Santo Afonso Maria de Ligório
Desde o Domingo da Páscoa até a
Undécima Semana depois de
Pentecostes inclusive
Edição 1921, p. 1-3
Haec dies quam fecit Dominus: exultemus et laetemur in ea — “Este é o dia que fez o
Senhor; regozijemo-nos e alegremo-nos nele” (Ps. 117, 24).
Sumário. Façamos um ato de fé viva na ressurreição de Jesus Cristo;
cheguemo-nos a Ele em espírito para Lhe beijar as chagas glorificadas, e
regozijemo-nos com Ele por ter saído do sepulcro vencedor da morte e
do inferno. Lembrando-nos em seguida que a ressurreição de Jesus é o penhor e a
norma da nossa, avivemos nossa esperança, e ganhemos ânimo para suportar com
paciência as tribulações da vida presente. Lembremo-nos, porém, que para
ressuscitarmos gloriosamente com Jesus Cristo devemos primeiro morrer com Ele a
todos os afetos terrestres.
I. O grande
mistério que em todo o tempo pascal, e especialmente no dia de hoje, deve
ocupar as almas amantes de Deus, e enchê-las de dulcíssima esperança, é a
felicidade de Jesus ressuscitado. Já meditamos que Jesus, no tempo de sua
Paixão, perdeu inteiramente as quatro espécies de bens que o homem pode possuir
na terra. Perdeu os vestidos até a extrema nudez; perdeu a reputação pelos
desprezos mais abomináveis; perdeu a florescente saúde pelos maus tratos;
perdeu finalmente a vida preciosíssima pela morte mais horrível que se pode
imaginar. Agora porém, saindo vivo do fundo do sepulcro, recebe com lucro
abundantíssimo tudo quanto perdeu.
O que era pobre, ei-Lo feito riquíssimo e
Senhor de toda a terra. O que a si próprio se chamava verme e opróbrio dos
homens, ei-Lo coroado de glória, assentado à direita do Pai. O que pouco antes
era o Homem das dores e provado nos sofrimentos, ei-Lo dotado de nova força e
de uma vida imortal e impassível. Finalmente o que tinha sido morto do modo
mais horrível, ei-Lo ressuscitado pela sua própria virtude, dotado de sutileza,
de agilidade, de clareza, feito as primícias de todos os que dormem com a
esperança de ressuscitarem também um dia à imitação de Cristo: Christus
resurrexit a mortuis, primitiae dormientium (1)
Detenhamos-nos aqui para tributar a nosso
Chefe divino as devidas homenagens. Façamos um ato de fé viva na sua
ressurreição, e cheguemo-nos a Ele para beijarmos em espírito os sinais de suas
cinco chagas glorificadas. Alegremo-nos com Ele, por ter saído do sepulcro,
vencedor da morte e do inferno, e digamos com todos os santos: “O Cordeiro que
foi imolado por nós, é digno de receber o poder, a divindade, a sabedoria, a
fortaleza, a honra, a glória e a bênção.” (2)
II.
Regozijemo-nos com Jesus Cristo; mas regozijemo-nos também por nós mesmos,
porquanto a sua ressurreição é o penhor e a norma da nossa, se ao menos, como
diz São Paulo, morrermos primeiro interiormente ao afeto das coisas terrestres:
Si commortui sumus, et convivemus (3) — “Se morrermos com Ele, com Ele também
viveremos”. Ó doce esperança! “Virá a hora em que os mortos ouvirão a voz do
Filho de Deus” (4); e então pelo poder divino retomaremos o mesmo corpo que
agora temos, mas formoso e resplandecente como o sol. Nós também
ressuscitaremos!
A esperança da futura ressurreição é o que
consolava o santo Jó no tempo de sua provação. “Eu sei”, disse ele, e nós,
digamos o mesmo no meio das cruzes e tribulações da vida presente: “eu sei que
o meu Redentor vive, e que no derradeiro dia surgirei da terra; e serei
novamente revestido de minha pele, e na minha própria carne verei a meu Deus...
esta minha esperança está depositada no meu peito.” (5)
Meu amabilíssimo Jesus, graças Vos dou que
pela vossa morte adquiristes para mim o direito à posse de tão grande bem, e
hoje pela vossa ressurreição avivais a minha esperança. Sim, espero ressurgir
no último dia, glorioso como Vós, não tanto por meu próprio interesse, como
para estar para sempre unido convosco, e louvar-Vos e amar-Vos eternamente. É
verdade que pelo passado Vos ofendi com os meus pecados; mas agora arrependo-me
de todo o coração e pela vossa ressurreição peço-Vos que me livrais do perigo
de recair na vossa desgraça: Per sanctam resurrectionem tuam, libera me, Domine
— “Pela vossa santa ressurreição, livrai-me, Senhor”.
“E Vós, Eterno Pai, que no dia presente nos
abristes a entrada da eternidade bem-aventurada, pelo triunfo que vosso
Unigênito alcançou sobre a morte: aumentai com o Vosso auxílio os desejos que a
vossa inspiração nos instila” (6). Fazei-o pelo amor do mesmo Jesus Cristo e de
Maria Santíssima.
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1. 1 Cor. 15, 20.
2. Ap 5,12.
3. 2 Tim. 2, 11.
4. Io. 5, 28.
5. Iob 19,
25.
6. Or.festi curr.