Consideração para a véspera do mês
A oração tem sido sempre as delicias das almas
fervorosas. Estas delicias, querido leitor, o Sarado Coração vos convida hoje a saborear. Mais aparentes do que reais
são as dificuldades deste santo exercício. «Fazer oração mental ou meditação,
diz Monsenhor Dechamps, é pensar nas verdades da fé, para se excitar no amor
divino e na prática das virtudes, cuja graça será obtida pela oração. A
meditação chama-se oração mental, pois a oração ou suplica é a parte principal da
meditação. Assim, fazer oração mental é pensar nas verdades da fé, por exemplo, na morte, no juízo, no céu, no inferno, na eternidade, em Nosso Senhor Jesus Cristo,
Filho único de Deus, que desceu do céu, fez-se Homem por nosso amor no seio da bem-aventurada
Virgem Maria, padeceu e morreu na cruz para nos alcançar o perdão de nossos pecados.
Quando o cristão pensa numa das grandes verdades que a santa fé ensina, e pensa
para se excitar a evitar o pecado, imitar a Jesus Cristo e empregar para isto os meios que ele nos
deixou, principalmente a oração e os sacramentos, que são os canais da graça, então
faz a meditação ou oração mental.
Bem vedes que muitos cristãos que nunca ouviram
talvez pronunciar estas palavras, fazem
contudo a oração, visto como pensam algumas vezes nas verdades da salvação, por
exemplo, quando depois de ouvirem o sermão do domingo, pedem a Deus perdão dos
pecados, tomam a resolução de confessar-se e lhe rogam a graça de vida melhor.
Faz também oração mental aquele que se prepara para uma boa confissão, porque
então, depois de ter orado e reconhecido suas faltas, excita-se à contrição
pensando no inferno que mereceu, no céu e na graça de Deus que perdeu, em Jesus
Cristo a quem nossos pecados fizeram chorar, padecer e morrer. Ainda faz oração mental, quem, depois de ter lido n’algum bom
livro, para um pouco considerando um ponto que lhe diz respeito e mais o comove,
o depois ora a Deus, a Jesus, a Maria, aos santos anjos, ou aos santos padroeiros, a fim de conseguir uma graça que deseja, ou cumprir uma coisa que Deus exige dele. Em viagem e até no trabalho
pode uma pessoa fazer oração mental, pois
ainda então pode pensar nas verdades da salvação, e dirigir-se a Deus em súplicas.
Não se creia, pois, que este exercício, por difícil, seja raro. Não,quando se
toma a peito o negócio da salvação eterna, nele se pensa todos os dias com tão boa
vontade como os negociantes no seu comércio; e tão impossível é que nos saiamos
bem no negócio de nossa salvação, sem nele pensarmos e nos resolvermos a empregar
os meios necessários, como o é ao negociante prosperar, sem pensar nos meios de
adquirir fortuna. O mundo está cheio de pecados e o inferno de réprobos, afirma Santo
Afonso, por que não se medita nas verdades eternas.
Por tanto, alma cristã, nada mais fácil que fazer oração mental. Santo
Afonso torna sua prática extremamente simples, clara, fácil e não menos frutuosa;
graças ao método que ele
ensina, este exercício indispensável a quem quer santificar-se, é posto com
toda verdade ao alcance de todos: também seu desejo é que todos aprendam a
meditar. Eis aqui o método de fazer a oração mental segundo o santo doutor: «A
oração mental contem três partes: a preparação,
a meditação e a conclusão.
I. Na Preparação
fazem-se três atos:
1. Ato de Fé na presença de Deus.
Meu Deus, eu creio que estais aqui
presente e vos adoro.
2. Ato de humildade.
Eu deveria estar a esta hora no
inferno; Senhor, eu me arrependo de vos ter ofendido.
3. Ato de petição de luzes.
Eterno Pai, por amor de Jesus e Maria,
esclarecei-me nesta meditação, para que tire proveito dela.
Uma Ave Maria à Mãe de Deus, e um Gloria Patri a S. José, ao anjo custódio
e ao nosso santo protetor. Estes atos devem ser feitos com atenção, mas
brevemente; depois faz-se a meditação.
II. Para a Meditação sirvamo-nos sempre de um livro, ao menos no começo,
parando nas passagens que mais impressão nos fazem. S. Francisco de Sales diz
que devemos imitar as abelhas, que se demoram numa flor enquanto acham mel, e
voam depois para outra.
Cumpre, além disto, saber que os frutos da meditação são três: afetos,
súplicas e resoluções; nisto é que consiste o proveito da oração mental. Assim,
depois de haverdes meditado uma verdade eterna, e ter Deus falado a vosso coração, é mister que faleis a Deus:
1o. Pelos afetos,
isto é, pelos atos de fé, agradecimento, humildade, esperança; mas repeti de preferência
os atos de amor e contrição. Conforme Santo Tomás, todo ato de amor nos merece a graça de Deus e o paraíso. O mesmo se deve dizer do ato de
contrição. Eis aqui exemplos de atos de amor:
Meu Deus, eu vos amo sobre todas as
coisas. — Eu vos amo de todo o meu coração. — Quero fazer em tudo vossa
vontade. — Muito me regozijo por serdes infinitamente feliz.
Para o ato de
contrição basta dizer:
Bondade infinita, pesa-me de vos ter ofendido.
2o. É necessário também falar a Deus pelas súplicas, pedindo-lhe as luzes que havemos mister, a
humildade ou outra virtude, uma boa morte, a salvação eterna, mas
principalmente seu amor e a santa perseverança. E si nossa alma está em grande aridez, basta
repetirmos:
Meu Deus, socorrei-me. — Senhor, tende
compaixão de mim. — Meu Jesus, misericórdia! — Ainda que nada mais fizéssemos,
a oração seria excelente.
3o. E mister enfim falar a Deus pelas resoluções: antes de
terminar-se a oração, cumpre tomar alguma resolução particular, por exemplo, fugir
de tal ocasião, sofrer o que parece nos molestar em tal pessoa, corrigir-se de
tal defeito, etc.
III. Enfim a Conclusão compõe-se de três atos:
1o. Meu Deus, eu vos agradeço as luzes
que me destes.
2o. Proponho observar as resoluções que
tomei.
3o. Peço-vos, por amor de Jesus e Maria,
a graça de pô-las em prática.
Termina-se a oração por um Padre
Nosso e uma Ave Maria, para recomendar
a Deus as almas do purgatório, os prelados da Igreja, os pecadores, parentes e amigos.
S. Francisco de Sales aconselha notar algum pensamento
que mais impressão nos faz na oração, para o recordarmos de tempos a tempos durante
o dia. Útil é referir aqui o que Santo Afonso escreveu a seus religiosos numa
circular em data de 26 de Fevereiro 1771. «Recomendo-vos de preferência para meditação
os meus livros: A Preparação para a
morte, as Meditações sobre a Paixão, as Setas de fogo e as Meditações do
Advento até a Oitava da Epifania. Digo isto, não para exaltar meus pobres
escritos, mas, porque estas meditações estão entremeadas de pios afetos, e cheias, o que mais
importa, de santas súplicas, o que quase não se acha noutros
livros. Recomendo,
pois, que se leia sempre, na meditação, a segunda parte que consiste nos afetos e súplicas.»
«Além da oração, diz Santo Afonso, é utilíssimo
fazer também, cada dia, uma Leitura Espiritual por espaço de meia hora, ou ao
menos de um quarto de hora, em algum livro que trate da vida dos santos, ou das
virtudes cristãs.
Quantos há que foram convertidos e se tornaram grandes santos, por terem lido
um livro de piedade! Aí estão S. João Colombini, Santo Inácio de Loyola, e
muitos outros.»
[...]
__________
* indulgência parcial
Trecho do livro: O Sagrado Coração de Jesus segundo Santo Afonso de Ligório ou Meditações para o Mês do Sagrado Coração, A Hora Santa e a Primeira Sexta-Feira do Mês coligidas das Obras do Santo Doutor pelo Pe. Saint-Omer, Redentorista