CENTELHAS EUCARÍSTICAS
PEQUENA COLEÇÃO
DE
Pensamentos e afetos devotos
a
JESUS SACRAMENTADO
XIX
Dentro em
breve
__________
PARECE, realmente,
que eu tenho encontrado o modo de amargurar todas as minhas alegrias, ainda as
mais legítimas e santas. Poderia gozar em paz horas tranquilas, dias inteiros
mesmo; e, afinal, vou-me angustiando com temores verdadeiramente estranhos.
Porque, dentro em breve, por estes
dias próximos, terei de executar um certo trabalho que me repugna; porque terei
hoje mesmo de suportar uma fadiga algum tanto grave, de superar uma dificuldade
insólita, de fazer um certo sacrifício — eis que já perco a paz do coração!
Imagino que me virá cair sobre os ombros um peso enorme que me esmague, e com a
fantasia avolumo as coisas por forma a fazer de um grão de areia uma grande
montanha. Vejo-me desde já empenhada em uma luta superior às minhas forças,
constrangida a suportar um peso imane, condenada a uma imolação injusta: e tudo
isto com uma certa persuasão de que sou uma vítima inocente... E, no entanto,
foge-me a paz do espírito, o coração vê-se apertado como que dentro duma tenaz,
tudo se me torna pesado, todas as minhas alegrias, que não me faltariam,
dissipam: e com as apreensões do futuro... As minhas orações— já se deixa ver —
são prejudicadas por mil distrações, e o mesmo acontece com a leitura
espiritual e a meditação... A própria Comunhão, sabe Jesus com que fervor eu a
faço... Fico como que suspensa, abstrata, inerte, indecisa, à maneira de quem,
sentindo rumorejar-lhe sobre
a cabeça uma tempestade ameaçadora, e não podendo fugir-lhe, fica para ali à
espera que se rompam as nuvens, ribombe o trovão e fuzilem os raios.
Mas, afinal, o que é que me incute
tão grande temor e tanto me conturba? Onde está essa fadiga e esse
sacrifício? Não serão os mesmos que
eu já suportei tantas vezes? Então, também me pareciam ao princípio uma
montanha, mas, uma vez superados, vi que não passavam de uma névoa que em breve
se dissipa. Depois, chamei-me a mim mesma uma louca por ter temido tanto e fiz
o propósito de me corrigir de futuro... E agora faço o mesmo...
E quando soará a hora desse
sacrifício?... Quando? Oh! Como eu sou pequenina de entendimento e mesquinha de
coração! Deverão passar ainda muitos dias e semanas, e eu
começo já a angustiar-me? Não seria
melhor empregar este intervalo
de tempo em premunir-me
contra o meu receio presente e as dificuldades futuras por meio
da oração, da meditação adaptadas ao
meu caso, e com o exercício de um pouco mais de confiança em Jesus? Eu sei tudo
isto, percebo tudo muito bem: mas é isto exatamente que eu me esqueço de fazer.
Pobre de mim! Sou
feita mesmo assim... Mas sou assim
também por culpa minha. Tenho Jesus todo à minha disposição, e não o procuro.
Ele poderia, com um só movimento de graça, dar-me força
e vontade de fazer cem vezes mais
daquilo, que deverei fazer dentro em breve, e de que tanto me arreceio: e nem
penso nesta graça, não a espero, não a procuro. Ah! Se eu tivesse um pouquinho,
que fosse, de confiança em Jesus, não sentiria certas agitações e receios.
Ainda bem que este amor próprio,
estas misérias internas não as digo a ninguém: de contrário, que diriam de mim
certas pessoas que ainda me julgam alguma coisa? Se soubessem que me amedronto
com tão pouco! Se suspeitassem que em certos momentos me sinto quase
arrependida do estado que abracei, só porque me impõe certos sacrifícios! Que quase
invejo os mundanos, porque vivem sem certos aborrecimentos!
O certo é que, seja qual for a
disposição do meu coração, dentro em breve deverei absolutamente suportar
aquela fadiga e fazer aquele sacrifício... Portanto? Portanto tenhamos juízo, e
entendamo-nos com Jesus.
Eis-me aqui, ó Jesus, com a alma meio
convulsionada: a razão sabe-la tu e tu somente lhe podes dar remédio. Tu deste
aos mártires a força maravilhosa de suportar o cárcere, os flagelos, as
carnificinas, e tudo eles sofreram alegremente, com o vulto sereno e a alegria
no coração... Porque não me dás a mim também um pouco daquela força? Bem pouca
me basta, porque entre mim e os mártires interpõe-se um abismo... E,
tratando-se de tão pouco, não me lo darás?
Como! Ouso quase confrontar-me com os
mártires?... Ó Jesus, tem compaixão da minha puerilidade... Eu não te peço
graças extraordinárias... Contento-me com uma só, muito simples, de todos os
dias... Com uma Comunhão bem feita! Ó Jesus, faze-me a graça de te receber bem
hoje e sempre... Isso me basta: as fadigas, as violências, os sacrifícios já
não me causarão medo; não, não me causarão mais medo.
Quando eu tiver Jesus em mim, terei
aquela Carne que se afadigou e suou na oficina de Nazaré, que provou o cansaço
das viagens e das vigílias, as prostrações e os esgotamentos do jejum e da
fome, e o tormento da sede; terei em mim aquele Sangue que Ele sentiu referver-lhe
nas veias perante a hipocrisia dos Fariseus, debaixo das calúnias de acusadores
infames e juízes iníquos, e que soube temperar nos seus ardores com uma
paciência divina, e derramar até a última gota sobre uma cruz infamante; terei
em mim aquela Alma que, depois de ter passado pela via espinhosa e difícil das
mais sublimes virtudes, agonizou, sem um só lamento, no Getsêmani, e expirou
sobre a cruz, depois de ter dirigido ao Pai a última súplica de perdão pelos
cruxifixores; terei em mim aquela Divindade... A Divindade de Jesus em mim?...
E, compenetrada, investida, vivificada pela Divindade, terei eu ainda receio em
sorver o amargo do fel do meu cálice? De suportar a convivência com aquela
pessoa antipática, de renegar a minha vontade? De consumir um pouco das minhas
forças no serviço de Deus e do próximo? De apanhar mesmo uma doença para
cumprir o meu dever?... Mas não eram todas estas coisas, e outras mais graves
ainda, que mantinham alegres os Santos? Não são todas estas coisas o fruto de
uma comunhão bem feita?
Portanto, por que em vez de atender à
força admirável que Jesus confere a quem confia n'Ele, atendo mais depressa às
dificuldades que me esperam? Porque me aflijo e melancolizo sem razão e sem
vantagem, em vez de preparar-me a fazer um pouco melhor as minhas comunhões?
Basta; se penso muito acabo por me
envergonhar de mim mesma. É preciso tomar uma resolução, e a resolução é esta:
1.°, avivar a minha fé na Eucaristia, que é o pão dos fortes; 2.°, avivar a
minha esperança em Jesus, que sempre ajuda quem n'Ele confia;
3.°, avivar a minha caridade, com
o propósito de suportar alegremente
por amor de Jesus qualquer fadiga ou sacrifício.
Ó Jesus, mil graças pela santa
inspiração que me mandaste! Agora já não temo nada, e afrontarei tranquilamente
o futuro, ciente de que, em qualquer trabalho que me sobrevenha, eu serei por
ti confortada e repousarei sobre o teu Coração.
Nenhum comentário:
Postar um comentário