Trechos do Livro
Como evitar o Purgatório
Pe. Francisco Xavier Schouppe, S.J.
Edição de 1973
Na primeira parte o
Pe. Schouppe mostrou a importância de lembrarmo-nos do purgatório; nesta parte
II, discorre ele sobre o duplo sentimento que nos suscita aquele lugar: a
justiça que pune e a misericórdia que perdoa.
O Purgatório
ocupa um importante papel em nossa santa Religião; forma uma das principais
partes da obra de Jesus Cristo, e tem uma função essencial na economia da
salvação das almas.
Lembremo-nos de que a Santa Igreja de
Deus, considerada como um todo, está composta de três segmentos: a Igreja
Militante (na Terra), a Igreja Triunfante (no Céu) e a Igreja Padecente (no
Purgatório). Essa tríplice Igreja constitui o Corpo Místico de Jesus Cristo, e
as almas do Purgatório não são menos seus membros do que os fiéis na Terra e os
eleitos no Céu. No Evangelho, a Igreja é ordinariamente chamada Reino do Céu; o
Purgatório, tanto quanto as Igrejas celestial e terrena, é uma província desse
vasto reino.
As três Igrejas irmãs mantêm
incessantes relações entre si, uma contínua comunicação a que chamamos de
Comunhão dos Santos. Essas relações não têm outro objetivo senão conduzir almas
para a eterna glória, o termo final para o qual todos os eleitos tendem. [...]
Preces pelos falecidos, sacrifícios e
sufrágios pelos mortos formam uma parte do culto cristão, e a devoção pelas
almas do Purgatório é uma devoção que o Espírito Santo infunde com a caridade
nos corações dos fiéis. É um pensamento santo e salutar fazer
um sacrifício expiatório pelos mortos, para que eles sejam livres de suas
faltas, diz a Sagrada Escritura.(1)
Temor e confiança
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Para ser perfeita, a devoção às almas
do Purgatório deve ser animada por um espírito tanto de temor quanto de
confiança. De um lado, a santidade de Deus e sua justiça inspira-nos um salutar
temor. De outro, sua infinita misericórdia dá-nos uma confiança sem limites.
[...]
A justiça de Deus é terrível, e pune
com extremo rigor até as faltas mais triviais. Isso porque essas faltas, leves
a nossos olhos, não o são de nenhum modo aos de Deus. O menor pecado desagrada
a Deus infinitamente. Em relação à infinita santidade que é ofendida, a mais
ligeira transgressão toma proporções enormes e pede enorme reparação. Isso
explica a terrível severidade das penas da outra vida, e deveria penetrar-nos
de um santo temor.
O temor do Purgatório é um temor
salutar; seu efeito é não só nos inclinar a uma caridosa compaixão para com as
pobres almas sofredoras [do Purgatório], mas também ter um zelo vigilante por
nosso próprio interesse espiritual. Pensa no fogo do Purgatório, e
empenhar-te-ás em evitar as mais leves faltas; pensa no fogo do Purgatório e
farás penitência de modo a satisfazer a divina justiça neste mundo, em vez de
reparares [teus pecados] no outro.
Guardemo-nos, entretanto, do temor
excessivo, e não percamos a confiança. [...]
Caso estejamos animados desse duplo sentimento,
se nossa confiança na misericórdia de Deus é igual ao temor que sua justiça nos
inspira, teremos o verdadeiro espírito de devoção às almas do purgatório.
Esse duplo sentimento surge
naturalmente do dogma do Purgatório retamente entendido — um dogma que contém o
duplo mistério da justiça e da misericórdia: da justiça que pune, da
misericórdia que perdoa.
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1. II Mac. 12,
46.