XXV. ALMA PEREGRINA
E vemos uma
estrada comprida, sem fim, quase... O peregrino cansado, coberto de poeira,
apoiado ao seu bordão. Sacola ao lado, com pão e livros de sua fé. E caminha
sempre. Lá, ao longe, sobre a montanha, divisa, o santuário... Onde há paz,
frescor e harmonia. E ele se anima e caminha sempre avante. E vai fazendo o
bem. Reparte de seu farnel aos que têm fome. E serve de arrimo aos que não têm
bordão. E de olhos aos que são cegos. E canta e reza pelos que são mudos. E ama
pelos que não têm coração. E caminha, caminha sempre... Lá, em cima, o
santuário, onde a grande paz e o descanso...
Nada de fantasia.
Foi, exatamente, assim, a alma gloriosa de Maria em sua peregrinação terrestre.
Ela corporificou,
perfeitamente, a doutrina de Jesus Cristo e que S. Paulo soube tão bem repetir:
que nós, nesta terra, não temos morada permanente, mas que demandamos a futura,
e que, enquanto peregrinamos por cá, a nossa missão é ir distribuindo o bem a
todos os que encontramos no caminho. Como Jesus Cristo, que passou por este
mundo, fazendo o bem.
O divino Mestre
costumava dizer que não tinha onde reclinar a cabeça, apesar de as raposas
terem as suas tocas e as aves do céu, os seus ninhos. É esta a virtude
principal do verdadeiro peregrino: o desprezo das coisas que o cercam, o
desapego de tudo o que é terreno. Ele segue a sua rota, sem se prender a nada
do que vai encontrando; do contrário, não chegaria ao lugar de seu descanso.
Sempre avante! E se ele deve ser desapegado, deve ser também muito animoso e confiante,
para vencer as dificuldades, lembrando-se sempre do fim que o espera. Foi assim
a alma gloriosa de Maria: alma desapegada e alma animosa! Portanto, uma alma
verdadeira de peregrina. O seu grande desapego se vê na sua pobreza voluntária,
desde a vida no Templo até à morte, pobreza que é desapego dos bens materiais;
e se vê, também, na sua profunda humildade, que é desapego, desprezo, até, de
louvores e de honrarias. O seu ânimo e coragem, nós o vemos na sua atitude
resoluta de quem avança, ou melhor, de quem sobe, sobe sempre, vencendo todas
as dificuldades e todos os empecilhos. Não se prende a lugar algum, nem à paz
de sua habitação. Vai às montanhas de Hebron, vai a Belém e vai para o Egito.
Lá, então, na terra estrangeira, na terra pagã, ela era duplamente peregrina,
cheia de saudades das duas pátrias distantes...
E volta para
Nazaré, a cuja paz doméstica ela sempre renuncia, sem demora, quando era
preciso, para suas visitas de religião e de caridade.
E de Nazaré —
onde passara os anos mais felizes e tranquilos com Jesus e São José — vai para
Jerusalém — onde o trecho mais doloroso de sua peregrinação — e de Jerusalém
para Éfeso, percurso dos suspiros e das saudades, mas última passagem, antes de
chegar à Pátria, o grande Santuário de Deus, para onde ela peregrinara, sem
repouso, a vida inteira já... Agora sim,
era o descanso, o frescor do templo, a paz, as harmonias...
Quer o queiramos,
quer não, nós somos peregrinos. Mas seguimos o exemplo de Maria? E a rota,
traçada por Cristo, no seu Evangelho? Desapegados das coisas do mundo? Cheios
de ânimo e alegria para vencer as dificuldades? Ou nos arrastamos de má
vontade, presos a mil ninharias que nos rodeiam? Sejamos prudentes; façamos
como aquele escudeiro de S. Wenceslau da Boêmia. Sem o fervor do rei, sentia
muito as caminhadas longas e feitas sobre a neve em demanda de algum santuário.
Estava por desanimar e atirar-se, sem forças, sobre a estrada, quando o
Soberano, voltando-se para trás, disse: “Trata, amigo, de pisar justamente nas
minhas pegadas e não sentirás nem cansaço, nem frio!” O resultado foi
maravilhoso — Pisemos nós, também, exatamente, nas pegadas de Maria, e
chegaremos sem desfalecimentos, ao santuário do céu... Façamos como S.
Francisco de Assis, que tão bem pôs em prática esta doutrina da peregrinação...
Ó MARIA, Virgem
prudente e fiel, fazei que nos lembremos sempre de que somos peregrinos e de
que, desapegados de tudo e alegres e animosos, devemos demandar, continuamente,
a Pátria celeste. Assim seja!
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