NEWSLETTER POR EMAIL

Mostrando postagens com marcador Quaresma. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Quaresma. Mostrar todas as postagens

SERMÃO DO PRIMEIRO DOMINGO DA QUARESMA

Fontes Franciscanas
III
SANTO ANTÔNIO DE LISBOA
Volume I
Biografia e Sermões
Livro de 1998
Tradução: Frei Henrique Pinto Rema, OFM


Sermão do Primeiro Domingo da Quaresma


SUMÁRIO

Quarto Evangelho, na Quaresma: Jesus foi conduzido ao deserto
Divide-se num sermão alegórico e noutro moral.

1 – No sermão alegórico:
Em primeiro lugar trata-se do tríplice deserto. É um sermão para o Advento do Senhor: Enviai, Senhor, o cordeiro.
Um sermão sobre o ternário maldito: Joab tomou três lança.

2. No sermão moral:
Em primeiro lugar, um sermão aos claustrais: Foram dadas duas asas `a mulher; e sobre a natureza da águia e a propriedade do falcão.
Um sermão sobre o coração contrito: Com espírito impetuoso; e: O sacrifício digno de Deus.
Um sermão aos sacerdotes sobre o modo de se calar a respeito da confissão: A confissão deve ser inabitável; e: Guardai-vos de subir ao monte.
Um sermão sobre os sete vícios e propriedade do avestruz, do asno e do ouriço: Será um covil de dragões.
Um sermão aos confitentes, de que modo devem confessar os pecados e as circunstancias dos mesmos: Toma a cítara.
Um sermão sobre a confissão: Quão terrível é o lugar.
Um sermão sobre o jejum quaresmal: E tendo jejuado quarenta dias; e: Os exploradores enviados por Moisés.
Um sermão sobre as circunstancias do pecado que se devem confessar e depor: Josué tomou também Maceda.
Um sermão sobre o maldito ternário com que nos tenta o diabo: Revistamo-nos do homem novo.

Exórdio. Deserto de Engadi.

1. Jesus foi conduzido pelo Espírito ao deserto, para ser tentado pelo demônio, etc1.
 Diz-se no primeiro livro dos Reis2 que David habitou no deserto de Engadi. David interpreta-se forte de mão, e significa Jesus Cristo, que debelou as potestades aéreas3 com as mãos pregadas à cruz. Eis que admirável fortaleza: vencer o próprio inimigo com as mãos ligadas! Habitou no deserto de Engadi, que se interpreta olho da tentação4. Nota que o olho da tentação é triplo. O primeiro é o da gula, de que se escreve no Gênesis5: Viu a mulher que o fruto da árvore era bom para comer, formoso aos olhos e de aspecto agradável; e tirou do fruto dela, e comeu e deu a seu marido. O segundo é o da soberba e vanglória, de que diz Job6, falando do diabo: Vê tudo o que é elevado; ele é o rei de todos os filhos da soberba. O terceiro é o da avareza, do qual escreve Zacarias7: Este é o olho deles em toda a terra. Cristo, portanto, habitou no deserto de Engadi quarenta dias e quarenta noites, em que sofreu do diabo a tentação da gula, da vanglória e da avareza.

 2. Por isso, diz-se no Evangelho de hoje: Jesus foi conduzido ao deserto etc. Nota que é triplo o deserto, a qualquer dos quais foi conduzido Jesus. O primeiro é o ventre da Virgem8, o segundo o referido no presente Evangelho, o terceiro o patíbulo da cruz9. Ao primeiro foi conduzido só por misericórdia, ao segundo para nosso exemplo, ao terceiro por obediência ao Pai.
 Do primeiro diz Isaías10: Envia, Senhor, o cordeiro dominador da terra, mandado da pedra do deserto ao monte da filha de Sião. Ó Senhor Pai, envia um cordeiro, não um leão, um dominador, não um devastador; da pedra do deserto, isto é, da Santíssima Virgem, chamada pedra do deserto: pedra, por causa do firme propósito da virgindade donde a resposta dada ao anjo: Como se fará isto, pois eu não conheço varão? 11, ou seja, propus firmemente não o conhecer12; do deserto, porque não arável, pois permaneceu virgem antes do parto, no parto e depois do parto. Envia, digo, ao monte da filha de Sião, ou seja, à excelência da Igreja, a Jerusalém celeste13.
 Do segundo escreve S. Mateus14: Jesus foi conduzido ao deserto etc.
Do terceiro S. João Batista diz em S. João15: Eu sou a voz do que brada no deserto. S. João chama-se voz, porque assim como a voz precede a palavra, assim ele precedeu o Filho de Deus16. Eu sou a voz de Cristo17 a bradar no deserto, ou seja, no patíbulo da cruz: Pai, nas tuas mãos18 etc. Neste deserto esteve todo cercado de espinhos e destituído de todo o auxílio humano.
 A tríplice tentação de Adão e de Jesus Cristo.

3. Digamos, portanto: Jesus foi conduzido ao deserto pelo Espírito. Costuma perguntar-se por quem. S. Lucas19mostra clarissimamente por quem foi conduzido: Jesus, cheio do Espírito Santo, regressou do Jordão e era conduzido pelo Espírito ao deserto. Foi conduzido por aquilo de que estava cheio. A seu respeito disse ele mesmo em Isaías20: O Espírito do Senhor está sobre mim, por me ter ungido. Por aquele espírito como que foi ungido de preferência aos seus companheiros21, por ele mesmo foi conduzido ao deserto para ser tentado pelo diabo. Porque o Filho de Deus, o nosso Zorobabel, que e interpreta mestre de Babilônia22, viera restaurar o mundo desfigurado pelos pecados, e, como médico, sarar os doentes, convinha curasse os contrários com os contrários, tal como sucede à arte da medicina em que as coisas frias se curam com as quentes e as quentes com as frias23.
 O pecado de Adão foi a destruição e a enfermidade do gênero humano. Consiste ele em três coisas: Gula, vanglória e avareza24. Donde o verso: A vanglória, a gula e a concupiscência venceram o velho Adão25. Estes três vícios aparecem no Gênesis26: Disse a serpente à mulher: no dia em que dele comeres, abrir-se-ão os vossos olhos, eis a gula; sereis como deuses, eis a vanglória; conhecendo o bem e o mal, eis a avareza27. Estas foram aquelas três lanças com que Adão foi morto juntamente com seus filhos.
 Daí o dizer-se no segundo livro dos Reis28: Tomou, pois, Joab três lanças, e traspassou com elas o coração de Absalão. Joab interpreta-se inimigo e significa bem o diabo, inimigo do gênero humano29. Este tomou na mão da falsa promessa três lanças, isto é, a gula, a vanglória e a avareza, e traspassou com elas o coração30, no qual está a fonte do calor e a vida do homem. Dele, escreve Salomão31, procede a vida. O diabo traspassa-o, a fim de extinguir o calor do amor divino e tirar de todo a vida. Traspassou o coração de Absalão, que se interpreta paz do pai32. este foi Adão, posto de propósito em lugar de paz e de delícias, para que conservasse eternamente a paz do pai, obedecendo-lhe. Mas depois de se recusar a obedecer a Deus Pai, perdeu a paz, e o diabo traspassou-lhe o coração com três espadas, e privou-o inteiramente da vida.

4.  Veio, portanto, o Filho de Deus em tempo aceitável. Obedecendo a Deus Pai, restaurou o perdido, curou os contrários com os contrários. Adão foi posto no paraíso, onde, rodeado de delícias, caiu. Jesus foi conduzido ao deserto, onde, insistindo nos jejuns, venceu o diabo. Vede o acordo entre ambas as tentações no Gênesis e em S. Mateus: Disse a serpente: No dia em que comeres. E aproximando-se o tentador, disse-lhe: Se és Filho de Deus, diz a estas pedras que se transformem em pães33: eis a gula. Depois: Sereis como deuses. Então o demônio transportou-o à cidade santa, e pô-lo sobre o pináculo do templo34: eis a vanglória. Finalmente:Conhecendo o bem e o mal. De novo o demônio o transportou a um monte muito alto, e mostrou-lhe todos os reinos do mundo e a sua magnificência, e disse-lhe: Tudo isto te darei, se, prostrado, me adorares35. Quanto ele tem de perverso, tanto ele perversamente falou: eis a avareza. A sabedoria, porém, porque sempre age sapientemente, superou a tríplice tentação do demônio com a tríplice sentença do Deuteronômio36.
 Quando o diabo tentou com a gula, Jesus respondeu-lhe: Não só de pão vive o homem37; como se dissesse: Assim como o homem exterior vive do pão material, assim o interior vive do pão celeste, que é a palavra de Deus. A palavra de Deus é o Filho, Sabedoria que procedeu da boca do Altíssimo38. Sabedoria vem de sabor39; portanto, o pão da alma é o sabor da sabedoria, com que saboreia os bens do Senhor e experimenta quão suave é o mesmo Senhor40. Deste pão se diz no livro da Sabedoria41: Deste-lhe pão vindo do céu, que tinha em si toda a delícia e a suavidade de todo o sabor. É isto o que se diz: Mas de toda a palavra que procede da boca de Deus. Diz de toda, porque a Palavra, o Verbo e Sabedoria de Deus, contém a suavidade de todo o sabor: o seu sabor torna insípido o deleite da gula. Porque Adão se enfastiou deste pão, cedeu à tentação da gula. Com razão se diz, portanto: Não só de pão etc.
 Depois, quando ele o tentou com a vanglória, Jesus respondeu42: Não tentarás o Senhor teu Deus. Jesus Cristo é Senhor pela criação, Deus pela eternidade. O diabo tentou-o, quando o persuadiu a ele, criador do templo, a deitar-se abaixo do pináculo do templo, e prometeu ao Deus de todos os poderes celestes o auxílio dos anjos.Não tentarás, portanto, o Senhor teu Deus. Adão também tentou o Senhor Deus, quando não respeitou a Deus e o seu preceito, mas de ânimo leve anuiu à falsa promessa: Sereis como deuses43. Ó quanta vanglória acreditar alguém que se possa fazer Deus! Ó miserável! Por vãmente te quereres elevar acima de ti, miseravelmente te precipitarás por debaixo de ti! Não tentarás, portanto, o Senhor teu Deus.
 Finalmente, quando o tentou com a avareza, Jesus respondeu-lhe44: Adorarás o Senhor teu Deus, e a ele só servirás. Todos os que amam o dinheiro ou a glória do mundo, prostrados adoram o diabo. Mas nós, por quem Jesus Cristo desceu ao ventre duma Virgem e suportou o patíbulo duma cruz, instruídos por seu exemplo, vamos ao deserto da penitência e com o seu auxílio reprimamos o ímpeto da gula, o vento da vanglória, o incêndio da avareza. Adoremos aquele que os arcanjos adoram; sirvamos aquele a quem os anjos servem. Ele é bendito, glorioso, louvável e excelso por séculos eternos. Diga toda a criatura: Assim seja.

__________
1.Mt 4,1 (Vg. Tunc Jesus ductus est...).
2.Cf. 1Reis 24, 1-2.
3.Glo. Int., 1Reis 16, 13.
4.Glo. Int., 1Reis 24, 1.
5.Gen 3, 6 (Vg. Vidit igitur... et tulit...).
6.Job 41, 25 (Vg. imite).
7.Zac 5, 6 (Vg. Haec est...).
8.Cf. Glo. Ord., Os 13, 15.
9.Cf. Glo. Int., ibidem.
10.Is 16, 1.
11.Lc 1, 34 (Vg.... quoniam virum...).
12.Cf. Glo. Int., ibidem.
13.Cf. Glo. Ord., Is 1. c.
14.Mt 4, 1.
15.Jo 1, 23.
16.Cf. GREG., In Evangelia homilia 7, 2, PL 76, 1100.
17.Cf. Glo. Int., Jo 1. c.
18.Lc 23, 46.
19.Lc 4, 1; Mc 1, 12; cf. Glo. Ord., ibi.
20.Is 61, 1 (Vg... unxerit Dominus me...).
21.Cf. Heb 1, 9.
22.Glo. Ord., Ag 1, 1.
23.Cf. GREG., In Evang. Homilia, 32, 1, PL 76, 1232.
24.Cf. Glo. Ord., Gen 3, 5.
25.Verso de autor desconhecido.
26.Gen 3, 4.
27.gen 3, 5; cf. Glo. Ord., ibi.
28.2Reis 18, 14.
29.Glo. Ord., 2Reis 3, 17.
30.Cf. Glo. Ord., 2Reis 18, 9.
31.Prov 4, 23.
32.Glo. Ord., 2Reis 13, 14.
33.Mt 4, 3.
34.Mt 4, 5.
35.Mt 4, 8-9 (Vg... si cadens adoraveris me).
36.Cf. Deut 8, 3; 6, 16; 6, 13.
37.Mt 4, 4; cf. Deut 8, 3.
38.Cf. Ecli 24, 5.
39.ISID., Etym. X, 240, PL 82, 392.
40.Cf. Salmo 33, 9.
41.Sab 16, 20 (Vg muda, omite).
42.Mt 4, 7; Deut 6, 16.
43.Gen 3, 6.
44.Mt 4, 10; cf. Deut 6, 13; 10, 20.


OBS.: O Sermão Moral será transcrito em outra ocasião.

Quarta-Feira de Cinzas

O Porquê das Cinzas...
O uso litúrgico das cinzas tem origem no Antigo Testamento. Elas simbolizam dor, morte e penitência. A Bíblia conta a história de Jó e mostra seu arrependimento, quando ele se veste com um saco e se cobre de cinzas (Jó 42,6). Daniel, ao profetizar a captura de Jerusalém pela Babilônia, escreveu: "Volvi-me para o Senhor Deus a fim de dirigir-lhe uma oração de súplica, jejuando e me impondo o cilício e a cinza" (Dn 9.3). No século V antes de Cristo, depois da pregação de Jonas, o povo de Nínive proclamou um jejum a todos, se vestiram de sacos, inclusive o Rei, que sentou sobre cinzas (Jn 3.5-6). Estes exemplos demonstram a prática de se utilizar as cinzas como símbolo de arrependimento.
No Novo Testamento, o próprio Jesus fez referência ao uso das cinzas. Ele disse as pessoas que não se arrependiam de seus pecados, apesar de terem visto milagres e escutado a Boa Nova: "Ai de ti, Corozaim! Ai de ti, Betsaida! Porque se tivessem tido feitos, em Tiro e em Sidônia, os milagres que foram feitos em vosso meio, há muito tempo elas teriam se arrependido sob o cilício e as cinzas" (Mt. 11,21).
E a Igreja, desde o inicio, continuou a prática do uso das cinzas com o mesmo simbolismo. Com o passar do tempo, o uso das cinzas foi adotado como sinal do início do tempo da Quaresma.
Na liturgia atual da Quarta-Feira de Cinzas, utilizam-se as cinzas feitas com os ramos de palmas distribuídos no ano anterior, no Domingo de Ramos. O sacerdote abençoa as cinzas e as impõe na fronte de cada fiel, traçando o Sinal da Cruz. dizendo: "Recorda-te que és pó e em pó te converterás"(Gn 3. 19) e/ou 'Arrepende-te e crede no Evangelho".
Durante a Quaresma devemos orar e refletir sobre o significado das cinzas que recebemos. O arrependimento sincero e o reconhecimento de que somos fracos, limitados e pecadores, nos faz humildes de tal forma que Deus Pai vem fazer morada em nosso coração através de seu filho Jesus. Ele que é o Caminho, a Verdade e a Vida.
Faça um exame de consciência e veja o que precisa ser mudado em sua vida. Não tenha medo do que você vai encontrar ou descobrir a seu respeito. Lembre-se de que o Espírito Santo está sempre contigo. Peça à Ele fé, força e coragem para enfrentar as tribulações.
A Quarta-feira de Cinzas dá início à Quaresma, que não é um tempo de tristeza. É um tempo para reflexão, oração, jejum, penitência, esmola e caridade, na firme esperança de uma mudança radical de vida, culminando na ressurreição de Nosso Senhor Jesus Cristo, na Páscoa, acontecimento que garantiu também a nossa Páscoa definitiva.
Pe. Eduardo, S.J.

Lembrando à todos que:
     Na Quarta-Feira de Cinzas, bem como também na Sexta-Feira da Paixão, a Igreja nos prescreve o jejum e a abstinência de carne (excetuando-se a carne de peixes)[1].
jejum é fazer apenas uma refeição completa por dia, e se houver necessidade tomar mais duas refeições com quantidades menores que as refeições habituais. São obrigados ao jejum os maiores de 18 anos e menores de 60 anos [2]     
 A abstinência de carne é obrigatória aos maiores de 14 anos de idade.
As pessoas gestantes ou doentes estão dispensadas dessas formas de penitência, o que não as impede de fazer uma outra forma de sacrifício (como por exemplo, comer algo menos saboroso no lugar de algo mais apetitoso, etc). 
[1] Código de Direito Canônico, Cânon 1250 e 1251.
[2] Código de Direito Canônico, Cânon 1252.


Uma Boa e Santa Quaresma à todos!


Se Preparando para a Quaresma


Na linguagem corrente, a Quaresma abrange os dias que vão da Quarta-feira de Cinzas até ao Sábado Santo. Contudo, a liturgia propriamente quaresmal começa com o primeiro Domingo da Quaresma e termina com o sábado antes do Domingo da Paixão.

A Quaresma pode se considerar, no ano litúrgico, o tempo mais rico de ensinamentos. Lembra o retiro de Moisés, o longo jejum do profeta Elias e do Salvador. Foi instituída como preparação para o Mistério Pascal, que compreende a Paixão e Morte (Sexta-feira Santa), a Sepultura (Sábado Santo) e a Ressurreição de Jesus Cristo (Domingo e Oitava da Páscoa).

Data dos tempos apostólicos a Quaresma como sinônimo de jejum observado por devoção individual na Sexta-feira e Sábado Santos, e logo estendido a toda a Semana Santa. Na segunda metade do século II, a exemplo de outras igrejas, Roma introduziu a observância quaresmal em preparação para a Páscoa, limitando porém o jejum a três semanas somente: a primeira e quarta da atual Quaresma e a Semana Santa.

A verdadeira Quaresma com os quarenta dias de jejum e abstinência de carne, data do início do século IV, e acredita-se que, para essa instituição, tenham influído o catecumenato e a disciplina da penitência pública.

O jejum consistia originariamente numa única refeição tomada à tardinha; por volta do século XV tornou-se uso comum o almoço ao meio-dia. Com o correr dos tempos, verificou-se que era demasiado penosa a espera de vinte e quatro horas; foi-se por isso introduzindo o uso de se tomar alguma coisa à tarde, e logo mais também pela manhã, costume que vigora ainda hoje. O jejum atual, portanto, consiste em tomar uma só refeição diária completa, na hora de costume: pela manhã, ao meio-dia ou à tarde, com duas refeições leves no restante do dia.

A Igreja prescreve, além do jejum, também a abstinência de carne, que consiste em não comer carne ou derivados, em alguns dias do ano, que variam conforme determinação dos bispos locais.

No Brasil são dias de jejum e abstinência a quarta-feira de cinzas e a sexta-feira santa. Por determinação do episcopado brasileiro, nas sextas-feiras do ano (inclusive as da Quaresma, exceto a Sexta-feira Santa) fica a abstinência comutada em outras formas de penitência.

Praticar a abstinência é privar-se de algo, não só de carne. Por exemplo, se temos o hábito diário de assistir televisão, fumar, etc, vale o sacrifício de abster-se destes itens nesses dias. A obrigação de se abster de carne começa aos 15 anos. A obrigação de jejuar, limitando-se a uma refeição principal e a duas mais ligeiras no decurso do dia, vai dos 21 aos 59 anos. Quem está doente (e também as mulheres grávidas) não está obrigado a jejuar.

"Todos pecamos, e todos precisamos fazer penitência, afirma São Paulo. A penitência é uma virtude sobrenatural intimamente ligada à virtude da justiça, que dá a cada um o que lhe pertence: de fato, a penitência tende a reparar os pecados, que são ultrajes a Deus, e por isso dívidas contraídas com a justiça divina, que requer a devida reparação e resgate. Portanto, a penitência inclina o pecador a detestar o pecado, a repará-lo dignamente e a evitá-lo no futuro.

A obrigatoriedade da penitência nasce de quatro motivos principais, a saber:
1º. - Do dever de justiça para com Deus, a quem devemos honra e glória, o que lhe negamos com o nosso pecado;
2º.- da nossa incorporação com Cristo, o qual, inocente, expiou os nossos pecados; nós, culpados, devemos associar-nos a ele, no Sacrifício da Cruz, com generosidade e verdadeiro espírito de reparação.
3º.- Do dever de caridade para com nós mesmos, que precisamos descontar as penas merecidas com os nossos pecados e que devemos, com o sacrifício, esforçar-nos por dirigir para o bem as nossas inclinações, que tentam arrastar-nos para o mal;
4º.- do dever de caridade para com o nosso próximo, que sofreu o mau exemplo de nossos pecados, os quais, além disso, lhe impediram de receber, em maior escala, os benefícios espirituais da Comunhão dos Santos.
Vê-se daí quão útil para o pecador aproveitar o tempo da Quaresma para multiplicar suas boas obras, e assim dispor-se para a conversão.

Segundo os Santos Padres, a Quaresma é um período de renovação espiritual, de vida cristã mais intensa e de destruição do pecado, para uma ressurreição espiritual, que marque na Páscoa o reinício de uma vida nova em Cristo ressuscitado.

A Quaresma tem por escopo primordial incitar-nos à oração, à instrução religiosa, ao sacrifício e à caridade fraterna. Recomenda-se por isso a frequência às pregações quaresmais, a leitura espiritual diária, particularmente da Paixão de Cristo, no Evangelho ou em outro livro de meditação.

O jejum e abstinência de carne se fazem para que nos lembremos de mortificar os nossos sentidos, orientando-os particularmente ao sincero arrependimento e emenda de nossos pecados.

A caridade fraterna — base do Cristianismo — inclui a esmola e todas as obras de misericórdia espirituais e corporais.

 Missal Romano


~*~*~*~  ... relembrando ...

Quarta-feira de Cinzas: jejum e abstinência obrigatórios.
Sexta-feira Santa da Paixão do Senhor: jejum e abstinência obrigatórios.
Demais dias da Quaresma, exceto os Domingos: jejum e abstinência parcial (carne permitida só na refeição principal/completa) recomendados.
Dias assinalados pelo calendário antigo como Sextas-feiras das Têmporas: jejum e abstinência recomendados.
Dias assinalados pelo calendário antigo como Quartas-feiras das Têmporas e Sábados das Têmporas:jejum e abstinência parcial recomendados.
Demais sextas-feiras do ano, exceto se forem Solenidades: abstinência obrigatória, mas não o jejum. Essa abstinência pode ser trocada, a juízo do próprio fiel, por outra penitência, conforme estabelecer a conferência episcopal (no Brasil, a CNBB estabeleceu qualquer outro tipo de penitência, como orações piedosas, prática de caridade, exercícios de devoção etc).

a partir de texto base de Dom Eugênio de Araújo Sales, Arcebispo emérito do Rio de Janeiro



Façamos Dignos Frutos de Penitência


Uma Boa e Santa Quaresma à todos os leitores!

SERMÃO DO DOMINGO DA QUINQUAGÉSIMA



Fontes Franciscanas
III
SANTO ANTÔNIO DE LISBOA
Volume I
Biografia e Sermões
Livro de 1998
Tradução: Frei Henrique Pinto Rema, OFM


Sermão do Domingo da Quinquagésima

SUMÁRIO
Terceiro Evangelho, na Quinquagésima: Estava sentado à borda da estrada um cego.
Em primeiro lugar, um sermão aos pregadores: Tomou Samuel.
Um sermão contra o soberbo: Estava sentado um cego; e acerca da propriedade do vinho e do sangue menstrual.
Um sermão contra os tíbios e os luxuriosos: Aconteceu que um dia.
Um sermão sobre a Paixão de Cristo: Tira as entranhas ao peixe, etc.
Um sermão aos prelados da Igreja: Os lábios do sacerdote.
Um sermão sobre a Paixão de Cristo:: Porque será entregue aos gentios, etc.

Exórdio. Sermão aos pregadores.

1. Estava sentado à borda da estrada um cego. E clamava: Filho de David, tem piedade de mim!1
Diz-se no primeiro livro dos Reis2: Samuel tomou uma lentícula de óleo e derramou-o sobre a cabeça de Saul.Samuel interpreta-se postulado3, e significa o pregador, postulado com as preces da Igreja por Jesus Cristo, que diz no Evangelho4: Rogai ao Senhor da messe que mande operários para a sua messe. Este deve tomar uma lentícula5 de óleo, que é um vaso quadrangular6 como o é a doutrina evangélica. Diz-se quadrangular, por causa dos quatro evangelistas7. E dela deve derramar o óleo da pregação sobre a cabeça de Saul, isto é, sobre o entendimento do pecador. Saul interpreta-se o que abusa8, e significa bem o pecador, que abusa dos dons da graça e da natureza.
E nota que o óleo unge e ilumina. Assim o pecador unge a pele inveterada dos dias maus9 e endurecida pelos pecados, a saber, unge a consciência do pecador e torna-a suave ao tato; ou então, unge o atleta de Cristo e envia-o para a batalha a vencer as potestades aéreas. Esta é a razão por que se diz no terceiro livro dos Reis10que Sadoc ungiu Salomão em Gion. Sadoc interpreta-se justo11 e significa o pregador, que, à semelhança do sacerdote, oferece um sacrifício de justiça na ara da Paixão do Senhor. Ele ungiu Salomão, que se interpreta pacífico12, em Gion, que se interpreta luta13; o pregador, de fato, com o óleo da pregação deve ungir o pecador convertido na luta, para que não consinta na sugestão do diabo, esmague a carne sedutora, despreze o mundo enganador. O óleo também ilumina, porque a pregação ilumina o olho da razão, a fim de poder ver o raio do verdadeiro sol. Em nome, portanto, de Jesus Cristo, receberei a lentícula desde santo Evangelho, e dele derramarei o óleo da pregação, com que serão iluminados os olhos deste cego, do qual se escreve: Um cego estava sentado etc.

2. Neste domingo diz-se o Evangelho da cura do cego, e nele se menciona a Paixão de Cristo; e lê-se e canta-se a história da viagem de Abrãao e da imolação do seu filho Isaac. E lê-se no Intróito da missa: Sê para mim um Deus protetor14. Reza-se a Epístola de S. Paulo aos Coríntios15: Se falar a língua dos homens e dos anjos, etc. Portanto, para honra de Deus e iluminação da vossa alma, concordemos tudo isso.


I – A cegueira das almas.
3. Um cego estava sentado etc. Omitidos todos os outros cegos curados, só queremos mencionar três: o primeiro é o cego de nascença do Evangelho16, curado com lodo e saliva; o segundo é Tobias17 que cegou com excremento de andorinhas, e se curou com fel de peixe; o terceiro é o bispo de Laodicéia, ao qual diz o Senhor no Apocalipse18: Não sabes que és um infeliz e miserável, pobre, cego e nu. Aconselho-te que me compres ouro provado no fogo, para te fazeres rico, e te vestires com roupas brancas, e não se descubra a verginha da tua nudez, e unge os teus olhos com um colírio, para que vejas. Vejamos o que significa cada uma destas coisas.
O cego de nascença significa, no sentido alegórico19, o gênero humano, tornado cego nos protoparentes. Jesus restituiu-lhe a vista, quando cuspiu em terra e lhe esfregou os olhos com lodo. A saliva, descendo da cabeça, significa a divindade, a terra, a humanidade; a união da saliva e da terra é a união da natureza humana e divina, com que foi curado o gênero humano20 E estas duas coisas significam as palavras do cego sentado à borda do caminho e a clamar: Tem piedade de mim (o que diz respeito à divindade), Filho de David (o que se refere à humanidade).

4. No sentido moral, o cego significa o soberbo. A este respeito lemos no profeta Abdias21: Ainda que te eleves como a águia e ponhas o teu ninho entre os astros, eu te arrancarei de lá, diz o Senhor. A águia, voando mais alto que todas as aves, significa o soberbo, que deseja a todos parecer mais alto com as duas asas da arrogância e da vanglória. É a ele que se diz: Se entre os astros, isto é, entre os santos, que neste lugar tenebroso22 brilham como astros no firmamento, puseres o teu ninho, isto é, a tua vida, dali te arrancarei, diz o Senhor. O soberbo, pois, esforça-se por colocar o ninho da sua vida na companhia dos santos. Donde a palavra de Job23: A pena do avestruz, isto é, do hipócrita24, é semelhantes às penas da cegonha e do falcão, isto é, do homem justo25. E nota que o ninho em si tem três caracteres: No interior é forrado de matérias brandas; externamente é construído de matérias duras e ásperas; é colocado em lugar incerto, exposto ao vento. Assim a vida do soberbo tem interiormente a brandura do deleite carnal, mas é rodeada no exterior por espinhos e lenhas secas, isto é, por obras mortas; também está colocada em lugar incerto, exposta ao vento da vaidade, porque não sabe se de tarde, se de manhã desaparecerá. E isto é o que se conclui: De lá eu te arrancarei, ou seja, arrancar-te-ei para te lançar no fundo do inferno, diz o Senhor. Por isso, escreve-se no Apocalipse26:Quanto ela se glorificou e viveu em delícias, tanto lhe daí de tormentos.

5. E nota que este cego soberbo é curado com saliva e lodo. Saliva é o sêmen do pai derramado na lodosa matriz da mãe, onde se gera o homem miserável. A soberba não o cegaria se atendesse ao modo tão triste da sua concepção. Daí a fala de Isaías27: Considerai a rocha donde fostes tirados. A rocha é o nosso pai carnal; a caverna do lago é a matriz da nossa mãe. Daquele fomos cortados no fétido derrame do sêmen; desta fomos tirados no doloroso parto.
Por que te ensoberbeces, portanto, ó mísero homem, gerado de tão vil saliva, criado em tão horrível lago e ali mesmo nutrido durante nove meses pelo sangue menstrual? 28 Se os cereais forem tocados por esse sangue não germinarão, o vinho novo azedará, as erva morrerão, as árvores perderão os frutos, a ferrugem corroerá o ferro, enegrecerão os bronzes e se dele comerem os cães, tornar-se-ão raivosos, e com as suas mordeduras farão enlouquecer as pessoas. Além disso, as próprias mulheres, que têm menos necessidade quando se encontram nas suas regras, não observam os homens com olhares inocentes. Sujam os espelhos com o demasiado uso, ao ponto de enfraquecer o fulgor da vista e o esplendor apagado do rosto perder o ciúme natural, e a face, duma esplendência baça, cobrir-se duma espécie de caligem29. Ó homem infeliz, ó soberbo cego, se observares, de espírito atento, estas coisas e te considerares nascido de lodo e de saliva, verdadeiramente, verdadeiramente serás curado, verdadeiramente te humilharás.
E que a sobredita sentença de Isaías se entenda da geração carnal, mui abertamente se mostra quando se ajunta: Lançai os olhos para Abraão, vosso pai, e para Sara, que vos deu à luz30. A este soberbo cego manda o Senhor: Saí da tua terra e da tua parentela e da casa de teu pai31 etc. Nota aqui três gêneros de soberba: contra o inferior, contra o igual e contra o superior. O soberbo conculca, despreza e ultraja. Conculca o inferior, como se fosse terra – que vem de tero, teris32, esmagar; despreza o igual, como se fosse da parentela, pois o soberbo despreza e escandaliza facilmente os parentes e afins; ultraja também o superior, como se fosse a casa do pai. O superior chama-se casa do pai, porque debaixo dele o súdito, como filho em casa paterna, deve esconder-se da chuva da concupiscência carnal, da tempestade da perseguição demoníaca, do ardor da prosperidade mundana. Mas o cego soberbo, com o insulto feito de nariz enrugado33, ultraja o superior. Diz, portanto, o Senhor: Sai, ó soberbo cego, da tua terra, para não conculcares o inferior, sai da tua parentela, para não desprezares o igual; sai da casa do teu pai, para não ultrajares o superior.

6. Segue: E vai para a terra que eu te mostrar34. A terra é a humanidade de Jesus Cristo, de que diz o Senhor a Moisés no Êxodo35: Tira o calçado dos teus pés, porque o lugar em que estás é terra santa. O calçado são as obras mortas36, que deves tirar dos pés, isto é, dos afetos37 da tua alma; porque a terra, ou seja, a humanidade de Jesus Cristo, em que estás pela fé, é santa e te santifica a ti, pecador. Vai, portanto, ó soberbo, para esta terra, considera a humanidade de Cristo, atende à sua humildade, espreme o tumor do teu coração. Caminha, sim, com os passos do amor38, aproxima-te com a humildade do coração, dizendo com o Profeta39: Na tua verdade me humilhaste. Ó Pai, na tua verdade, isto é, no teu Filho, humilhado, pobre e peregrino, me humilhaste; humilhado, sim, no ventre da Virgem; pobre, no curral de gado; peregrino, no patíbulo da cruz. De fato, nada humilha tanto o pecador soberbo como a humilhação da humanidade de Jesus Cristo. Donde Isaías40: Oxalá romperas tu os céus e desceras de lá! Os montes se derreteriam diante da tua face. Diante da sua face, quer dizer, da presença da humanidade de Jesus Cristo, os montes, ou seja, os soberbos41, desaparecem e desfalecem, quando consideram a divina cabeça inclinada no ventre da Virgem Mãe.
Vai, portanto, para a terra que te mostrei a dedo no rio Jordão, dizendo: Este é o meu Filho amado, em que pus as minhas complacências42. Serás também tu filho amado, em que pus as minhas complacências, filho adotivo pela graça, se, com o exemplo do meu Filho, igual a mim, fores humilhado; mostrei-to, para que do modelo da sua vida regules o modo do teu viver, e assim formado recebas luz e assim posas ouvir: Olha, a tua fé te salvou43, te curou.

7. O segundo cego, feito tal pelo excremento de andorinhas, mas curado com fel de peixe, é Tobias44, de que se diz no livro do mesmo: Sucedeu um dia que, cansado da sepultura45, indo para sua casa, deitou-se junto duma parede e adormeceu, e enquanto dormia caiu-lhe dum ninho de andorinhas um pouco de esterco46sobre os olhos, e ficou cego. Vejamos brevemente o que significam Tobias, a sepultura, a casa, a parede, o dormir, o ninho, as andorinhas e o seu esterco. Tobias é o justo tíbio; a sepultura, a penitência; a casa, a satisfação da carne; a parede, a sua voluptuosidade; o dormir, o torpor da negligência; as andorinhas, os demônios; o ninho, o consentimento do espírito efeminado; o esterco, a gula e a luxúria. Digamos, portanto: Tobias, fatigado da sepultura, etc.
Tobias significa o justo tíbio47, do qual diz o Senhor no Apocalipse48: Porque não és frio pelo temor da pena, nem quente pelo amor da graça, mas porque és tíbio, por isso te começarei a vomitar da minha boca. Assim como a água morna49 provoca o vômito, assim a tibieza e a negligência expulsam do ventre da divina misericórdia o ocioso e o tíbio. Maldito, diz Jeremias50, o que fizer a obra do Senhor com negligência.
Este homem fatigado de enterrar mortos vem para casa, quando se aborrece do trabalho da penitência, na qual e debaixo da qual deve esconder os defuntos, isto é, os pecados mortais, para deles se dizer: Felizes aqueles cujos pecados são encobertos51. E então volta-se, abrasado em desejos, para a satisfação do corpo, contra a advertência do Apóstolo52.
Por isso, ajunta-se: Deitou-se junto da parede. A parede é o prazer carnal. Assim como na construção duma parede se põe pedra sobre pedra e se ajusta com argamassa, também no prazer carnal, o pecado de vista se junta ao pecado do ouvido, e o pecado do ouvido ao pecado do gosto, e assim por diante, e se liga fortemente à argamassa do mau hábito. E assim dorme profundamente, alquebrado pelo torpor da negligência. E então cai o esterco das andorinhas sobre os olhos do adormecido.
As andorinhas, por causa do seu voo rapidíssimo, significam os demônios, cuja soberba quis sobrevoar os astros do céu, a altura das nuvens, até se igualar com o Pai e assemelhar-se com o Filho53.
O ninho dos demônios é o consentimento do espírito efeminado, construído com as plumas da vanglória e o lodo da lascívia. De tal ninho cai esterco de gula e luxúria sobre os olhos do adormecido Tobias, e desta maneira se cegam os olhos, ou seja, a razão e a inteligência da infeliz alma.

8. Atendei, caríssimos, e acautelai-vos de tão infeliz procedimento, pois do tédio de enterrar mortos, isto é, do tédio da penitência, se chega à casa da satisfação carnal, colocada, a pretexto de necessidade, junto da parede do prazer, no qual, ao mesmo tempo que se abate com o sono da negligência, se cega com o esterco da luxúria. Donde o Poeta54: Pergunta-se por que é que Egisto cometeu adultério. A causa é evidente: vivia ocioso. Clama, portanto, ó Tobias tíbio, ó cego luxurioso, que estás deitado junto da parede: Tem piedade de mim, Filho de David. 
Eis a razão porque este cego pede no Intróito da missa de hoje seja iluminado, dizendo: Sê para mim um Deus protetor55 etc. Nota que pede quatro coisas: Primeira, quando diz: Sê para mim um Deus protetor, para que, de braços estendidos na cruz, me protejas e defendas, como a galinha protege e defende os pintainhos debaixo das asas; a segunda, quando diz: E um lugar de refúgio, para que no teu lado, traspassado pela lança, encontre lugar de refúgio, onde possa esconder-me da face do inimigo; a terceira, quando diz: Porque tu és o meu firmamento, para não cair, e o meu refúgio, a fim de que, se cair, me abrigue junto de ti e não junto de outrem; a quarta, quando diz: E por causa do teu nome, Que e Filho de David, serás para mim, que sou cego,guia, porque me darás a mão da misericórdia, e me alimentarás com o leite da tua graça. Tem, portanto, piedade de mim, Filho de David.

II – A Paixão de Cristo.
9. O Filho de Deus e de David, Anjo do grande conselho, medicina e médico do gênero humano, no mesmo livro56 aconselha-te com as palavras: Tira as entranhas ao peixe e extrai o fel, unge os olhos e desta forma poderás recuperar a vista. O peixe, no sentido alegórico, é Cristo, por nós assado na grelha da cruz57. O seu fel é a amargura da Paixão. Com ela recuperarás a vista, se forem ungidos os olhos da tua alma. Com efeito, a amargura da Paixão do Senhor afasta a cegueira da luxúria e todo o esterco da concupiscência carnal. Daí a afirmação de um sábio58: A memória do Crucificado crucifica os vícios. Lê-se no livro de Rute59: Molha o teu bocado no vinagre. O bocado é o deleitezinho momentâneo da mísera carne, que deves molhar no vinagre, isto é, na amargura da Paixão de Jesus Cristo.
Eis porque o Senhor te manda o que mandou a Abrãao na história do presente domingo: Toma Isaac, teu filho único, a quem amas, e vai à terra da visão, e aí oferece-mo em holocausto60. Isaac interpreta-se riso ou gozo61, e significa, no sentido moral, a nossa carne que ri, quando realiza seus desejos. Destas duas coisas diz Salomão no Eclesiastes62: Considerai o riso, isto é, as coisas temporais, um erro, porque fazem errar do caminho da verdade; e o gozo da carne disse: Porque te enganas assim vãmente? 
Toma, portanto, o teu filho, a tua carne, que amas, que tão afetuosamente nutre, e, ó miserável, ignoras que não há peste mais prejudicial do que o inimigo que vive dentro de ti? Quem desde a meninice, diz Salomão63, alimenta delicadamente o seu servo, experimentá-lo-á contumaz. Tira-o, portanto, tira-o, crucifica-o, crucifica-o64. É réu de morte65. Responde Pilatos, isto é, o afeto carnal: Que mal fez ele66? Oh, quantos males provocou o teu riso, provocou o teu filho! Desprezou a Deus, escandalizou o próximo, deu morte à própria alma. E tu dizes: Que mal fez ele? Toma-o, portanto, e vai para a terra da visão.

10. Jerusalém foi chamada terra de visão. Dela se diz no Evangelho de hoje: Jesus tomou os seus doze discípulos em segredo e disse-lhes: Eis que vamos a Jerusalém67. Toma também tu o teu filho e sobe com Jesus e os Apóstolos a Jerusalém e aí, sobre o altar, isto é, meditando na Paixão do Senhor e na cruz da penitência, oferece em holocausto o teu corpo. E nota que diz em holocausto. Holocausto vem de holon (todo) e cauma (abrasamento). Holocausto, portanto, quer dizer queimado todo inteiro68 Oferece, pois, todo o teu filho, todo o teu corpo a Jesus Cristo, que todo se ofereceu a Deus Pai, a fim de destruir todo o corpo do pecado69.
 Nota que assim como o corpo humano consta de quatro elementos, fogo, ar, água e terra: fogo nos olhos, ar na boca, água nos rins, terra nas mãos e pés70, também no corpo do pecador, que serve o pecado, há fogo nos olhos pela curiosidade, ar na boca pela loquacidade, água nos rins pela luxúria, terra nas mãos e nos pés pela crueldade71. Mas o Filho de Deus teve velada a face, para a qual desejam os anjos olhar72, a fim de reprimir a tua curiosidade. E calou-se, não digo diante de quem o tosquiava, mas de quem o matava; e ao ser maltratado, não abriu a boca73, para refrear a tua loquacidade. Uma lança abriu-lhe o lado, para te tirar o humor da luxúria. Prenderam-no de mãos e pés com pregos, para tirar das tuas mãos e pés a crueldade. Toma, portanto, o teu filho, o teu riso, a tua carne, e oferece-o inteiro em holocausto, para que inteiro ardas em caridade. Ela cobre uma multidão de pecados74.
Dela diz o Apóstolo75 na Epístola de hoje: Se falar a língua dos homens e dos anjos, mas não tiver caridade, sou como bronze que soa ou como címbalo que tine. Diz S. Agostinho76: “Chamo caridade ao movimento que o ânimo possui para fruir Deus por causa de si mesmo, e fruir-se a si mesmo e ao próximo por causa de Deus”.
Quem não a possui, ainda que faça muito bem, bem verdadeiro, trabalha em vão; e, por isso, diz o Apóstolo: Se falar a língua dos homens etc. A caridade de Deus conduziu seu Filho ao patíbulo da cruz; donde o dizer-se nos Cânticos77: O amor é forte como a morte. Comentário de S. Bernardo78: Ó caridade, quão forte é o teu vínculo! Com ela até o Senhor se pôde ligar! Toma, portanto, o teu filho e oferece-o no altar da Paixão de Jesus Cristo. Com o seu fel, ou amargura, serás curado e merecerás ouvir: Olha, a tua fé te salvou79, te curou.

11. Por outras palavras: Tobias foi curado com fel de peixe. A carne de peixe é doce; o fel é amargo. Se a carne de peixe dele se embebe, toda se transforma em amargura. A carne de peixe é o deleite da luxúria; o fel, escondido dentro, é a amargura da morte eterna. Por isso, em sentido semelhante, ainda que usando outras palavras, diz Job80: O seu alimento é a raiz de juníperos. Nota que a raiz do junípero é doce e comestível, mas por folhas tem espinhos; também o deleite da luxúria, que é alimento dos carnais, no momento presente parece doce, mas no fim dará à luz picadelas de morte eterna81.
Tira, portanto, as entranhas ao peixe, isto é, considera quão vil é o deleite do pecado. Extrai o fel, isto é, atende como é interminável e cheia de miséria a pena devida ao pecado, e desta forma poderás converter em amargura toda a doçura da tua carne.

12. O terceiro cego foi o anjo de Laodicéia, curado com o colírio. Laodicéia interpreta-se tribo amável ao Senhor82, e significa a Santa Igreja, por amor da qual derramou o seu sangue. E dela, como da tribo de Judá, escolheu um sacerdócio real83. O anjo, portanto, de Laodicéia, é o bispo ou prelado da Santa Igreja, que se chama com razão Anjo, por causa da dignidade do seu ofício. A seu respeito escreve o profeta Malaquias84: Os lábios do sacerdote guardam a ciência, e da sua boca se aprende a lei, porque ele é o anjo do Senhor dos exércitos.
Nota que nesta sentença se verificam cinco coisas muito necessárias ao bispo ou prelado da Igreja: a vida, a fama, a ciência, a abundância da caridade, a túnica talar da pureza. Os lábios do sacerdote são a vida e a fama, que devem guardar a ciência, para que a vida em relação a si e a ciência em relação ao próximo guarde o que sabe e prega. Destes dois lábios, de fato, procede a ciência da pregação frutuosa. E se estas três coisas existirem antes no prelado, da sua boca os súditos aprenderão a lei, isto é, a caridade, a respeito da qual escreve o Apóstolo85: Levai os fardos uns dos outros e assim cumprireis a lei de Cristo, isto é, a caridade, que só por caridade carregou em seu corpo, sobre o madeiro, os fardos dos nossos pecados86. A lei é a caridade que os súditos87 aprendem, primeiro na prática, a fim de que eles mesmos a recebam depois mais suave e frutuosamente da boca do prelado, pois Jesus começou a fazer e ensinar88. Efetivamente, era poderoso em obras e em palavras89.

13. Segue: Porque ele é o anjo do Senhor dos exércitos. Eis a estola da pureza interior. Viver na carne para além da carne, como diz S. Jerônimo90, é próprio não de natureza humana mas celeste. O Senhor, porém, impropera o anjo de Laodicéia, ou seja, o prelado da Igreja, precisado destas cinco virtudes, quando ajunta: És um infeliz e miserável, pobre, cego e nu91. És infeliz na vida, miserável na fama, cego na ciência, pobre na caridade, nu na túnica talar da pureza. Mas porque o Senhor sabe curar os contrários com os contrários92, e ao corrigir ensina, e ao ferir põe unguento, por isso, aconselha ao cego bispo de Laodicéia, ajuntando: Aconselho-te a que me compres ouro provado no fogo, para te fazeres rico e te vestires de roupas brancas e não se descubra a vergonha da tua nudez, e unge os teus olhos com um colírio, para que vejas93. Aconselho-te, diz, a comprar a mim, não ao mundo, com o preço da boa vontade94, o ouro da vida preciosa, contra a escória da tua vida infeliz; ouro provado no fogo pela caridade, contra a miséria da tua pobreza; ouro provado no fole da boa fama, contra o fedor da tua infâmia; e a te vestires de roupas brancas, contra a nudez da tua fealdade; e com um colírio unge os teus olhos, contra a cegueira da tua insensatez.

14. E nota que este colírio, que dá luz aos olhos da alma, se compõe das cinco palavras da Paixão do Senhor, como de cinco ervas. Dela diz o Evangelho de hoje95: Porque ele será entregue aos gentios e será escarnecido e açoitado e cuspido; e depois de o açoitarem o matarão. Ai! Ai! A liberdade dos cativos é entregue; a glória dos Anjos é escarnecida; o Deus do universo é flagelado; o espelho sem mancha e o brilho da luz eterna96 é escarrado; a vida dos que morrem é posta à morte. E que mais nos resta a nós, infelizes, senão ir morrer com ele97? Tira-nos, ó Senhor Jesus, do lodo profundo98 com o gancho da tua cruz, para que possamos correr, não digo ao perfume99, mas à amargura da tua Paixão. Ó alma minha, arranja este colírio, chora amargamente sobre a morte do Unigênito100, sobre a Paixão do Crucificado! O Senhor inocente é entregue por um discípulo, escarnecido por Herodes, flagelado por um Governador, cuspido pela plebe dos judeus, crucificado por uma coorte de soldados. Tratemos brevemente de cada uma destas coisas.

15. É entregue por um Seu discípulo: Que me quereis dar, exclama, e ei vo-lo entregarei101? Que horror! Põe-se em leilão um objeto sem preço! Ai! Ai! Deus é entregue, vendido por pouco dinheiro102! Que me quereis dar? Ó Judas, pretendes vender o Senhor, o Filho de Deus, como se fora vil escravo, cão morto; e tu procuras saber, não a tua vontade, mas a vontade dos compradores103. Que me quereis dar? E que te podem eles dar? Se te dessem Jerusalém, a Galileia e a Samaria, porventura poderiam comprar Jesus? Se te pudessem dar o céu e os anjos, a terra e os homens, o mar e tudo o que nele existe, acaso poderiam comprar o Filho de Deus, no qual existem todos os tesouros escondidos de sabedoria e ciência104? Certamente que não.
O Criador pode, acaso, ser comprado ou vendido por uma criatura? E tu dizes: Que me quereis dar e eu vo-lo entregarei? Diz-me em que te prejudicou e que mal te fez, porque tu dizes: e eu vo-lo entregarei? Esqueceste aquela incomparável humildade do Filho de Deus e a sua pobreza voluntária? A sua benignidade e afabilidade? A sua doce pregação e prodigiosos milagres? Aquelas terníssimas lágrimas, derramadas sobre Jerusalém e a morte de Lázaro?  E o privilégio de te ter escolhido para Apóstolo e feito seu familiar e amigo? Estas e coisas semelhantes haveriam de te abrandar o coração e provocar à piedade, para que não dissesses: e eu vo-lo entregarei. Oh, quantos são hoje os Judas Iscariotes (que se interpreta mercadoria) 105, que vendem a verdade em troca de alguma vantagem temporal106, entregam o próximo com o ósculo da adulação, e desta forma acabam por se enforcar no laço da condenação eterna!

16. Foi ainda escarnecido por Herodes. Daí a frase em S. Lucas107: Herodes, com os seus guardas, desprezou-o e fez escárnio dele, mandando-o vestir com uma vestidura branca. O Filho de Deus é desprezado por Herodes, a raposa: – Ide dizer àquela raposa108 –, e pelos seus guardas, a quem o exército dos anjos proclama com voz incansável: Santo, Santo, Santo é o Senhor Deus dos exércitos109; a quem, como diz Daniel110, servem milhares de milhares e assistem dez centenas de milhares. E fez escárnio dele, mandando-o vestir com uma vestidura branca. O Pai vestiu o seu Filho Jesus com uma vestidura branca, isto é, de carne limpa de toda a mancha do pecado111, tomada duma Virgem Imaculada. Deis Pai glorificou o Filho desprezado por Herodes. O Pai vestiu-o com uma vestidura branca e Herodes fez escárnio dele assim vestido. Infelizmente, o mesmo se passa em nossos dias! Herodes interpreta-se glória da pele112 e significa o hipócrita, que se gloria numa vida exterior, como em pele, quanto toda a glória da filha, isto é, da alma, do Rei celeste está no interior113. Ele despreza e escarnece Jesus: despreza-o aquele que prega o Crucificado e não traz os estigmas do Crucificado114; escarnece-o aquele que se esconde sob a glória da pele ou brilho do vestido, a fim de poder enganar115 os fiéis, membros de Cristo. A flauta executa uma ária encantadora enquanto o passarinheiro apanha a ave116. Quantos hoje se deixam apanhar pela glória da pele herodiana!117

17. Foi ainda flagelado por Pôncio Pilatos. Daí o dizer-se em S. João118: Então Pilatos prendeu Jesus e flagelou-o. Escreve Isaías119: Quando passar o flagelo da inundação, ele vos espezinhará; no momento em que ele for passando, vos arrebatará. Para que aquele flagelo, pelo qual se entende a morte eterna ou o poder do diabo, não nos espezinhasse, o Senhor de todas as coisas, o Filho de Deus, foi atado à coluna como um bandido e flagelado de maneira tão atroz que o sangue manava de toda a parte.
Ó mansidão da piedade divina! Ó paciência da benignidade paterna! Ó profundo e imperscrutável mistério do eterno desígnio! Vias, Pai, o teu Unigênito, igual a ti, ser ligado à coluna como um bandido e flagelado como um homicida; e como te pudeste conter? Nós te agradecemos, Pai Santo, por termos sido libertados das cadeias do pecado e dos flagelos do diabo por meio das suas próprias cadeias e flagelos. Mas, infelizmente, Pôncio Pilatos de novo flagela a Jesus Cristo. Pôncio interpreta-se o que se afasta, Pilatos o que trabalha com o martelo ou o que esmaga com a boca120; significa aquele que se afasta do bom propósito e aquele que depois da promessa volta ao vômito. Este, com a sua boca, blasfema e com o martelo da língua fere e flagela a Cristo nos seus membros. Tendo saído, pois, com Satanás, de diante do Senhor121, murmura da Ordem122, chama a este soberbo, acusa aquele de guloso, e para que ele mesmo pareça inocente, julga os outros culpados, a fim de, encoberto pela ignomínia de muitos, conseguir paliar a própria iniquidade.

18. Foi ainda manchado com os escarros dos judeus. Então, diz S. Mateus 123, cuspiram-lhe no rosto e feriram-no a punhadas; e outros deram-lhe bofetadas no rosto. Ó Pai, cabeça do teu Filho Jesus, que faz tremer os Arcanjos, recebe golpes de cana; a face, para a qual os Anjos desejam olhar124, conspurcam-na os judeus com escarros, ferem-na a punhadas, arrancam-lhe a barba, esbofeteiam-na, puxam-lhe os cabelos. E tu, ó clementíssimo, calas-te e dissimulas e preferes que Um, o teu Único, seja assim cuspido e esbofeteado, antes que toda a nação pereça125, Louvor e glória te sejam dados, porque dos escarros, das punhadas e das bofetadas que o teu Filho Jesus recebeu, nos preparaste uma teriaga para expulsar o veneno da nossa alma.
Por outras palavras, a face de Jesus Cristo são os prelados da Igreja126, através dos quais conhecemos a Deus como se fora pela face. Nesta face cospem os pérfidos judeus, isto é, os súditos perversos, que detraem e maldizem dos seus prelados, atitude proibida pelo Senhor ao dizer: Não amaldiçoes o príncipe do teu povo127.

19. Igualmente foi crucificado pelos soldados. Os soldados, diz S. João128, depois de o terem crucificado, tomaram os seus vestidos, etc. E Jeremias129: Ó vós todos os que passais pelo caminho, parai, atendei e vede se há dor semelhante à minha dor! Os discípulos fogem, os conhecidos e os amigos130 afastam-se, Pedro nega, a Sinagoga coroa de espinhos, os soldados crucificam; os judeus zombeteiros blasfemam, dão a beber fel e vinagre. E que dor pode igualar a minha dor? Porque as suas mãos, diz a Esposa nos Cânticos131, feitas ao torno, de ouro e cheias de jacinto, foram traspassadas por cravos. Os pés, a que o mar se mostrou como solo resistente132, foram pregados à Cruz. A face, que brilha como o sol quando está na plenitude133, transformou-se em palidez mortal. Os olhos amados, para os quais não há criatura alguma invisível, estão fechados pelo sono da morte. E que dor poderá igualar a minha dor? No meio de tudo isto, só o Pai prestou auxílio. Nas suas mãos encomendou o espírito, dizendo: Pai, nas tuas mãos encomendo o meu espírito134. E ao dizer isto, inclinada a cabeça – Ele noutra parte disse não ter onde recliná-la - expirou135.
Mas ai! ai! De novo todo o corpo místico de Cristo, a Igreja136 é crucificado e posto à morte. Nele, uns são cabeça, outros mãos, outros pés, outros corpo. A cabeça são os contemplativos; as mãos, os ativos; os pés, os pregadores santos; o corpo, todos os verdadeiros cristãos. Todos os dias os soldados, isto é, os demônios, crucificam o corpo inteiro de Cristo com as suas sugestões, como se foram cravos. Os judeus, os pagãos, os hereges blasfemam, dão-lhe a beber o fel e o vinagre da dor e da perseguição. E não há que admirar, porque todos os que querem viver piamente em Cristo, padecem perseguição137.
Com razão se diz portanto: Será entregue, escarnecido, flagelado, cuspido e crucificado. E destas cinco palavras, como de cinco preciosíssimas ervas, arranja um colírio, ó anjo de Laodicéia, e unge os olhos da tua alma, a fim de recobrares a luz e poderes dizer: Olha, a tua fé te salvou138.
Roguemos, pois, e instantemente, ó caríssimos, e de espírito devoto, peçamos ao Senhor Jesus Cristo, que restituiu a vista ao cego de nascença, a Tobias e ao anjo de Laodicéia, se digne iluminar os olhos da nossa alma com a fé da sua Encarnação, com o fel e o colírio da sua Paixão, para que nos esplendores dos santos, na claridade dos anjos, mereçamos ver o mesmo Filho de Deus, luz de luz. Auxilie-nos ele mesmo, que vive e reina com o Pai e o Espírito Santo por séculos de séculos. Assim seja. 
_________
1.Cf. Lc 18, 35-38. O Evangelho da Quinquagésima da reforma litúrgica tridentina abrangia os vv.31-43.
2.Cf. 1Reis 10, 1.
3.Glo. Ord e Int., 1Reis 1, 20.
4.Mt 9, 38 (Vg. Rorate ergo...).
5.Lentícula é pequeno vaso, de forma quadrangular, como explica St. Antônio no texto. Tira o nome, segundo informa CELLINI no seu Lexicon totius latinutatis, da sua semelhança com a figura da lente.
6.Glo. Ord., 1Reis 10, 1.
7.Glo. Ord., 3Reis 6, 33.
8.JERON., De nominibus hebraicis, PL 23, 834.
9.Cf.Dan 13, 52.
10.Cf. 3Reis, 1, 45.
11.Glo. Int., 3Reis 1, 32.
12.Glo. Int., 3Reis 1, 32.
13.Glo. Ord., 3Reis, 1, 5.
14.Sl 30, 3.
15.1Cor 13, 1.
16.Cf. Jo 9, 1-7.
17.Cf. Tob, 2, 11; 11, 13-15.
18.Ap 3, 17-18.
19.Cf. Glo. Ord., Jo 9, 1.
20.Cf. Glo. Ord., Jo 9, 6.
21.Ab 1, 4 (Vg... et si inter...).
22.Cf. Glo. Ord., ibidem.
23.Job 39, 13.
24.Cf. Glo. Ord., ibidem.
25.Cf. Glo. Ord., ibidem.
26.Ap 18, 7 (Vg. muda).
27.Is 51, 1.
28.Cf. Meditationes piissimae, 3, 8, PL 184, 490.
29.C. JÚLIO SOLINO, Polyhistor toto orbe memorabilium, 4; cf. PLÍNIO, Historia naturalis, VII (13) II, p. 341, 181 e ISID., Etym. XI, PL 82, 414, 141.
30.Is 51, 12.
31.Gen 12, 1.
32.Cf. ISID., Etym. XIV, 1, 1, PL 82, 495.
33.Cf. JERÓN., Comentarioli in Psalmos, Sl 2, 4, CCh SL 72, 182.
34.Gen 1. c. (Vg. Et veni.... monstrabo...).
35.Ex 3, 5. (Vg. Solve calcamenta... locus enim...).
36.Glo. Int., ibidem.
37.Glo. Int., ibidem.
38.Cf. GREG., In Evang. Homilia 29, 11, PL 76, 1219.
39.Sl 118, 75.
40.Is 64, 1.
41.Cf. Glo. Int., ibidem.
42.Mt 3, 17.
43.Lc 18, 42.
44.Cf. Tob 2, 10-11.
45.Sepultura, aqui, quer dizer cansado de enterrar mortos.
46.A Vulgata ajunta: calida (quente).
47.Cf. Glo. Ord., Tob 2, 10.
48.Apoc 3, 15, 16.
49.O original latino é aqui mais expressivo, por usar a mesma palavra tepidus, para significar tíbio.
50.Cf. Jer 48, 10. St. Antônio segue aqui a tradução grega dos LXX.
51.Sl 31, 1.
52.Cf. Rom 13, 14.
53.Cf. Is 14, 13-14.
54.OVÍDIO, Remedia amoris, 161-162. ALANO DE LILLE, em Summa de arte praedicatoria, c. VII, PL 210, 126, leu: Quaeritis, Aegistus...
55.Sl 30, 3-4 (Vg. muda).
56.Cf. Tob 6, 5.9.
57.Cf. Glo. Ord., Jo 21, 12.
58.Abade GUERRICO, In Dominica palmarum sermo 2, 1, PL 185, 130.
59.Rute 2, 14.
60.Gen 22, 2 (Vg. omite, muda).
61.Glo. Int., Gen 21, 3.
62.Ecle 2, 2.
63.Prov 29, 21.
64.Jo 19, 15 (Vg. om.).
65.Mt 26, 66.
66.Mt 27, 23; Lc 3, 22.
67.Mt 20, 17-18 (Vg. om.).
68.Cf. ISID. Etym. VI, 19, 35, PL 82, 255.
69.Cf. Rom 6, 6.
70.Cf. BERN., De diversis, sermo 74, PL 183, 695.
71.Cf. BERN., ibidem.
72.Cf. 1Pd 1, 12.
73.Cf. Is 53, 7; Atos 8, 32; Breviário Romano, 1º responsório de Matinas.
74.1Pd 4, 8.
75.1Cor 13, 1.
76.Cf. AGOST., De doctrina christiana, III, 10, 16, PL 34, 72; cf. P. LOMB., Sent. I, dist. 17, 6, p. 115.
77.Cant 8, 6.
78.Cf. Tractadus de charitate, 1, 2-4, PL 184, 585-586. St. Antônio atribuiu-o a S. Bernardo.
79.Lc 18, 42.
80.Job 30, 4.
81.Cf. GREG., Moralium XX, 10, 21, PL 76, 150; XX, 14, 32, PL 76, 156.
82.Glo. Int., Ap 3, 14.
83.1Pd 2, 9.
84.Mal 2, 7 (Vg... custodient... requirent...).
85.Gal 6, 2 e Glo. Int., ibi.
86.Cf. Glo. Ord e Int., ibidem; cf. 1Pd 2, 24.
87.Glo. Int., Mal 1. c.
88.Atos 1, 1.
89.Lc 24, 19.
90.Pseudo-JERÓN., De Assumptione B. M. V., 6, PL 30, 126.
91.Ap 3, 17.
92.Cf. GREG., Moralium XXIV, 2, 2, PL 76, 287.
93.Ap 3, 18.
94.Cf. BERN., In die Paschae sermo 2, 8, PL 183, 286. Aqui a referência é muito longínqua, apenas com assonância de termos. Segundo verificou ANNA BURLINI CALAPAJ, Le citazioni da S. Bernardo, in Actas 1981, p. 221.
95.Lc 18, 32-33.
96.Cf. Sab 7, 26.
97.Cf. Jo 11, 16.
98.Cf. Sl 39, 3.
99.Cf. Cant 1, 3.
100.Cf. Jer 6, 26 e Zac 12, 10.
101.Mt 26, 15.
102.Verso de autor desconhecido
103.Cf. Glo. Ord., Mt 1. c.
104.Col 2, 3.
105.JERÓN., De nom. hebr.., PL 23, 886.
106.Cf. Glo. Ord., Mt 26, 16.
107.Lc 23, 11.
108.Lc 13, 32 (Vg. Ite et...).
109.Cf. Breviário Romano, hino ambrosiano (mais conhecido por Te Deum).
110.Cf. Dan 7, 10.
111.Cf. Glo. Ord., Lc 23, 11.
112.JERÓN., Lexicon origerianum, PL 23, 1279.
113.Sl 44, 14.
114.St. Antônio estará porventura a pensar no Estigmatizado do Alverne, o seu Pai Seráfico São Francisco de Assis.
115.Nesta passagem são visados os hereges.
116.CATÃO, Disticha, I, 27.
117.Isto é, dos hipócritas. Herodes Antipas é o tipo do hipócrita, qualificado raposa por Jesus Cristo (cf. Lc 13, 32.)
118.Jo 19, 1 (Vg. Tunc ergo...).
119.Is 28, 18-19.
120.JERÓN., De nom. hebr., PL 23, 889; cf. ISID., Etym. em PL 82, 289.
121.Cf. Job 2, 7.
122.Isto é, calunia os irmãos que deixou no convento, no claustro. Trata-se de pecado que se vai repetindo ao longo dos séculos.
123.Mt 26, 67.
124.Cf. 1Pd , 12.
125.Cf. Jo 11, 50.
126.Prelados da Igreja, na boca de St. Antônio, são todos os sacerdotes constituídos em dignidade, principalmente Bispos, superiores de conventos, abades e priores de casas religiosas.
127.Atos 23, 5; cf. Ex 22, 28.
128.Jo 19, 23 (Vg. Milites ergo...).
129.Lam 1, 12.
130.Cf. Job 6, 13.
131.Cant 5, 14 (Vg. Manus illius...).
132.Cf. GREG., In Evangelia homilia 10, 2, PL 76, 1111.
133.Cf. Apoc 1, 16.
134.Lc 23, 46.
135.Jo 19,3 30.
136.Cf. Col 1, 24.
137.2Tim 3, 12 (Vg. muda, omite).
138.Lc 18, 32.