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07/03 - Em honra a São José - excertos do livro

SÃO JOSÉ
Na Vida de Cristo e da Igreja
Pe. Maurício Meschler, S.J.
Edição de 1943



6.     FUGA PARA O EGITO

A paz, entretanto, não tardaria a ser perturbada. Na mesma noite, “um anjo do Senhor apareceu, em sonho, a José e lhe disse: Levanta-te; toma o menino e sua mãe, foge para o Egito, e fica lá até que eu te avise, porque Herodes vai procurar o menino para o matar” (Mt 2,13).
Cada palavra dessa mensagem pedia um sacrifício e criava uma dificuldade. Quantas idas e vindas para São José desde que o Salvador está com ele! O repouso nunca virá, pois! Fugir é sempre doloroso e difícil, mormente com uma mulher e um menino. Retirar-se para o Egito, para tão longe, para entre povos pagãos! E por quanto tempo? Quando se tratara de defender seu povo contra o Faraó ou contra Senaquerib, Deus realizara milagres e enviara anjos, ao passo que, nesta hora tão penosa, aparentemente nada empreendia a favor de seu Filho.
Que fará São José? O Evangelho no-lo diz:“Levantando-se, José tomou o menino e sua mãe durante a noite, e retirou-se para o Egito” (Mt 2,14). Nem uma só queixa! Nem uma só objeção! Nem um sinal de inquietação! Tal é São José, o homem da obediência, da confiança em Deus, o homem segundo o coração de Deus.
Calmamente, ele acordou Maria e o menino. Um olhar sobre Jesus adormecido diz- lhe o bastante. Se Deus, feito homem, se esse Deus tornado por nós uma débil criança já permite ser odiado e perseguido, se consente em fugir ante suas criaturas, se quer ser protegido por José, tudo isso não é mais do que suficiente para ele aceitar tudo, para se submeter sem reserva?
Em breve os preparativos estavam concluídos. O próprio José encarregou-se de uma parte das modestas bagagens. A humilde cavalgadura levou o resto. E enquanto os homens repousavam em paz em suas moradas, a Sagrada Família deixou Belém e dirigiu-se, ao sul, para a cidade de Hebron, sem descontentamento, sem precipitação, mas abandonando-se a Deus. É assim que um baixo relevo do século XIII (Notre-Dame de Paris) nos representa essa partida. São José conduz a cavalgadura pela brida. Seus olhares estão fitos em Maria e em Jesus. Fra Angélico mostra-no-lo caminhando atrás, carregado de algumas bagagens; seu olhar, cheio de confiança, dirige-se para a frente; ele só pensa em ir aonde Deus o chama.
Hebron, o sítio da sepultura de Abraão, Isaac e Jacó, ficava num vale fértil, a cerca de seis léguas para o sul. A estrada atravessa as montanhas de Judá, outrora arborizadas de robustos carvalhos. De Hebron a Bersabée, o trajeto comporta cinco horas de marcha. Depois, o viajor ruma para o mar através das planícies que o patriarca Abraão percorreu outrora com seus rebanhos. Pode-se admitir também que a Sagrada Família tenha escolhido a estrada direta que, passando por Eleuterópolis, conduz a Gaza e que exige cerca de dez horas. A partir de Gaza, o caminho a beira- mar. A verdura rareia cada vez mais, e então, no “Córrego do Egito”, começa uma estrada longa, deserta, triste, que leva em nove dias às margens do Nilo, através do pequeno deserto de Arábia com suas dunas de areia.
Como se vê, é uma viagem de cerca de cento e cinquenta léguas, a ser feita em trinta a quarenta dias. Aos israelitas errantes no deserto Deus havia dado milagrosamente a água e o maná. A Escritura não nos diz que semelhantes favores tenham sido concedidos à Sagrada Família. O certo é que os santos viajores tiveram de sofrer fadiga, o calor do dia, a frescura da noite, os mil incômodos de uma hospedagem tão sumária como a dos “khans”, aliás raríssimos, que encontravam ao longo do trajeto. Suportavam tudo com alegria. Tratava-se de salvar o Menino; e, afinal de contas, todos esses males passavam, como passam todas as coisas deste mundo, tanto os sofrimentos como as alegrias.
Alcançando o primeiro braço do Nilo, a terra do Egito abriu-se-lhes qual paraíso de beleza e fertilidade maravilhosas. Estavam na terra de Gosen, habitada outrora pelos israelitas. A Sagrada Família parece ter ido até Heliópolis, nas proximidades da atual cidade do Cairo.
Entrementes, no palácio de Davi, em vão aguardava Herodes a volta dos Magos. “Reconheceu que fora enganado pelos magos. Encheu-se de grande ira e mandou matar em Belém e nos arredores todos os meninos de dois anos para baixo... Cumpriu-se então a palavra do profeta Jeremias que diz: Em Roma se ouvem clamores, grande pranto e lamentações; Raquel chora seus filhos e não quer aceitar consolação, porque eles já não existem” (Mt 2, 16-18).
Decorrera um ano apenas desde que a Sagrada Família, atravessando o planalto de Refaim entre Belém e Jerusalém, chegara ao sítio onde, com a tristeza no coração, Jacó sepultara Raquel; ignorava ela que tão cedo se cumpririam as palavras proféticas e que naquelas paragens,tão cheias de paz, ecoariam gritos de dor justamente por causa do Menino que Maria trazia nos braços e por quem José velava com tanta solicitude. Escapou precisamente aquele que levou Herodes a ordenar a matança cruel dos santos Inocentes: estava no Egito, em segurança a guarda paternal de José.
A vida dos exules foi, como bem se pode imaginar, uma vida de trabalhos e de sofrimentos, mas também de alegrias. Dizem que São José se fixou em Babilônia, um subúrbio da moderna cidade do Cairo, talvez nalguma viela estreita, sombria, dominada por casas altas. Venera-se lá, ainda hoje, uma habitação que teria sido a da Sagrada Família. Outrora, José, filho de Jacó — figura do nosso santo patriarca — mandara no Egito: poderoso, honrado por todos, alimentara o povo de Deus abrindo-lhe os celeiros. Mas o Salvador quis ser pobre. Por isso, José e Maria também amavam a pobreza. À custa de numerosas privações, naquela terra estranha, eles sustentaram com o trabalho de suas mãos Aquele de quem toda criatura recebe o ser e a subsistência. José exercia o ofício de carpinteiro; Maria cosia e fiava.
Terá sido especialmente doloroso, para a Sagrada Família, o espetáculo da idolatria daquele povo, aliás tão gabado pela sua sabedoria, e que adorava tudo... crocodilos, cebolas, gatos! A própria terra — afora as margens mais ou menos imediatas do Nilo, onde é maravilhoso a fertilidade — de aspecto monótono como o deserto, em nada lembrava as graças tranquilas da encantadora Galileia.
Mas, como dissemos, não faltavam também certas alegrias. Para os israelitas fiéis, o Egito era uma terra sagrada, rica em recordações preciosas, lembrando-lhes Abraão, Jacó, José, Moisés e o povo de Deus que se formara e crescera à sombra das pirâmides. Sabia-o a Sagrada Família e aí hauria motivos de consolo e edificação. Ainda naquela época, numerosas famílias de judeus habitavam o Egito. Tinham mesmo um templo magnífico, elevado pelo sumo sacerdote Onias IV. José e Maria puderam entrar em relações com essas famílias. Seu principal consolo, porém, residia no seu espírito de fé, no seu abandono à vontade divina. O próprio Menino-Deus era-lhes a sua maior e mais doce alegria. Se o exílio se prolongou, então foi no Egito que Jesus aprendeu a dar os primeiros passinhos, balbuciou as primeiras palavras e, um dia, — que encanto! — chamou José pelo nome de “pai” e Maria pelo nome de “mãe”.
Via, assim, o Egito realizar-se a promessa feita pelo profeta e colhia as bênçãos anunciadas (Is 19,19). Talvez tenha sido a essa presença da Sagrada Família que o Egito deveu a posterior e maravilhosa expansão da fé cristã que, povoando o deserto de uma multidão de eremitas e religiosos, transformou aquela terra desolada num foco de vida mística.
Ignora-se quanto tempo a Sagrada Família permaneceu no Egito, se alguns meses ou alguns anos. As opiniões se dividem. Sempre é certo que o exílio findou com o reinado de Herodes. O tirano que fizera perecer tantas vítimas inocentes, morreu de uma doença horrorosa que o acometeu em Jericó. Seus filhos repartiram o reino entre si. Arquelau, o mais velho, tão cruel e dissoluto quanto o pai, teve em partilha a Judeia.
Então “um anjo do Senhor apareceu, em sonho, a José, no Egito, e lhe disse: Levanta- te; toma o menino e sua mãe e vai para a terra de Israel; porque morreram os que procuravam matar o menino” (Mt 2,19). José acolheu essa mensagem com serena e respeitosa alegria. Deu graças a Deus e, cheio de gratidão para com todos os que se haviam mostrado benevolentes para com ele, pôs-se em viagem com Jesus e Maria. Deixando as ruas sombrias e as abóbadas penumbrosas dos bazares da cidade egípcia, a Sagrada Família encaminhou-se para o mar e seguiu o rumo tomado ao vir de Belém. Que alegria ao avistar de novo as colinas e montanhas da Terra Santa!

José tencionava fixar-se em Belém. Mas o caráter sobejamente conhecido de Arquelau fê-lo hesitar. Receava a violência do príncipe. Nessa dúvida, “avisado em sonho, retirou-se para as regiões da Galileia. Estabeleceu-se em Nazaré” (Mt 2, 22). A Sagrada Família prosseguiu, pois, o seu caminho por Jopé, margeando o Carmelo e atravessando a planície de Esdrelon até às colinas e às montanhas que protegem Nazaré. Assim devia suceder “para que se cumprisse a palavra dos profetas: Ele será chamado Nazareno” (Mt 2,23), isto é, um “separado”, um “rebento”, uma “flor”. Destarte, floresceu em Nazaré a infância de Jesus, e José tinha a missão de velar por essa flor do céu.

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