Vida de São José com a Virgem Maria na casa de Nazaré
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Notara a providência solícita, que aplicava ao bom governo da sua casa; o alinho, a limpeza e o asseio dela, exercendo as ocupações domésticas com tal perfeição, como se toda a vida as tivera usado. Experimentava a contínua caridade com que o tratava, como se de outra coisa não cuidasse; e de tal maneira se empregava nas obras ativas, que não faltava as da religião e contemplação, concordando, sem faltar à gravidade decente e humildade profunda, a temperança prudente com a penitência exata, e assim nas demais virtudes.
Tudo isto causara no venturoso Santo tão grande admiração e reverência, que a terra, que a Virgem pisava, tinha por digna de veneração, observando, interiormente, maravilhosos efeitos da companhia de tão santa Esposa, assim nos afetos da pureza, como no desprezo eficaz das coisas terrenas e mundanas. Causara-lhe a formosura da Virgem tantos motivos de perfeição e efeitos de virtude, que andava o bem-aventurado José todo espiritualizado, parecendo-se com aquela sarça ardente que admirou Moisés no monte Horeb, a qual ardia e não se queimava, fazendo também em
si possível o que Salomão teve por dificultoso, que era poder alguém trazer fogo no seio sem se abrasar, isto é, habitar um homem moço com sua esposa donzela e formosa, conservando o mesmo estado virginal juntamente com o matrimônio. Esta dificuldade da fraqueza humana venceu o nosso Santo, que, com estar casado com a mesma beleza e formosura, vivendo e comendo na mesma casa com a Virgem, procedeu com tanta pureza, que não teve lugar em seu peito nem ainda um pensamento que não fosse reto e puro. Verdade seja que estava a Virgem cheia de castidade tão intensa e eficaz, que movia os corações de todos à pureza de pensamentos.
si possível o que Salomão teve por dificultoso, que era poder alguém trazer fogo no seio sem se abrasar, isto é, habitar um homem moço com sua esposa donzela e formosa, conservando o mesmo estado virginal juntamente com o matrimônio. Esta dificuldade da fraqueza humana venceu o nosso Santo, que, com estar casado com a mesma beleza e formosura, vivendo e comendo na mesma casa com a Virgem, procedeu com tanta pureza, que não teve lugar em seu peito nem ainda um pensamento que não fosse reto e puro. Verdade seja que estava a Virgem cheia de castidade tão intensa e eficaz, que movia os corações de todos à pureza de pensamentos.
Para corroborar mais esta pureza, em que ambos os Santos esposos desejaram permanecer heroicamente cândidos, renovaram o voto de virgindade que tinham feito, e, nesta conformidade, suplicou logo a Virgem ao Altíssimo o aumento da graça para seu Esposo, e o Senhor, condescendendo propício a tão humildes rogos, operou no espírito de São José efeitos tão divinos, que não podem reduzir a palavras. Infundiu-lhe de novo perfeitíssimos hábitos de todas as virtudes, e o confirmou em graça por modo admirável, ficando o Santo Esposo na virtude de castidade em grau mais excelente que a pureza dos Serafins.
Quão profundamente devia estar radicada em São José aquela virtude, para conviver diariamente com sua esposa a Virgem das virgens! A virgindade, a mais nobre de todas, a mais zelosa e delicada, e tal, que toda se turbou, quando houve de falar só com um Anjo porque o viu em forma de homem! Por outro princípio, devia São José com tal cautela ser custódia de tal virgindade, que havia de dar, exteriormente, a entender ao mundo o contrário, para que o parto santíssimo de Maria não fosse reputado ilegítimo, e a Mãe não arriscasse a vida e a reputação. De quanta prudência, pois, devia ser dotado São José para negócio tão difícil? De quanta circunspecção, de quanta capacidade, de quanta advertência, de maneira que tratasse com a Virgem por um modo que lhe mostrasse uma segurança de amante Esposo, e lhe tivesse um reverente respeito de pessoa estranha?
Basta dizer que chegou a tanto o seu prudentíssimo trato que pode enganar o próprio demônio.
Desta forma, reduzido ao mais puro exemplar de candura, dispôs-se o venturo São José a viver na companhia de sua puríssima Esposa com uma união sociável a mais perfeita e excelente. Oh que amor tão doce, tão verdadeiro e inseparável, unido com o maior vínculo do amor divino! Guardaram-se neste santo Matrimônio os ápices da perfeição, e esta união de pensamentos e semelhança de virtudes e costumes foi a primeira base em que o Espírito Santo estabeleceu a vida conjugal dos santíssimos Esposos com as consequências que pondera São Bernardino de Sena, dizendo:
“Por atenção e respeito à Santíssima Virgem, foi preciso que este Varão fosse de maravilhosa graça e virtude, principalmente em três coisas: na união matrimonial, convivência contínua e administração solícita”.
“O certo é que a honra, que o ditosíssimo José recebia da Rainha do céu, foi tão grande, que a podiam cobiçar os Serafins, segundo a veneração com que o tratavam, como a quem Deus havia constituído cabeça e príncipe da sua casa, chamando-lhe Senhor, do que admirado o devotíssimo Gerson exclamou: “Ó admirável alteza tua, José! Ó dignidade incomparável! Que a Mãe de Deus, a Rainha do céu, e Senhora do mundo não julgasse coisa indigna da sua grandeza chamar-te Senhor!”.
Diz um cronista da Virgem que, “não obstante ser São José santo e reto, depois que se desposou com a soberana Princesa, se deixava respeitar e servir dela, guardando em tudo a autoridade de cabeça e de varão, ainda que a temperava com a rara humildade e prudência, à imitação dos Padres antigos e Patriarcas, de quem não devia degenerar, para que as mulheres fossem obedientes e sujeitas a seus maridos. E a Senhora – conclui – o servia com incomparável respeito e prontidão, e muitas vezes de joelhos. Servia-o à mesa, dava-lhe o lugar para se assentar, trazia-lhe a comida, administrava-lhe a bebida, e depois disso lhe mandava São José que se assentasse”.
Ó incomparável regalia de São José! Como dignos exemplares dos bons esposos, eram ambos solícitos no trabalho, tudo fazendo por suas mãos, não só para não comer o pão ocioso, mas para que, à custa do seu suor, pudessem remediar a pobreza. De todos os bens, que herdaram de seus pais, e de seu patrimônio fizeram depositário os pobres e herdeiro a Deus, reservando unicamente para si a casa, em que a Virgem havia nascido e seus pais lhe deixaram, com alguns pobres móveis, sem os quais não se podem acomodar à vida comum de família.
Estava a humilde, porém ditosa casa, habitação dos dois Esposos, repartida em três aposentos: em um dormia São José, que talvez, para imitar o rigor de seu bisavô Jacó, repousasse sobre a dura terra com uma pedra à cabeceira; em outro trabalhava e tinha os instrumentos de seu ofício; no terceiro assistia e dormia a Rainha dos céus em uma cama feita pelas mãos do Santo, e, sem criado ou serva, derribavam esses valorosos desposados, com dois golpes, o poder do reino da carne e do mundo, desprezando deleites e riquezas, para voarem, sem embaraços, pelo caminho das virtudes; e porque haviam de ser pais de Cristo, que foi pobre e elegeu os pobres, ganhavam o alimento com o trabalho de suas mãos em uma honestíssima pobreza. Desta maneira, ainda que Nazaré admirava as resplandecentes virtudes dos virginais Esposos, ignorava, contudo, o tesouro encoberto, que possui neles.
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A vida de São José pela Associação de Adoração Contínua a Jesus Sacramentado. Livraria Francisco Alves. 1927