O Dogma do Purgatório - Parte I

Trechos do Livro
Como evitar o Purgatório
Pe. Francisco Xavier Schouppe, S.J.
Edição de 1973



O Pe. Francisco Xavier Schouppe S.J., missionário jesuíta que viveu em fins do século XIX e início do XX, foi um profícuo autor de obras de caráter teológico e exegético bíblico. Deixou vários livros populares, dentre os quais destaca-se um sobre o Purgatório, do qual extraímos os textos abaixo. Das obras que escreveu, esta é a mais conhecida e recomendada.


O Dogma do Purgatório é muito esquecido pela maioria dos fiéis; a Igreja Padecente — onde há tantos irmãos para socorrer, e para onde sabem que um dia devem ir —, parece-lhes terra estranha.
Esse verdadeiramente deplorável esquecimento constituía um grande sofrimento para São Francisco de Sales: “Hélas”, disse esse pio Doutor da Igreja, “nós não nos lembramos suficientemente de nossos caros falecidos; sua memória parece esvanecer-se com o som fúnebre dos sinos”.
As principais causas disso são ignorância e falta de fé; nossas noções sobre o Purgatório são muito vagas, nossa fé é muito fraca.
Então, para que nossas idéias se tornem mais precisas e nossa fé vivificada, devemos olhar mais de perto essa vida além túmulo, esse estado intermediário das almas justas ainda não dignas de entrar na Celeste Jerusalém.

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O Purgatório ocupa um importante lugar em nossa santa Religião: forma uma das principais partes da obra de Jesus Cristo, e representa um papel essencial na economia da salvação do homem.
Lembremo-nos de que a Santa Igreja de Deus, considerada como um todo, é composta de três partes: a Igreja Militante [nesta Terra], a Igreja Triunfante [no Céu] e a Igreja Padecente ou Purgatório. Essa tríplice Igreja constitui o Corpo Místico de Jesus Cristo, e as almas do Purgatório não são menos seus membros que os fiéis na Terra e os eleitos no Céu. .... Essas três igrejas-irmãs mantêm incessantes relações entre si e uma contínua comunicação, que denominamos a Comunhão dos Santos.

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Rezar pelos falecidos, fazer sacrifícios e sufrágios por eles, forma parte do culto cristão, e a devoção pelas almas do Purgatório é a que o Espírito Santo infunde com caridade nos corações dos fiéis. “Santo e salutar pensamento é rezar pelos mortos”, diz a Sagrada Escritura, “para que sejam purificados de seus pecados” (II Mac. 12, 46).
A Justiça de Deus é terrível, e pune com extremo rigor mesmo as faltas mais triviais. A razão é que tais faltas, leves a nossos olhos, não o são diante de Deus. O menor pecado desagrada-O infinitamente, e, por causa da infinita Santidade que é ofendida, a menor transgressão assume enorme proporção e exige enorme expiação. Isso explica a terrível severidade das penas da outra vida, e deveria nos penetrar de santo temor.

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Fonte do texto: Revista Catolicismo

O Purgatório - Parte II

Trechos do Livro
Como evitar o Purgatório
Pe. Francisco Xavier Schouppe, S.J.
Edição de 1973


Na primeira parte o Pe. Schouppe mostrou a importância de lembrarmo-nos do purgatório; nesta parte II, discorre ele sobre o duplo sentimento que nos suscita aquele lugar: a justiça que pune e a misericórdia que perdoa.
O Purgatório ocupa um importante papel em nossa santa Religião; forma uma das principais partes da obra de Jesus Cristo, e tem uma função essencial na economia da salvação das almas.

Lembremo-nos de que a Santa Igreja de Deus, considerada como um todo, está composta de três segmentos: a Igreja Militante (na Terra), a Igreja Triunfante (no Céu) e a Igreja Padecente (no Purgatório). Essa tríplice Igreja constitui o Corpo Místico de Jesus Cristo, e as almas do Purgatório não são menos seus membros do que os fiéis na Terra e os eleitos no Céu. No Evangelho, a Igreja é ordinariamente chamada Reino do Céu; o Purgatório, tanto quanto as Igrejas celestial e terrena, é uma província desse vasto reino.
As três Igrejas irmãs mantêm incessantes relações entre si, uma contínua comunicação a que chamamos de Comunhão dos Santos. Essas relações não têm outro objetivo senão conduzir almas para a eterna glória, o termo final para o qual todos os eleitos tendem. [...]
Preces pelos falecidos, sacrifícios e sufrágios pelos mortos formam uma parte do culto cristão, e a devoção pelas almas do Purgatório é uma devoção que o Espírito Santo infunde com a caridade nos corações dos fiéis. É um pensamento santo e salutar fazer um sacrifício expiatório pelos mortos, para que eles sejam livres de suas faltas, diz a Sagrada Escritura.(1)
Temor e confiança
Para ser perfeita, a devoção às almas do Purgatório deve ser animada por um espírito tanto de temor quanto de confiança. De um lado, a santidade de Deus e sua justiça inspira-nos um salutar temor. De outro, sua infinita misericórdia dá-nos uma confiança sem limites. [...]
A justiça de Deus é terrível, e pune com extremo rigor até as faltas mais triviais. Isso porque essas faltas, leves a nossos olhos, não o são de nenhum modo aos de Deus. O menor pecado desagrada a Deus infinitamente. Em relação à infinita santidade que é ofendida, a mais ligeira transgressão toma proporções enormes e pede enorme reparação. Isso explica a terrível severidade das penas da outra vida, e deveria penetrar-nos de um santo temor.
O temor do Purgatório é um temor salutar; seu efeito é não só nos inclinar a uma caridosa compaixão para com as pobres almas sofredoras [do Purgatório], mas também ter um zelo vigilante por nosso próprio interesse espiritual. Pensa no fogo do Purgatório, e empenhar-te-ás em evitar as mais leves faltas; pensa no fogo do Purgatório e farás penitência de modo a satisfazer a divina justiça neste mundo, em vez de reparares [teus pecados] no outro.
Guardemo-nos, entretanto, do temor excessivo, e não percamos a confiança. [...]
Caso estejamos animados desse duplo sentimento, se nossa confiança na misericórdia de Deus é igual ao temor que sua justiça nos inspira, teremos o verdadeiro espírito de devoção às almas do purgatório.
Esse duplo sentimento surge naturalmente do dogma do Purgatório retamente entendido — um dogma que contém o duplo mistério da justiça e da misericórdia: da justiça que pune, da misericórdia que perdoa.

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1. II Mac. 12, 46.

Fonte do texto: Revista Catolicismo

O Purgatório - Parte III

Trechos do Livro
Como evitar o Purgatório
Pe. Francisco Xavier Schouppe, S.J.
Edição de 1973



Na parte II desta série, o Pe. Schouppe tratou do Purgatório enquanto reflexo da justiça e da misericórdia de Deus. Nesta parte ele fala da sua localização e de dois tipos de padecimentos.

No Purgatório as almas estão confirmadas em graça, marcadas com o selo dos eleitos, e, desse modo, isentas de todo vício. [...] A opinião mais comum, que está mais de acordo com a linguagem da Escritura e é geralmente mais aceita entre os teólogos, coloca o Purgatório nas entranhas da Terra, não longe do Inferno dos réprobos. [...] Lá não reina horror, desordem, desespero nem trevas eternas. A esperança divina difunde sua luz, e esse lugar de purificação é chamado também “estadia da esperança”. [A venerável Cônega Matteotti] viu lá almas que sofriam cruelmente, mas anjos as visitavam e assistiam em seus sofrimentos. [...]
Há no Purgatório, como no Inferno, uma dupla pena: a da privação da visão de Deus (temporária) [...]. E a dos sentidos, ou sofrimento sensível. [...] Consiste no fogo e em outras espécies de sofrimento.
Com relação à severidade desses sofrimentos, uma vez que são infligidos pela infinita justiça, são eles proporcionados à natureza, gravidade e número dos pecados cometidos. Cada um recebe de acordo com suas obras, cada um tem que saldar os débitos de que se vê culpado diante de Deus. Esses débitos diferem enormemente em qualidade. [...] As almas sofrem vários tipos de sofrimentos, uma vez que há inumeráveis graus de expiação no Purgatório, e que alguns são incomparavelmente mais severos que outros. No entanto, falando em geral, os Doutores concordam em dizer que as dores do Purgatório são as mais dilacerantes. “O mesmo fogo, diz São Gregório, atormenta os réprobos e purifica os eleitos”. [...]
Inferno e Paraíso
Santo Tomás vai ainda além; ele afirma que a menor dor do Purgatório ultrapassa todos os sofrimentos desta vida, quaisquer que sejam. [...] Para provar essa doutrina, afirma-se que as almas do Purgatório sofrem a dor da perda da visão de Deus. Ora, essa dor ultrapassa os mais agudos sofrimentos. [...]Santa Catarina de Gênova, em seu tratado sobre o Purgatório, diz: “As almas sofrem um tormento tão extremo, que a língua não pode descrever, nem pode o entendimento ter dele a menor noção, se Deus não o torna conhecido por uma graça particular”. [...]
Entretanto as almas do Purgatório estão em contínua união com Deus e perfeitamente resignadas com sua vontade; ou melhor, sua vontade está tão transformada na de Deus, que elas não podem querer senão o que Deus quer. [...]
O Purgatório é uma espécie de Inferno no que diz respeito aos sofrimentos; é um Paraíso no que diz respeito ao deleite infundido nos corações pela caridade — caridade maior que a morte e mais poderosa que o Inferno.


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Fonte do texto: Revista Catolicismo

O Purgatório - Parte IV

Trechos do Livro
Como evitar o Purgatório
Pe. Francisco Xavier Schouppe, S.J.
Edição de 1973


Na parte III, vimos trechos do Pe. Schouppe a respeito da localização do Purgatório e de dois tipos de padecimentos. Prosseguimos reproduzindo o que o autor fala da duração e da razão das penas a serem purgadas.
A fé não nos fala sobre a duração precisa das dores do Purgatório. Sabemos em geral que elas são medidas pela Justiça Divina, e que cada uma delas é proporcionada ao número e à gravidade das faltas ainda não expiadas. Deus pode, no entanto, sem prejuízo de sua Justiça, abreviar esses sofrimentos aumentando sua intensidade; a Igreja Militante pode também obter sua remissão pelo Santo Sacrifício da Missa [principalmente pela chamada “Missa Gregoriana”, isto é, uma série ininterrupta de 30 Missas] e outros sufrágios oferecidos pelos falecidos.
De acordo com a comum opinião dos Doutores, as penas expiatórias são de longa duração. “Não há dúvida, diz São Roberto Bellarmino, de que as penas do Purgatório não são limitadas a dez ou vinte anos, e de que elas duram, em muitos casos, séculos”. [...]
Por que as almas devem sofrer antes de serem admitidas a ver a face de Deus? Qual é a matéria, qual o objeto dessas expiações? O que tem o fogo do Purgatório que purificar, que consumir? Dizem os Doutores que são as manchas deixadas pelos pecados.

Pagar os “débitos de sofrimento”

Mas, o que se entende por manchas? De acordo com a maioria dos teólogos, não é a culpa do pecado, mas a dor ou débito de dor vindo do pecado. Para entender bem isso, devemos nos lembrar de que o pecado produz um duplo efeito na alma, a que chamamos débito (reatus) de culpa e débito de sofrimento. O pecado torna a alma não somente culpada, mas merecedora da dor ou castigo. Ora, depois que a culpa é perdoada [pela confissão], geralmente acontece que a dor permanece para ser sofrida, inteiramente ou em parte, e isso tem que ser sofrido na presente vida ou na vida futura. [...]
O débito vem de todas as faltas cometidas durante a vida, especialmente de pecados mortais [perdoados] não expiados quanto à culpa, e que se negligenciou em expiar com frutos meritórios ou penitência exterior. [...]
Toda mancha de culpa desapareceu então, mas a dor permanece para ser sofrida em todo seu rigor e longa duração, pelo menos pelas almas que não são assistidas pelos vivos. Elas não podem obter o menor alívio por si próprias, porque o tempo do mérito passou; não podem merecer mais, não podem senão sofrer, e desse modo pagar à terrível justiça de Deus tudo o que devem, até o último ceitil.
Esses débitos de sofrimento são os remanescentes do pecado e uma espécie de mancha, que intercepta a visão de Deus e coloca um obstáculo na união da alma com seu fim último. Uma vez que as almas do Purgatório fiquem livres da culpa do pecado –– escreve Santa Catarina de Gênova –– não há outra barreira entre elas e sua união com Deus, salvo os remanescentes do pecado, dos quais têm que ser purificadas. [...]
Almas que se permitem ser ofuscadas pelas vaidades do mundo, mesmo que tenham a boa fortuna de escapar à danação, terão que sofrer terrível punição. [...]
Aqueles que tiveram o infortúnio de dar mau exemplo, ferir ou causar a perda das almas pelo escândalo, devem ter o empenho em reparar tudo neste mundo, se não querem ser sujeitos à mais terrível expiação no outro.
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Fonte do texto: Revista Catolicismo

O Purgatório - Parte V

Trechos do Livro
Como evitar o Purgatório
Pe. Francisco Xavier Schouppe, S.J.
Edição de 1973

Na edição anterior, o Pe. Schouppe discorreu sobre a duração e a razão das penas do Purgatório; nesta, reproduzimos o que ele escreveu sobre certo alívio que as almas padecentes podem receber.

A misericórdia de Deus é exercida, em relação ao Purgatório, de uma tríplice maneira: 1 – consolando as almas que nele estão; 2 – mitigando seus sofrimentos; 3 – dando-nos mil meios de evitar esse fogo punitivo. [...]
As almas do Purgatório também recebem grande consolação da Santíssima Virgem. Não é Ela a Consoladora dos Aflitos? E qual aflição pode ser comparada à das pobres almas do Purgatório? Não é Ela Mãe de Misericórdia? E não é com relação a essas santas almas padecentes que Ela mostra toda a misericórdia de seu coração? Não nos devemos, pois, espantar de que, nas Revelações de Santa Brígida, a Rainha do Céu atribua a si o nome de Mãe das Almas do Purgatório. “Eu sou – disse Ela à santa – a Mãe de todos aqueles que estão no lugar de expiação; minhas preces mitigam os castigos que lhes são infligidos por suas faltas”. [...]
Além do consolo que as almas recebem da Santíssima Virgem, elas são também assistidas e consoladas pelos santos Anjos, e especialmente por seus Anjos-da-Guarda. Os Doutores da Igreja ensinam que a missão tutelar dos Anjos-da-Guarda termina somente na entrada de seus protegidos no Paraíso. [...] O Anjo guardião conduz a alma ao seu lugar de expiação e lá permanece com ela para proporcionar-lhe toda a assistência e consolações em seu poder. [...]
Diminuição e mitigação da pena
Se Deus consola as almas com tanta bondade, sua misericórdia brilha ainda maisclaramente no poder que dá à sua Igreja de encurtar a duração de seus sofrimentos. Desejando executar com clemência a severa sentença de sua justiça, Ele concede diminuição e mitigação da pena. Mas faz isso de maneira indireta, através da intervenção dos vivos. A nós Ele concede todo o poder para socorrer nossos aflitos falecidos, por meio do sufrágio, isto é, através dos meios da impetração e da satisfação.
A palavra sufrágio, em linguagem eclesiástica, é sinônimo de prece; contudo, quando o Concílio de Trento declara que as almas do Purgatório são assistidas pelos sufrágios dos fiéis, o sentido da palavra é mais compreensível. Inclui, em geral, tudo o que se pode oferecer a Deus pelos falecidos. Podemos assim oferecer a Deus não somente nossas preces, mas também nossas boas obras, tanto quanto elas sejam impetratórias ou satisfatórias.
Para entender esses termos, lembremo-nos de que cada uma de nossas boas obras, feitas em estado de graça, ordinariamente possui um tríplice valor aos olhos de Deus:
A obra é meritória, quer dizer, aumenta nosso mérito; dá-nos direito a um novo grau de glória no Céu;
É impetratória (impetrar, obter), pois, como a prece, ela tem a virtude de nos obter algumas graças de Deus;
É satisfatória, tendo, por assim dizer, um valor pecuniário e podendo satisfazer à divina justiça e pagar nossas dívidas de punição temporal diante de Deus.
O mérito é inalienável, e permanece propriedade da pessoa que pratica a ação. Pelo contrário, os valores impetratórios ou satisfatórios podem beneficiar outros, em virtude da Comunhão dos Santos. [...] Quais são os sufrágios pelos quais, de acordo com a doutrina da Igreja, podemos ajudar as almas do Purgatório?
Respondemos: Consistem nas orações, esmolas, jejuns e penitências de qualquer gênero, indulgências, e sobretudo no santo Sacrifício da Missa. Nosso Senhor Jesus Cristo permite-nos oferecer à Divina Majestade todas as obras, feitas em estado de graça, para alívio de nossos falecidos no Purgatório, e Deus as aplica a essas almas, de acordo com sua Justiça e Misericórdia.
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Fonte do texto: Revista Catolicismo