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SOBRE A RECITAÇÃO DO ROSÁRIO

 ESPECIALMENTE NO MÊS DE OUTUBRO

CARTA ENCÍCLICA
INGRUENTIUM MALORUM
DO SUMO PONTÍFICE
PAPA PIO XII
AOS VENERÁVEIS IRMÃOS PATRIARCAS, PRIMAZES,  ARCEBISPOS E BISPOS E OUTROS ORDINÁRIOS DO LUGAR EM PAZ E COMUNHÃO COM A SÉ APOSTÓLICA


 INTRODUÇÃO 
1. Nunca, desde que, por desígnio da divina Providência, fomos elevados à suprema cátedra de Pedro, à vista das ameaças do mal, deixamos de contar ao seguro patrocínio da Mãe de Deus a sorte da família humana, tendo publicado, como bem sabeis, por mais de uma vez, cartas de exortação a este propósito. É patente, veneráveis irmãos, com quanto empenho, entusiasmo e união de almas, o povo cristão tenha correspondido às nossas exortações por toda a parte. Assim o têm esplendidamente mostrado, repetidas vezes, os grandiosos espetáculos de fé e de amor para com a augusta Rainha do Céu, principalmente aquela manifestação de alegria universal que nos foi dado, por assim dizer, contemplar com os nossos olhos, quando, no ano passado, circundados de inúmera multidão, proclamamos solenemente, da Praça de São Pedro, a assunção da virgem Maria em corpo e alma ao Céu.
2. Se é grato pensar nestas coisas, que nos consolam pela firme esperança da misericórdia divina, não faltam, contudo, em verdade, no presente, motivos de grave tristeza que preocupam e angustiam nosso ânimo paterno.

Os males do nosso tempo
3. Veneráveis irmãos, bem sabeis como são calamitosos os tempos que atravessamos. A concórdia fraterna das nações, há tanto tempo despedaçada, não a vemos ainda restabelecida em toda parte; pelo contrário, a cada passo, os ânimos se agitam mais com ódios e rivalidades, e sobre os povos pairam ainda ameaças de guerras cruentas. Acresce a desapiedada tempestade de perseguições que, em não poucas regiões do globo, atormentam, já há muito, acirradamente, a Igreja, privada de sua liberdade e acabrunhada por angústias e calúnias de todo o gênero, fazendo até correr, por vezes, sangue de mártires. A quantas e quão grandes insídias não vemos, nesses países, expostas as almas de nossos filhos, para fazê-los abjurar da fé de seus maiores, e separá-los, para desventura deles, da união com esta Sé Apostólical! E, finalmente, não podemos deixar, de maneira nenhuma, em silêncio o novo crime que se está a cometer, para o qual, com profunda dor, chamamos não só a vossa atenção, mas a de todo o clero, a de todos os pais e mães de família, e dos próprios governantes. Referimo-nos à iníqua campanha desencadeada, em toda a parte, pelos ímpios, contra a cândida inocência das criancinhas. Infelizmente, nem sequer a idade inocente foi poupada, pois não tem faltado quem temerariamente ouse cortar as flores que ornam os místicos jardins da Igreja, destruindo as mais belas esperanças da religião e da sociedade. Quem pensar bem nisso, não pode já maravilhar-se de que os povos gemam sob o açoite dos flagelos divinos e vivam sob o pesadelo de maiores calamidades.

Confiança na Mãe de Deus e dos homens
4. Mas, ao ponderardes a situação tão sobrecarregada de graves perigos, não deveis, veneráveis irmãos, deixarvos abater pelo desânimo, mas lembrados daquela palavra divina: "Pedi e dar-vos-á, buscai e encontrareis, batei e abrir-vos-á" (Lc 11, 9), com fé mais firme voltai-vos para a virgem Mãe de Deus, sob cujo manto encontrou sempre refúgio o povo cristão nas horas de perigo, pois que ela "foi constituída causa de salvação para todo o gênero humano" (S. Ireneu, Advers. haer., III, 22; PG, VII, 959.).

Devoção ao Rosário
5. Não é, pois, sem alegre expectativa e reavivada esperança, que vemos aproximar-se mais um mês de outubro, no qual os fiéis costumam acorrer com maior freqüência às igrejas para invocarem Maria por meio da devoção do santíssimo Rosário. Essa devoção, veneráveis irmãos, desejamos se faça este ano com o maior fervor de alma, como exigido pelas necessidades do mundo. É que bem sabemos quão grande eficácia e força tem a reza do terço para impetrar o materno auxílio da Virgem santíssima. Porque, embora não seja o único modo de orar capaz de nos atrair esse auxílio, contudo, cremos que o terço de nossa Senhora é meio ótimo e frutuosíssimo, como aliás no-lo indica veemente a sua origem mais celeste que humana, e a própria razão de ser.
6. Pois que há aí de mais apto e de mais belo que as flores de que se entretece esta grinalda mística – a oração dominical e a saudação angélica? E como às repetidas preces vocais ajunta a contemplação dos sagrados mistérios, resulta também, por modo extraordinariamente salutar, que todos, mesmo os rudes e iletrados, têm nele modo expedito e fácil de conservar e aumentar a fé. E realmente, com a meditação freqüente dos mistérios sagrados, a alma, insensivelmente, vai pouco a pouco haurindo e embebendo-se da força que eles encerram, inflamando-se maravilhosamente na esperança dos bens imortais, levada forte e suavemente a seguir os vestígios do próprio Cristo e de sua Mãe santíssima. E a recitação tão repetida das mesmas fórmulas, longe de ter algo de estéril ou de enfadonho, possui, pelo contrário, admirável virtude – como se pode experimentar – para incutir, nos que rezam, a confiança de serem ouvidos, e para exercer, sobre o maternal coração de Maria, uma espécie de suave violência!
7. Portanto, veneráveis irmãos, cuidai com o máximo empenho que os féis, aproveitando a oportunidade do mês próximo, cumpram esse dever tão frutuoso com a maior diligência possível, e que entre eles esta devoção obtenha cada dia maior divulgação e apreço. Que pela vossa ação o povo cristão compreenda a fundo a dignidade, a força e o valor do terço.

O terço em família
8. Mas é sobretudo dentro das paredes do lar que temos o desejo de ver reflorir por toda a parte o hábito assíduo da reza do terço, e seja religiosamente guardado e revigorizado com novo fervor. É que será vão o esforço de remediar a situação decadente da sociedade civil se a família, princípio e base de toda a sociedade humana, não se ajustar diligentemente à lei do evangelho. E nós afirmamos que, para desempenho cabal desse árduo dever, é sobremaneira conveniente o costume da reza do terço em família. Quão suave e profundamente agradável a Deus é o espetáculo do lar cristão que, ao cair de cada noite, ressoa com as harmonias dos reiterados louvores da augusta Rainha do Céu! Então essa prece comum reúne pais e filhos, de volta do trabalho do dia, em admirável união de almas, aos pés da imagem de Maria; depois une piedosamente com os ausentes, com os já falecidos; a todos, enfim, com suavíssimo vínculo de amor, liga mais estreitamente a virgem Maria, que, como mãe amantíssima, rodeada da coroa dos seus filhos, ali estará presente a infundir com profusão os dons da união e da paz doméstica. Então o lar da família cristã, ajustado ao modelo da família de Nazaré, tornar-se-á mansão de santidade na terra e quase templo sagrado, em que a reza do Rosário de Maria não será apenas particular forma e modo de oração a subir cada dia ao céu em cheiro de suavidade, mas eficacíssima escola de disciplina e virtude cristã. Efetivamente, os admiráveis mistérios da redenção, propostos à contemplação, hão de fazer que os mais idosos, tendo ante os olhos os exemplos luminosos de Jesus e de Maria, se habituem a passá-los, dia a dia, à prática da vida, deles possam haurir conforto nas angústias e adversidades e, por eles movidos, frutuosamente se lembrem dos tesouros dos bens celestes "aos quais não chega o ladrão, nem rói a traça" (Lc 12, 33). E farão que nas mentes das crianças se vão penetrando as principais verdades da fé cristã, de tal maneira que floresça quase espontaneamente nos seus corações inocentes o amor ao Redentor benigníssimo, ao mesmo tempo que logo desde a tenra idade, sob a luz do exemplo dos pais que reverentemente ajoelham ante a majestade de Deus, aprendem a conhecer o valor da oração feita em comum.

O Rosário, força da Igreja e aurora de melhores dias
9. De novo, pois, e categoricamente, não hesitamos em afirmar em público que depositamos grande esperança no Rosário de nossa Senhora como remédio dos males do nosso tempo. Porque não é pela força, nem pelas armas, nem pelo poder humano, mas sim, pelo auxílio alcançado por meio dessa devoção, que a Igreja, munida desta espécie de funda de Davi, consegue impávida afrontar o inimigo infernal, ao qual bem pode dirigir as palavras do pastorzinho adolescente: "Tu vens contra mim de espada, lança e escudo, e eu vou contra ti em nome do Deus dos exércitos...; e saberá toda esta multidão que não é com espada nem com lança que o Senhor salva" (1 Rs 17, 44.49).
10. Por isso desejamos veementemente que todos, veneráveis irmãos, seguindo o vosso exemplo e a vossa exortação, correspondam religiosamente a estas nossas paternais advertências, em união de ânimos e de palavras, no mesmo ardor de caridade. Se males e esforços dos maus aumentam, aumente também e vigore, dia a dia mais, o zelo de todos os bons, os quais devem procurar insistentemente alcançar, da nossa Mãe amantíssima, principalmente por este modo de oração, que lhe é, por certo, tão caro, que para a Igreja e para a sociedade humana alvoreçam, quanto antes, tempos melhores.

As intenções do papa
11. Que ela nos alcance, peçamos-lhe todos, de seu unigênito Filho, como Mãe poderosíssima de Deus, instada pelas preces de tantos filhos, que aqueles que, por infelicidade sua, se afastaram da verdade e da virtude, a elas voltem com alma nova; que os ódios e rivalidades que são fonte de discórdias e misérias de toda a ordem, se apaziguem e harmonizem felizmente; que brilhe auspiciosamente a paz, uma paz verdadeira, justa e sincera para os indivíduos, para as famílias, para os povos e nações; finalmente, que, salvaguardados os direitos da Igreja como é de sacrossanta justiça, aquela força benfazeja que dela brota livremente para os espíritos dos homens, para as classes da sociedade civil, para as artérias do próprio organismo da coisa pública, ajunte em fraterna aliança toda a família das nações e a conduza àquela prosperidade que harmonize, garanta, e conjugue os deveres e os direitos de todos, a ninguém lese, e se afirme, por mútua união de sentir, agir e colaborar, cada vez mais florescente.

Oremos pelos que mais sofrem
12. E não esqueçais, veneráveis irmãos e queridos filhos, ao desfiardes, em prece de novo fervor, as contas do terço de nossa Senhora, não esqueçais, dizemos, os que no cativeiro, nas prisões, nos campos de concentração se encontram infelizmente detidos. Como sabeis, há entre eles membros do venerando episcopado, afastados violentamente das suas sedes precisamente por terem defendido com valentia os sacrossantos direitos de Deus e da Igreja; há filhos, pais e mães de família arrancados para longe do lar doméstico e condenados a levar vida miserável, por terras desconhecidas e sob outros céus e outros climas. Tal como nós amamos a todos esses com afeto particular e os abraçamos com paternal carinho, assim também vós, animados daquela caridade fraterna que deriva da religião cristã e é por ela fomentada, unindo às nossas as vossas preces diante do altar da Virgem Mãe de Deus, os encomendareis ao seu coração maternal. Ela, sem dúvida, com doçura especial, lhes aliviará o sofrer, reavivando-lhes no peito a esperança do prêmio eterno, e não deixará também, como firmemente confiamos, de apressar, quanto antes, o fim de tantas dores.

CONCLUSÃO
Terço pelas intenções do romano pontífice
13. Não duvidando que vós, veneráveis irmãos, com o costumado zelo ardente dareis conhecimento ao vosso clero e ao vosso povo, da maneira que vos parecer mais oportuna, desta nossa paterna exortação, e certos também de que os nossos filhos, esparsos por todas as partes do mundo, corresponderão de bom grado a este nosso convite, em testemunho da nossa gratidão e penhor das graças celestes, a vós todos, ao rebanho confiado a cada um de vós – nomeadamente aos que, durante o mês de outubro em especial, recitarem devotamente o terço pelas nossas intenções-, concedemos com efusão de coração a bênção apostólica.

Dado em Roma, junto a São Pedro, no dia 15 de setembro, festa das sete dores da santíssima virgem Maria, no ano de 1951, XIII do nosso pontificado.
 PIO PP. XII

Que é o mundo? E que deve ele ser para o cristão?

Excerto retirado do
Manual da Almas Interiores
Compêndio de Opúsculos Inéditos
Pe. Grou
Livro de 1932 - 428 págs


Do Mundo
Que é o mundo? E que deve ele ser para o cristão? Duas questões bem interessantes para todos quantos desejam pertencer inteiramente a Deus e assegurar a salvação.
 Que é o mundo? É o inimigo de Jesus Cristo, o inimigo do Evangelho. É esse conjunto de pessoas que, presas às coisas sensíveis, fazendo consistir nelas a felicidade, têm horror aos sofrimentos, à pobreza, as humilhações e consideram estas e aqueles, como verdadeiros males de que cumpre fugir e contra os quais de deve estar garantido, custe o que custar; que, em contraposição ligam o maior apreço aos prazeres, as riquezas e as honrarias; reputam umas e outras, verdadeiros bens; os desejam e buscam portanto, com ardor extremo e sem escolherem os meios; os disputam, invejam e arrebatam uns e outros; só se estima ou desprezam-se mutuamente, na medida em que os possuem; em suma, fundam na aquisição e no gozo desses bens todos os seus princípios toda a sua moral, todo o plano de sua conduta.
 O espírito do mundo é, pois, evidentemente oposto ao espírito de Jesus Cristo e do Evangelho. Jesus Cristo, na oração por Seuseleitos, declara não orar pelo mundo; anuncia, aos Apóstolos e, nas pessoas destes, a todos os cristãos, que o mundo os há de odiar e perseguir, como a Ele próprio odiou e perseguiu. Quer que a seu turno façam eles contínua guerra ao mundo.
 Nos primeiros séculos da Igreja, quando quase todos os cristãos eram santos e a parte restante da humanidade achava-se abismada na idolatria, fácil tornava-se discernir o mundo, conhecer a gente que se podia frequentar e a que se devia evitar.
 O mundo, então desencadeado contra Jesus Cristo, distinguia-se por sinais inequívocos. Depois que nações inteiras abraçaram o Evangelho e o relaxamento se introduziu entre os cristãos, formou-se pouco a pouco no meio deles um mundo no qual reinam todos os vícios da idolatria, um mundo ávido de honras, prazeres e riquezas, um mundo cujas máximas combatem diretamente as máximas de Jesus Cristo.
 Mas, como esse mundo professa exteriormente o cristianismo, hoje é mais difícil discerni-lo. A sua frequentação também se tornou mais perigosa porque ele disfarça sua má doutrina com mais habilidade, propaga-a com mais tento, emprega toda a sua sutileza para conciliá-la com a doutrina cristã e, nesse intuito, enfraquece, suaviza tanto quanto pode o santo rigor do Evangelho escondendo cuidadosamente, por outro lado, todo o veneno da sua moral.
 Daí um perigo de sedução tanto maior porquanto não se percebe e contra ele não se está em guarda; daí certo espírito de transigência e adaptação, pelo qual procura-se conciliar a severidade cristã com as máximas do século sobre a ambição, a cobiça, o gozo dos prazeres; acordo impossível, condescendências ou atenuações que tendem a lisonjear a natureza, alterar a santidade cristã e formar consciências falsas. É incrível a que ponto chega o desconcerto, mesmo entre pessoas que se prezam de ser piedosas e devotas: desvario num sentido mais difícil de reprimir do que o resultante de uma conduta abertamente mundana e criminosa, porque não querem reconhecê-lo e a seu respeito se iludem.
 Se quisermos viver nesta terra sem participar da corrupção do século, só temos um partido a tomar, o de rompermos absolutamente com o mundo pelo coração e entrarmos a sentir com São Paulo, quando exclamava: O mundo está crucificado para mim, e eu estou crucificado para o mundo.
 Oh! que belas palavras, e quão profundo o sentido que encerram!
 A cruz era outrora o suplício mais infame, o suplício dos escravos.
 Dizendo o Apóstolo que o mundo está crucificado para ele, é como dissesse: Tenho pelo mundo o mesmo desprezo, a mesma aversão, o mesmo horror que por um vil escravo crucificado pelos seus crimes: não posso suportar-lhe a vista, ele é para mim objeto de maldição, com o qual toda ligação em todo trato e toda relação me são interditos.
 Nada de exagerado tem, ao invés, apenas justo e legítimo é esse sentimento de São Paulo, que deve ser o de todo cristão e a razão é evidente: o mundo crucificou Jesus Cristo, depois de havê-lO caluniado, insultado, ultrajado; crucifica-O ainda todos os dias: é, pois, justo que o mundo, por sua vez, esteja crucificado para o discípulo de Jesus Cristo; é justo ter o discípulo horror ao inimigo capital do Mestre, do seu Salvador, do seu Deus. Assim a renúncia ao mundo é uma das promessas mais solenes do batismo, uma condição essencial, sem a qual a Igreja não nos teria admitido entre seus filhos.
 Pensamos nessa promessa?
 Pensamos nas obrigações que ela acarreta?
 Examinamos até onde deve chegar a nossa renúncia?
 A renúncia do cristão a respeito do mundo deve ir tão longe quanto a renúncia do mundo a respeito de Jesus Cristo.
 Esta regra é clara e em face da sua precisão fora impossível nos enganarmos. Só nos resta aplicá-la em toda a extensão. O mundo tem o seu evangelho: só temos que tomá-lo numa das mãos e o Evangelho de Jesus Cristo na outra; só temos que comparar, sobre os mesmos objetos, a doutrina e os exemplos de um e de outro,  só temos que opor Jesus Cristo na Cruz, no sofrimento, no opróbrio e na nudez, ao mundo cercado e embriagado de honras, riquezas e prazeres, e dizer a nós mesmos: A quem desejo pertencer?
 Eis aí dois inimigos irreconciliáveis, fazendo-se reciprocamente a guerra mais cruel. A favor de qual deles desejo declarar-me? É-me impossível ficar neutro, ou tomar o partido de ambos. Se escolho Jesus Cristo e a Sua Cruz, o mundo me reprova; se me prendo ao mundo e às suas pompas, Jesus Cristo me rejeita e condena: poderei hesitar? É cristão aquele que hesita sequer um instante?
 Mas, se uma vez nos alistamos sob o estandarte da Cruz, não é evidente que desde esse momento o mundo se torna inimigo com o qual não há mais a fazer pazes nem lhe dar tréguas?
 Como isso vai longe, ainda uma vez! e como os cristãos seriam santos se da grandeza de seus compromissos bem se compenetrassem.
 Não basta estar o mundo crucificado para nós, é preciso que consintamos estar também crucificados para o mundo, isto é, que o mundo nos crucifique como crucificou a Jesus Cristo; nos guerreie do mesmo modo que guerreou a Jesus Cristo; nos persiga, calunie e ultraje com igual furor; nos arrebate, finalmente, os bens, a honra, a própria vida.
 É mister não só consentirmos em todos esses sacrifícios de preferência a renunciarmos à santidade cristã, mas também fazer disso motivo de alegria e triunfo. O discípulo deve gloriar-se de ser tratado como o Mestre: Se eles me perseguiram, dizia Jesus Cristo a Seus Apóstolos, também vos perseguirão: é coisa infalível. O mundo não seria o que é, ou os cristãos não seriam o que devem ser, se escapassem à perseguição do mundo.
 Procuramos muitas vezes certificar-nos do nosso estado; quiséramos saber se somos agradáveis a Deus, se Jesus Cristo nos reconhece como pertencentes a Ele. Eis um meio bem próprio para esclarecer-nos e dissipar todas as nossas inquietações: indaguemos se o mundo nos estima e considera, se fala bem de nós e nos procura. Neste caso não pertencermos a Jesus Cristo. Pelo contrário, se ele nos censura e ridiculariza, se nos calunia foge de nós, nos despreza e odeia, oh! que grande motivo de consolação, oh! que poderosa razão para crermos que pertencemos a Jesus Cristo!
 Vejamos, pois, seriamente diante de Deus, o que o mundo é para nós e o que somos para o mundo. Sondemos as nossas disposições interiores, estudemos os sentimentos mais profundos do nosso coração: acharemos por certo, motivo para nossa confusão e humilhação; verificaremos haverem as máximas do mundo deixado profundos vestígios em nosso espírito e que em muitas circunstâncias delicadas os nossos juízos se aproximam ainda dos seus; verificaremos que somos ciosos de sua estima e temeremos seus desprezos; que gostamos de cultivar e entreter certas relações e veríamos com desprazer os outros afastarem-se de nós; que temos, em várias ocasiões, condescendências, atenções, respeitos humanos que nos incomodam peiam e conservam numa espécie de constrangimento e dissimulação. Veremos, numa palavra, que não somos bem claramente a favor de Jesus Cristo e contra o mundo.
 Mas não desanimemos: triunfar plenamente do mundo, afrontá-lo, desprezá-lo, achar bom que por sua vez ele nos afronte e despreze, não é obra de um momento. Exerçamo-nos nas pequenas ocasiões que se apresentam: se Deus nos ama, jamais deixará de no-las proporcionar e pelas pequenas vitórias reparemo-nos aos grandes combates. Lembremo-nos, sendo preciso, das palavras de Jesus Cristo: Tende confiança, eu venci o mundo. Supliquemo-Lhe que nos ajude a vencer, ou antes, que Ele mesmo vença em nós o mundo e destrua em nossos corações o reino deste para aí estabelecer o Seu.

Uma Exegese Diferente - Santa Catarina de Sena

Belíssimo comentário de Santa Catarina sobre a parábola do Evangelho de São Mateus (Mt 25)

Carta 23

à sobrinha Nanna

Saudação e objetivo
Em nome de Jesus Cristo crucificado e da amável Maria, caríssima filha no doce Cristo Jesus, eu, Catarina, serva e escrava dos servos de Jesus Cristo, escrevo-te no seu precioso sangue, desejosa de ver-te verdadeira esposa de Cristo crucificado, a evitar tudo o que te impeça de ter Jesus como bondoso e sublime esposo.

Nosso coração é como uma lâmpada
Pois tal coisa não conseguiras, se não fores como aquelas virgens prudentes (Mt 25), consagradas a Cristo, que possuíam lâmpadas, óleo e luz. Presta atenção. Para ser esposa de Cristo, e preciso ter uma lâmpada, o óleo e a luz. Sabes, minha filha, o significado dessas coisas?
A lâmpada significa o coração, o qual tem a forma de uma lâmpada. Bem sabes que a lâmpada é larga no alto e estreita embaixo. Também nosso coração é assim, para indicar que devemos possuí-lo espaçoso, em cima, para os bons pensamentos, as santas imaginações e a oração contínua, retendo na memória, continuamente, os favores divinos, sobretudo os benefícios do sangue com que fomos remidos. Minha filha! O bondoso Jesus não nos resgatou a preço de ouro, prata, pérolas e demais pedras preciosas, mas com seu sangue. Tal favor nunca deve ser esquecido, sempre terá de estar diante do nosso olhar com santa e terna gratidão, pois e incomensurável o amor de Deus por nós. Deus Pai não recusou entregar seu Filho único a uma cruel morte na cruz para nos dar a vida da graça.
Eu disse que a lâmpada é estreita embaixo. Também nosso coração deve sê-lo em relação às realidades terrenas. O coração não pode desejar tais bens desordenadamente, nem desejá-los ou procurá-los mais do que for do agrado divino. Vendo que Deus nos prove com amor, nada nos deixando faltar, o coração sempre lhe será grato. Agindo assim, nosso coração realmente será como uma lâmpada.

O óleo é a humildade
Recorda-te porém, minha filha, de que tudo isso não basta se faltar o óleo na lâmpada. Com a palavra "óleo" entende-se uma delicada e oculta virtude, a grande humildade. Pois a esposa de Cristo tem de ser humilde, mansa e paciente. Tão humilde quanto paciente, tão paciente quanto humilde. Mas nunca alcançaremos a humildade sem o autoconhecimento.
E necessário que reconheçamos a nossa miséria e fraqueza, convencidos de que por nós mesmos somos incapazes de praticar qualquer ato virtuoso e superar lutas internas e inquietações. Não somos capazes de afastar de nós as doenças corporais, as dores, as dificuldades íntimas. Se fossemos capazes, fa-lo-íamos imediatamente. De nós mesmos somos apenas vergonha, miséria, mau cheiro, fraqueza e pecado. Importa-nos ficar sempre embaixo, humildes.
Mas não é bom permanecer apenas em tal conhecimento de si. A pessoa cairia no desânimo e na perturbação, chegando até ao desespero. A isso procura levar-nos o demônio. E necessário conhecer também a presença de Deus em nós, refletindo que Ele nos fez à sua imagem e semelhança, nos recriou pela graça no sangue do Verbo, seu Filho unigênito, e a bondade divina age continuamente em nosso favor. Todavia, quem se reduzisse somente a esse conhecimento de Deus em si, cairia na presunção e na soberba.
Ocorre mesclar esses dois conhecimentos: não somente pensar em Deus, nem somente em nós. Assim fazendo, seremos humildes, pacientes, mansos. Possuiremos o óleo na lâmpada.

A luz é a fé
Devemos ter também a luz, a luz da fé. Mas os Santos dizem que a fé sem as obras é morta. Ocorre, pois, agir sempre virtuosamente, abandonar a infantilidade das vaidades, não viver como jovem fútil, mas como esposa fiel, consagrada a Cristo crucificado. Desse modo, teremos a lâmpada, o óleo e a luz.

Deus é ciumento de suas esposas
Diz o Evangelho (Mt 25,2) que as virgens prudentes eram cinco. Pois bem, afirmo-te que cada um de nós há de "ser cinco", sob pena de ficar excluído das núpcias eternas. A palavra "cinco" significa nossa obrigação de dominar e mortificar os cinco sentidos corporais, jamais ofendendo a Deus com eles, na procura de afeições ou prazeres desordenados com todos ou alguns deles. Seremos "cinco" dominando os cinco sentidos do corpo.
Mas recorda-te: o esposo Jesus Cristo é ciumento de suas esposas; eu nem saberia dizer-te quanto! Se ele nota que tu amas outras pessoas mais que a Ele, ficará indignado contigo. E se não mudares (teu comportamento), para ti não será aberta a porta do lugar onde o Cordeiro imaculado celebra as núpcias com todas as suas esposas. Quais adúlteras, seremos rechaçadas a semelhança daquelas cinco virgens imprudentes. Elas se gloriavam única e tolamente da sua integridade e virgindade corporal; por isso perderam a virgindade da alma, pela corrupção dos cinco sentidos do corpo. Faltava-lhes o óleo da humildade e suas lâmpadas se apagavam. Então foi-lhes dito: "Ide comprar o óleo" (Mt 25,9). Nessa passagem o "óleo" indica os atrativos e engodos mundanos, vendidos pelos aduladores e lisonjeadores do mundo. Como se o esposo dissesse: "Não quisestes comprar a vida eterna pela virgindade e boas obras; preferistes os galanteios humanos e por eles vivestes. Ide comprá-los. Aqui não entrareis".

Catarina aconselha a vida consagrada
Minha filha, toma cuidado com os elogios dos homens. Nunca procures ser elogiada por alguma boa ação que praticares. Aporta da eternidade não te seria aberta. E porque eu considero ótima aquela estrada (da vida consagrada), disse antes que desejava ver-te fiel esposa de Cristo crucificado. Peço e suplico que te esforces para o ser.

Conclusão
Nada mais acrescento. Permanecei no santo e doce amor de Deus. Jesus doce, Jesus amor!

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As Cartas, Santa Catarina de Sena - Tradução Frei João Alves Basílio, O.P. Editora Paulus




Lembre-se de citar a fonte.

Das Adversidades

Retirado do livro
Pe. de La Colombière
Excertos
 Livro de 1934 - 54 págs
(Em breve este livro estará no Alexandria Católica)

Para conhecer a vida de São Cláudio de La Colombière CLIQUE AQUI


Das Adversidades
(De como são úteis aos justos e necessárias aos pecadores)

Vede essa terna mãe que por mil carícias trata de acalmar os gritos do filho, que o rega com suas lágrimas, enquanto lhe aplicam o ferro e o fogo; desde que aquela dolorosa operação se faz a seus olhos e por sua ordem, quem pode duvidar de que aquele remédio violento não deva ser extremamente útil àquela criança, e que ela não deva encontrar nele uma saúde perfeita, ou ao menos o alívio duma dor mais viva e mais longa?

Livro Online - São Cláudio de La Colombière

O Servo Fiel e Amigo Perfeito
Pe. Pedro Américo Maia, SJ
Livro de 1992  - 33 págs
(No Almas Devotas, somente leitura online)




Neste blog não é possível fazer o download do livro

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Fonte: Google Books