, mas, se você incentivar a vingança, você poderá acender uma grande chama. Que aquele que se sente de alguma forma inflamado pela raiva, ponha-se em guarda contra os falsos amigos, que, por uma palavra imprudente, podem ser a causa de sua perdição.
Sigamos o conselho do apóstolo: "Não te deixes vencer pelo mal, mas vence o mal com o bem." - Romanos 12:21. Não te deixes vencer pelo mal: não se permita ser conquistado pelo pecado. Se, pela ira, você buscar vingança ou proferir blasfêmias, você será vencido pelo pecado. Mas você dirá: eu tenho, naturalmente, um temperamento forte. Pela graça de Deus e fazendo violência a si mesmo, você será capaz de vencer essa disposição natural. Não consinta com a ira, e você dominará o calor do seu temperamento. Mas você dirá: eu não posso suportar o tratamento injusto. Em resposta eu lhe direi, em primeiro lugar, lembre-se que a ira obscurece a razão e nos impede de ver as coisas como elas são. "Caiu fogo de cima sobre eles, e não viram mais o sol." - Salmo 57:9. Em segundo lugar, se você pagar o mal com o mal, o se inimigo terá uma vitória sobre você. Davi disse: "Se paguei com mal aos que mo faziam, caia eu com razão debaixo dos meus inimigos, sem esperança." - Salmo 7:5. Se eu pagar o mal com o mal, serei derrotado pelos meus inimigos. "Supere o mal com o bem". Dê a todos os inimigos o bem em troca do mal. Jesus Cristo diz: “Fazei bem aos que vos odeiam.” - Mateus 5:44. Esta é a vingança dos santos e é chamada por São Paulino de vingança celestial. É por meio dessa vingança que você deve conquistar a vitória. E se algum desses, de quem o profeta diz: "O veneno de víbora está nos seus lábios." – Salmo 139: 4, perguntar a você como pode se submeter a tal injúria, responda: "Não hei de beber o cálice que meu Pai me deu?" - João 18:11. E, em seguida, voltando-se a Deus, você dirá: "Emudeci e não abri a minha boca, porque Tu o fizeste.” - Salmo 38:10, pois é certo que cada cruz que recai sobre você, vem do Senhor. "Os bens e os males, a vida e a morte, a pobreza e a riqueza, tudo isto vem de Deus." - Eclesiástico 11:14. Se alguém lhe tirar a sua propriedade, recupere-a se for possível, mas, se não for, diga com Jó: "O Senhor o deu, o Senhor o tirou." - Jó 1:21. Certo filósofo, que perdeu alguns de seus bens em uma tempestade, disse: "Perdi os meus bens, mas não perderei a minha paz". E você dirá: Perdi a minha propriedade, mas não vou perder minha alma.
Em suma, quando nos encontrarmos com cruzes, perseguições e injúrias, voltemo-nos para Deus, que nos ordena suportá-las com paciência, e assim sempre evitaremos a ira. "Lembra-te do temor de Deus, e não te ires contra o teu próximo." - Eclesiástico 28:8. Demos uma olhada na vontade de Deus, que dispõe todas as coisas desta maneira para o nosso mérito, e assim a ira cessará. Demos uma olhada em Jesus crucificado, e não teremos coragem de reclamar. Santo Eleazar, ao ser perguntado por sua esposa, como suportava tantas injúrias, sem ceder à ira, respondeu: eu me viro para Jesus Cristo e assim preservo a minha paz. Finalmente, demos uma olhada em nossos pecados, para os quais merecemos muito mais desprezos e castigos, e nós calmamente nos submeteremos a todos os males. Santo Agostinho diz que, embora às vezes sejamos inocentes de um crime pelo qual somos perseguidos, nós somos, no entanto, culpados de outros pecados que merecem castigo maior do que aquele que estamos sofrendo. "Esto non habemus peccatum, quod objicitur; habemus tamen, quod digne in nobis flagelletur".