Modo curto e fácil de fazer oração com
fé e
da simples presença de Deus
I) é preciso habituar a alma a alimentar-se
com um olhar simples e amoroso dirigido a Deus e Jesus Cristo, Nosso Senhor; e
para conseguir isto é mister separá-la aos poucos do raciocínio, do discurso e
da multidão de afetos, afim de conservá-la na simplicidade, no respeito e na
atenção e aproximá-la cada vez mais de Deus, seu único soberano bem, seu
primeiro principio e derradeiro fim.
II) A
perfeição desta vida consiste na união com o nosso soberano bem, e quanto maior
a simplicidade, mais perfeita a união.
Eis
por que a graça solicita interiormente os que desejam ser perfeitos a
simplificarem-se, para finalmente se tornarem capazes de gozar do que só é necessário,
isto é, da unidade eterna.
Digamos,
portanto, muitas vezes, do fundo do coração: O unum necessarium, unum volo, unum quaero, unum desidero, unum mihi
est necessarium Deus meus et omnia. Ó único necessário! Só a vós desejo,
procuro e quero! Sois aquilo de que unicamente necessito, ó meu Deus e meu
tudo!
III) A
meditação é útil quando oportuna, e de grande proveito no começo da vida
espiritual; mas a alma não deve deter-se nela, porque a sua fidelidade em
mortificar-se e recolher-se ordinariamente lhe proporciona oração mais pura e
mais íntima que podemos chamar de simplicidade, consistindo em simples
contemplação, num olhar ou em atenção amorosa para qualquer objeto divino, seja
Deus em si mesmo, seja alguma das suas perfeições; seja Jesus Cristo ou algum
dos seus mistérios, ou outras verdades cristãs. A alma, deixando o raciocínio,
permanece em suave contemplação que a conserva quieta, atenta e susceptível às
operações e impressões divinas, comunicadas pelo Espírito Santo. Faz pouco e
recebe muito, o seu trabalho é suave, e contudo mais frutuoso, e como se
aproxima de mais perto da fonte de toda luz, de toda graça e virtude, recebe-a também
mais largamente.
IV) A prática dessa oração deve começar desde o
despertar, mediante um ato da presença de Deus, que está em toda parte, e de
Jesus Cristo, cujo olhar, embora estivéssemos abismados no centro da terra,
nunca nos deixa. Esse ato é feito ou de modo sensível e ordinário, como quem
diz interiormente: Creio que Deus está presente, ou, de maneira mais pura e
espiritual, por uma simples lembrança da fé na presença de Deus.
V) Em
seguida não devemos multiplicar outros atos e disposições diversas, mas
continuar simplesmente atentos à presença de Deus, expostos ao seu olhar
divino, permanecendo nessa atenção ou exposição devota, enquanto Nosso Senhor no-la
concede, sem querermos fazer outra coisa senão o que nos é dado, visto ser
semelhante oração uma oração com Deus só, e uma união contendo em iminência
todas as outras disposições particulares, dispondo a alma à passividade, isto
é, Deus torna-se o único mestre do seu interior e opera mais particularmente do
que de costume. Quanto menos a criatura trabalha, tanto mais fortemente Deus opera.
E visto ser a operação de Deus um repouso, a alma nesse estado torna-se de
algum modo semelhante a Ele, e recebe também efeitos maravilhosos; como os
raios do sol fazem crescer, florescer e frutificar as plantas, assim a alma que está atenta e exposta na tranquilidade aos
raios do sol divino de justiça recebe melhor as influências divinas, que a
enriquece com toda sorte de virtudes.
VI) A
continuação da atenção na fé servir-lhe-á de oferta de si mesma e de todos os seus
atos, de direção, intenção, etc.
VII) A
alma imaginará perder muito com a emissão
de todos esses atos, a experiência, porém, far-lhe-á conhecer que, pelo contrário,
muito há de ganhar; porque quanto melhor conhecer Deus, mais puro será o seu
amor mais retas as suas intenções, mais forte a sua aversão ao pecado, mais
constantes o seu recolhimento, a sua mortificação e humildade.
VIII) Tudo isso não impedirá que produza alguns atos
de virtudes, interiores ou exteriores, quando impelida pela atuação da graça;
mas o seu estado ordinário deverá ser a referida atenção amorosa de fé ou a
união com Deus, que a deixa nas mãos Deste, inteiramente abandonada e entregue
ao amor divino para que Deus possa fazer dela o que quiser.
IX) Chegada
a hora da oração, comecemo-la com grande respeito, com a simples lembrança de
Deus, invocando o seu espírito e unindo-nos intimamente a Jesus Cristo;
continuamo-la da mesma forma, assim como as orações vocais, o canto do coro; a
Santa Missa, dita ou ouvida, e até o exame de consciência, pois essa mesma luz
da fé que nos mantém atentos a Deus, faz-nos descobrir as nossas mínimas
imperfeições e delas conceber grande desgosto e arrependimento. As refeições
serão tomadas no mesmo espírito de simplicidade, o qual nos conservará mais atentos
a Deus do que ao alimento e nos deixará a liberdade de ouvirmos melhor a
leitura que durante elas se fizer. Essa pratica só nos adstringe a conservarmos
a alma livre de todas as imperfeições, unidos só a Deus e muito intimamente, no
que consiste todo o nosso bem.
X) Recreemo-nos
na mesma disposição para dar ao corpo e ao espírito algum alívio, sem nos distrairmos
com bisbilhotices, notícias inconvenientes, risos imoderados, palavras
indiscretas, etc., conservemo-nos puros e livres interiormente, sem
incomodarmos os outros, unindo-nos a Deus com frequência por pensamentos
simples e amorosos, recordando a sua presença e que Ele não quer que nos
separemos Dele e de sua santa vontade em tempo algum. A regra mais elementar
desse estado de simplicidade, a disposição soberana da alma é querer fazer a
vontade de Deus em todas as coisas. Ver em tudo Deus e servir-se de tudo para
ir a Deus, é o que sustenta e fortalece a alma em toda sorte de acontecimentos
e ocupações, o que nos mantém na posse da simplicidade. Seguir sempre a vontade
de Deus, a exemplo de Jesus Cristo, unidos a Ele como nosso chefe, é meio excelente
para desenvolver esse modo de oração, para tender mediante ela á mais solida
virtude e á mais perfeita santidade.
XI) Devemos proceder igualmente no mesmo espírito
e conservar-nos na simples e intima união com Deus, a respeito de todas as
nossas ações e em todas as ocasiões: no parlatório, na cela, no refeitório, no
recreio.
Acresce
que em todas as nossas conversas devemos edificar o próximo, aproveitando todo
ensejo para nos exercitarmos á piedade, ao amor de Deus, á pratica das boas
obras, afim de sermos o bom odor de Jesus Cristo: Si algum falar, diz São
Pedro, sejam palavras de Deus, e como si o próprio Deus falasse por ele. Basta
para esse fim nos entregarmos simplesmente ao seu espífrito: Ele nos ditará em
todas as oportunidades tudo quanto convier, sem afetação. Finalmente,
terminaremos o dia com essa santa presença, o exame, a oração da noite, o
deitarmo-nos, adormecendo com essa amorosa atenção, entrecortando o repouso com
algumas palavras fervorosas e cheias de unção, si acordarmos durante a noite, à
semelhança de setas e dardos do coração para Deus, por exemplo: Meu Deus, sede
tudo para mim; só Vos quero para o tempo e para a eternidade; Senhor, quem é semelhante
a Vós? Meu Senhor e meu Deus, meu Deus e meu tudo!
XII) Devemos notar que a verdadeira simplicidade
faz a alma viver em renúncia continua e perfeito desapego, pois leva-nos para
Deus com retidão perfeita e sem nos deter em criatura alguma. Mas não se obtém
a graça da simplicidade pela especulação, mas sim por uma grande pureza de
coração, pela verdadeira mortificação e pelo desprezo de si mesmo. Quem foge do
sofrimento, da humilhação e da morte ao seu eu, aí nunca há de a encontrar; por
esse motivo também tão raros são os que progridem nesse caminho, pois quase ninguém
quer abnegar-se, do que resultam perdas imensas e privação de bens incompreensíveis.
Ah! felizes as almas fiéis que nada poupam assim de serem inteiramente de Deus!
felizes as pessoas religiosas, fiéis à pratica das observâncias de seu
instituto! Essa fidelidade causa-lhes renúncia constante de si mesmas, do seu julgamento
e da sua vontade, das suas inclinações e repugnâncias naturais, e as dispõe de
modo admirável, porém desconhecido, a essa excelente espécie de oração; de
facto, nada de mais oculto do que o religioso ou a religiosa, fiel a todas as observâncias
e exercidos comuns da religião, sem nada de extraordinário nessa vida, a qual
contém, no entanto, morte total e continua. Por esse caminho estabelece-se em
nós o reino de Deus, e tudo o mais nos é dado liberalmente.
XIII) A leitura dos livros espirituais não eleve ser
negligenciada, mas é preciso ler com simplicidade e espírito de oração e não
para satisfazer a curiosidade. Chamamos ler dessa forma quando se nos imprimem
na alma as luzes e os sentimentos descobertos na leitura e adquirimos tal
impressão mais pelo pensamento de Deus do que por inspiração própria.
XIV) É preciso também nos munirmos de duas ou três máximas:
1º) Uma pessoa devota sem oração é um corpo sem alma. 2º) A oração não pode ser
sólida e verdadeira sem mortificação, recolhimento e humildade. 3º) A
perseverança e necessária para nunca nos apartarmos desse caminho nas dificuldades
que nele se encontram.
XV) Não
devemos olvidar que um dos maiores segredos da vida espiritual é sermos a esta
levados pelo Espírito Santo, não só mediante luzes, doçuras, consolações,
ternuras e facilidades, mas ainda por obscuridões, cegueiras, insensibilidades,
tristezas, angustias, pesares, revoltas das paixões e dos temperamentos; digo,
mais, que este caminho cruciante é necessário, é bom, o melhor, o mais seguro e
que nos faz chegar muito mais cedo á perfeição.
A
alma esclarecida estima altamente o procedimento de Deus em permitir que ela
seja exercitada pelas criaturas e acabrunhada por tentações e abandonos; compreende
perfeitamente serem favores e não desgraças, preferindo morrer nas cruzes sobre
o Calvário a viver nas doçuras do Tabor. A experiência dar-lhe-á a conhecer oportunamente
a verdade destas belas palavras: Et nox illuminatio mea in deliciis meis; et
mea nox obscurum non habet, sed omnia in luce clarescunt.
Após
a purificação da alma no purgatório dos sofrimentos, por onde é preciso passar,
virá a iluminação, o repouso, a alegria, pela intima união com Deus, que para ela
converterá o exilio neste mundo num pequeno paraíso. A melhor oração é aquela
na qual nós entregamos mais aos sentimentos e ás disposições incutidas por Deus
na alma, e na qual procuramos com mais simplicidade, humildade e fidelidade nos
conformar com a sua vontade e com os exemplos de Jesus Cristo. Grande Deus, Vós
que, por um conjunto de circunstâncias particularíssimas, desde toda a
eternidade preparastes a composição deste pequeno trabalho, não permitais que
certos espíritos dos quais uns se incluem entre os sábios, outros entre os
dados á vida espiritual, possam ser acusados, no Vosso terrível tribunal, de haverem
contribuído de qualquer modo para fechar-Vos a entrada de não sei quantos
corações, porque neles quereis entrar de um modo, cuja simplicidade os chorava
e por Uma porta que, embora aberta pelos santos, desde os primeiros séculos da
Egreja, não lhes era ainda bastante conhecida. Fazei antes que, tornando-nos
todos pequeninos como crianças, segundo ordena Jesus Cristo, possamos entrar
afinal por essa portinha, afim de poder em seguida mostrá-la aos outros com;
maior segurança e maior eficácia.
Assim seja.