NEWSLETTER POR EMAIL

24 de Março - Mês Dedicado a São José

Vai São José com a Virgem e seu Filho a Jerusalém;
Fica o Menino Jesus oculto no templo três dias;
No fim deles, acham-no disputando com os doutores e recolhem-se a Nazaré

FONTE

            Como religioso observador da Lei, ia todos os anos o gloriosíssimo São José ao Templo de Jerusalém celebrar as solenes festividades, que Deus instituíra no povo de Israel; e, ainda que este preceito não obrigava as mulheres, a piedosíssima Virgem sempre acompanhava, nestas romarias a seu Santo Esposo.
            Contava já o Menino doze anos de idade; e, levando-o seus santíssimos pais consigo para assistir à Festa da Páscoa, que era das mais solenes que se faziam, acabados os sete dias daquela sagrada função, retiraram-se para Nazaré São José e a Virgem Maria, cada um em grupo diferente, e imaginavam que Jesus, como era costume dos mais meninos, viria na companhia de um deles; de sorte que à Virgem Maria parecia-lhe, por uma conjectura provável, que seu amado Filho viria com São José, e este julgava que teria vindo com a Virgem; o Menino, porém, deixou-se ficar em Jerusalém.
            Tinham andado os Divinos Esposos a distância percorrida em um dia, até que chegando à pousada, onde se haviam de ajuntar todos, procurando ao Menino, não o acharam. A aflição e sentimento, que o Santo Patriarca e sua Divina Esposa tiveram na perda de seu Filho Santíssimo, foi imensa. Esta pena foi uma das espadas, que Simeão lhe havia profetizado que transpassaria seu coração. Foi tão cruel este tormento, que, não podendo expressá-lo o Evangelista com palavras, usara de enfáticas admirações.
            Com toda a diligência tratou logo o Santo de procurar o Menino, correndo por uma e outra parte, cheio de grande pena, lágrimas e fadiga; e houvera chegado sua vida a manifesto perigo, se a mão do Senhor o não confortara e a prudentíssima Virgem o não consolasse e persuadisse a descansar algum pouco; porque o verdadeiro e grande afeto, que São José tinha ao Menino Deus, o incitava, com veemência, a buscá-lo, sem se lembrar de alimentar a vida, nem socorrer a natureza debilitada, e isso por espaço de três dias em que o procurou.
            Depois de três dias contínuos de amarga ausência e diligente desvelo, buscando São José e Maria Santíssima o inocente Cordeiro de Deus, já na sua pátria, já entre os amigos e parentes, tornaram, enfim, a Jerusalém, e, por indícios, foram achá-lo no Templo, sentado no ínfimo degrau e sobre as esteiras do pavimento, entre os Doutores da Lei, como era costume, disputando matérias concernentes à vinda do prometido Messias, combinando com tanto acerto e magistério as Profecias e Escrituras referentes às condições dos seus diferentes Adventos, que causava admiração aos mais sábios e soberbos Rabinos.
            Chegaram nesta ocasião os aflitos pai, e, absortos ambos com a amável presença de seu querido Filho, foi incomparável o gozo e alegria, que receberam aqueles dois magoados corações; não há palavras que possam explicar bem o contentamento que tiveram. Esperaram que se acabasse a controvérsia e desfizesse o maior concurso; então, talvez ouvindo a muitos gabar a habilidade do Menino e vendo a outros o abraçarem, chegando-se a Virgem a ele, lhe disse: Filho, que é isto, que nos fizestes? Vosso pai e eu aflitos e lastimados vos andamos buscando até agora.
             A Virgem soberana, que sabia muito bem haver concebido do Espírito Santo, deu a seu esposo São José o nome de pai de Cristo, não só para o honrar como cabeça de sua casa, mas, porque, nomeando-o de outra maneira entre os que tinham a Cristo por Filho natural de São José, não o julgassem por espúrio. Tão grande estima fazia de São José, seu santo esposo, a Rainha do céu, que nem ainda no nome se lhe antepunha. Recolhendo-se, finalmente, para Nazaré, alegres e contentes com o Menino, a Senhora o levava pela mão da parte direita e São José da parte esquerda, como receando que do Menino se tornassem a perder outra vez.
            Sucintamente prossegue o Evangelista São Lucas esta história, pois, diz, nestas poucas palavras, que a Virgem e seu Esposo voltaram para Nazaré com o Menino, e que ele vivia sujeito e obediente às determinações de seus pais. São Bernardo, suspenso na desigualdade infinita desta obediência de Cristo, exclama e diz: “É possível que Deus, a quem os Anjos e todas as Potestades obedecem, esteja sujeito a Maria, e não só a Maria, mas também a José?! Admirai destes dois prodígios qual quiserdes, ou a profundíssima benignidade do Filho de Deus, ou dos pais venturosos o altíssimo privilégio. De uma e outra parte na há senão pasmar”.
            Atônito de tão admirável resignação, exclama também o grande Cancellario de Paris: “Aquele Deus, a cuja presença se inclinam os mais eminentes Santos da Igreja triunfante; aquele que é só e único Senhor do Universo, este (oh maravilha!) se inclina, serve e corteja, de noite e de dia, no dilatado progresso de trinta anos, a quando e quanto quer?! Mas não é muito de admirar que Jesus Cristo quisesse fazer-se súdito de São José e de Maria Santíssima, com ser o mesmo Senhor do céu e da terra, se veio ao mundo para exclamar da obediência e humildade.
            De tal sorte, obedecia o Filho de Deus a São José, e estava sujeito ao seu mandado, como Filho obediente a seu pai, que, quando o Santo dizia, ou lhe mandava fazer alguma coisa, logo ele a executava, porque de tal maneira trazia oculto o poder da sua Divindade, que o não descobria. Confirma este inefável domínio da parte do pai e obediência do Filho o que se lê na história dos Católicos Orientais: “Eu (dizia Cristo) conversava e tratava com José em tudo, como se fora como seu Filho semelhante a ele, e assim lhe obedecia como os filhos obedecem a seus pais, sem nunca transgredir na mínima palavra, amando-o tanto como a menina dos meus olhos”.
            O mesmo afirma São Bernardino de Sena, dizendo que São José publicamente se havia e portava com Cristo nas ações, no trato e no domínio, e Jesus na obediência e sujeição, como se ele fora verdadeiro pai de Cristo, e Cristo seu Filho verdadeiro. Estava-lhe o Menino tão obediente, pondera outro autor, e tratava a seu pai com tanta reverência, que, quando o Santo o mandava a algum recado, ou comprar alguma coisa, ao voltar para casa, se punha de joelhos e lhe pedia a mão para beijá-la. Recusava-o São José com grande humildade, e instava o Menino, dizendo que viera ao mundo dar exemplo e ensinar como deviam ser tratados e servidos os pais. Então, estando o Menino de joelhos, o ditosíssimo São José com grande respeito e tremendo, lhe dava a mão, e o Divino Infante a beijava. Oh! Excesso de profunda humildade e obediência de Jesus Cristo!
            Tanta era a veneração e respeito, que o Filho de Deus, feito homem, tinha ao ditoso São José, que a título de sujeição filial, quando lhe falava, era sempre inclinando a cabeça com grande reverência e acatamento, e lhe falava sempre com meia inclinação; São José, porém, como verdadeiramente conhecia quanto Jesus lhe era superior, não deixava também de lhe falar com temor e reverência. Esta sujeição e obediência, que o Menino tinha a São José, foi, certamente, a suma das suas grandezas e de suas honras, pois não pode cogitar-se maior sublimidade, que obedecer a um homem aquele a quem obedecem todas as coisas do Universo.
            Cresce a glória e a honra de São José, dizendo-nos muitos Santos e Varões pios, não sem profunda admiração, que, no exercício da sua arte, o ajudava também Cristo para ganhar o sustento cotidiano, serrando, ou preparando madeiras aquele mesmo artífice que fabricou o Universo com uma só palavra, e que, depois, segundo a ponderação de Vieira, ajuntava e levava os cavacos à Mãe, para que dos suores de ambos guisasse o de que se haviam de sustentar todos três.
            E ainda que alguns quiseram negar esta honra ao venturoso São José, o mais provável foi que o Senhor, unindo a via contemplativa com a ativa, servia de grande adjutório a seu pai na laboriosa ocupação do seu ofício, já lhe dando o formão, a encho, a serra e o martelo, ou outros quaisquer instrumentos do seu ministério, como Filho submisso e natural de São José no conceito dos que ignoravam o Mistério da Encarnação, e assim fazer outras coisas próprias à sua pessoa, para que também tivessem parte no trabalho do nosso Santo as mãos sacrossantas do que fabricou os céus e sustenta com três dedos a maquina do mundo, sem que isto o pudesse distrair da contemplação celestial em que andava continuamente.
            Os que vos viram, Senhor, na oficina de São José, obedecendo-lhe como seu Filho, e ajudando-o no seu trabalho a serrar e aplainar madeiras, vos desprezariam por serdes filho de um carpinteiro e oficial do mesmo ofício; mas essa ocupação não era nova para vós, porque havia anos que tínheis recomendado aos vossos Profetas o ofício de aplainar e cortar o áspero e supérfluo dos homens para se poderem ajustar com lisura de Deus; mas porque vistes o pouco, que aproveitaram eles, viestes a exercer o mesmo trabalho, e fazer o que víeis fazer a vosso pai. Agistes como Filho de homem o mesmo que dissestes como Filho de Deus.
            Eu não duvido, diz São Bernardo de Salles, que os Anjos absortos de admiração viessem, em formosas turmas, a considerar e admirar o Divino Menino na pobre oficina de São José, onde exercitava seu ofício para sustentar o Filho e a Mãe, que lhe estavam confiados. Esta companhia e assistência dos Anjos é mui conforme ao que também escreveu a Venerável Madre de Ágreda, donde é natural, que, vendo-se o Menino entre aqueles instrumentos e madeiras do seu ofício, começasse a notar não só progresso da sua Paixão, mas os danos, que havia de pagar naquele doce Lenho da Cruz, em desconto da desobediência de Adão na árvore do Paraíso; assim o canta a Igreja.
            Não causaria menor admiração aos Anjos, nem deixa menos absortos aos entendimentos humanos, considerando, segundo o revelou a Senhora a Santa Brígida, não só a Cristo ajudando nas ocupações fabris a São José, mas também administrando à sua mesma pessoa; e assim não se desprezaria de lhe dar águas às mãos, administrar-lhes a toalha para se enxugar, e chegar-lhe o banco para se assentar à mesa, usando o venturo Santo da política Divina do Pai Eterno, o qual, dando no céu a seu Unigênito o lugar da destra, como diz Davi no Salmo 109, é crível que São José, sentando-se à mesa, daria o mesmo lugar a Jesus Cristo, dizendo-lhe: Filho, sentai-vos à minha mão direita.
            Quem se não admira, pois, de tal grandeza e dignidade que São José, homem mortal, tivesse a Cristo verdadeiro Deus por seu súdito, e ele obedecesse aos seus preceitos como a verdadeiro pai, participando, cada vez mais intensamente, dos incomparáveis favores, que lhe comunicava tão celestial companhia? Por isso, se fora São José arrebatado ao céu, e lá estivesse entre os coros dos Anjos, ouvindo-lhes cantar pelo espaço de trinta anos louvores a Deus, não aproveitaria mais do que se utilizou, ouvindo a Cristo e a Maria Santíssima em todo o tempo, que com eles viveu no mundo.

- - - - - - - - - - - -
A vida de São José pela Associação de Adoração Contínua a Jesus Sacramentado - Livraria Francisco Alves, 1927