Da Felicíssima Morte do Glorioso Patriarca São José
Não consta da Escritura quando falecera o venturoso São José.
A opinião mais provável é dos que dizem que o Bem-aventurado São José falecera antes da Paixão de Cristo, e antes das Bodas de Caná da Galileia, não só porque nessa ocasião, havendo motivo, os Evangelistas já não falaram nele, mas porque, como desse tempo por diante começou Jesus Cristo a estabelecer e seguir outro modo de vida mais próprio para se manifestar não como Filho de São José, mas como verdadeiro Deus e Homem, e Redentor do mundo, cessava o fim do ministério de São José. Até ali quis o Senhor honrá-lo com o título tão glorioso, como era o de seu Pai, e gozar de sua companhia e da sombra, que faz um pai amoroso a um filho obediente.
Chegando, pois, o tempo, em que Jesus Cristo quis dar a conhecer ao mundo que era o Messias prometido e promulgar a Lei Evangélica, e justamente evitar que seu pai legal visse com seus olhos as afrontas, que ele havia de padecer na sua Paixão, quis pô-lo em salvo, abreviando-lhe a vida, favor especial, fundado em piedade e amor. De sorte que o argumento de Santo Epifanio, em que mostra ser já falecido São José, quando Cristo padeceu, é racionável e convence, pois o Senhor não deixaria entregue e recomendada a Virgem a São João Evangelista, se estivesse ainda vivo seu amantíssimo Esposo São José.
Em que idade falecesse, também não é uniforme o parecer de todos.
O mais provável é que fosse aos setenta anos, porque o glorioso Santo esteve desposado com a Virgem trinta anos e a desposou com quarenta. O dia fixo e determinado da sua bem-aventurada morte padece igual incerteza, julgando a maior número que fosse em 19 de março.
Quanto ao lugar, onde faleceu, parece ter sido Nazaré, donde depois se transladara seu corpo para o vale de Josafat.
Somos propensos a crer que São José morresse set ter sofrido moléstia alguma. Porque, se Jesus Cristo Senhor não teve enfermidade alguma pela perfeita harmonia de sua individual natureza, e o mesmo a soberana Senhora, ou já pela igualdade e equilíbrio do seu admirável temperamento, ou por especial privilégio, para que havemos de tirar esta prerrogativa ao nosso ditosíssimo Santo, a quem os seus grandes merecimentos lhe granjearam as mais singulares graças e privilégios?
Adquire maior força este parecer com a tradição, que havia entre os Católicos Orientais: “Envelheceu José, e chegou aos últimos dias da sua vida, porém seu corpo não estava debilitado em forças; conservava nos olhos a sua vista perfeita, e na boca todos os seus dentes. Em tanta idade tinha ainda todo o seu vigor, e tão robusto se considerava em seus membros sendo velho, como quando era moço. Chegou-lhe, enfim, o dia da morte, e, aparecendo-lhe o Anjo do Senhor, que era o seu mesmo Anjo da guarda, disse-lhe que cedo partiria deste mundo, e a sua alma iria, alegre, acompanhar os Santos Padres do Limbo. Caiu logo enfermo na cama, e, agravando-se-lhe a moléstia, lhe chegou a hora da morte”.
A verdadeira enfermidade, de que morrera São José, fora a veemência do amor.
O memorável Gerson chamou à morte de São José morte alegre, e só pode ser alegre e preciosa aquela morte, quando o amor tira a vida. É bem verdade que os Sagrados Intérpretes da Escritura não declaram de que gênero de morte falecera São José; cremos, porém, que o Santo acabara os seus dias pelo incêndio do amor, que lhe derreteu o coração, e que, à maneira de Elias abrasado em vivas chamas do amor Divino, fora arrebatado para o outro mundo.
Não é para desprezar outra razão de congruência, porque menor graça é morrer à eficácia do amor intenso de Deus, do que ser predestinado para o ministério da união hipostática. Nós vemos que o felicíssimo São José ainda sem o aumento de graça, que depois teve, foi escolhido para Esposo da Virgem, e ministro daquela inefável união: logo parece que lhe devemos considerar, no fim da vida, a graça e o privilégio de morrer abrasado em amor de Deus, e ser este a causa, que o privou dos alentos vitais.
Deve-se crer, piamente, que na morte de São José estivessem presentes Jesus Cristo e Maria Santíssima, sua Esposa. E com esta bem-aventurada assistência, que ilustrações, confortos, e esperanças da eterna felicidade não receberia São José de sua Santíssima Esposa e seu amado Filho!
Bastava a presença, ou só de Cristo, ou só de Maria Santíssima para beatificar a morte de São José; e que faria nesta última hora a adorável assistência de ambos? É para admirar como pudera São José expirar, assistindo-lhe o Pai e a Mãe do Autor da mesma vida. A Virgem Maria com a sua Santíssima presença infundia elementos de vida a seu amantíssimo Esposo, e, por isso, a morte não se atrevia a chegar-se a sua cabeceira. No peito de São José, lutavam neste último transe as forças de duas vontades, a de não se apartar de Jesus e de Maria, e a de obedecer ao Divino beneplácito; e, porque toda a sua vida foi conformar-se com a vontade Divina, entendendo estar chegando aos seus dias o último período, cedeu às disposições do Altíssimo.
Foi conveniente que a alma de São José se desatasse das prisões do corpo, para que não imaginasse o mundo que era mais que homem e de nenhuma sorte sujeito às leis da condição humana, caduca e mortal, o Pai virginal de Cristo, o Esposo verdadeiro da Mãe de Deus, o familiar dos Anjos, o Secretário dos Mistérios do Onipotente, e o primeiro Ministro econômico do Unigênito do Pai Eterno.
Essa santíssima e respeitosa preferência de Jesus e da Virgem Maria causaram ao venturoso São José o singular privilégio, a poucos até agora concedido, que foi o não sentir, naquele último dos assaltos do demônio, nem o aspecto da sua vista horrorosa.
Como seriam cheias de ternura e saudades aquelas últimas palavras, com que São José se despediria de Cristo e de sua Esposa! Dai-me vossos braços, Filho amado (diria São José ao Redentor do mundo), e, ainda que é ofício do Pai dar a benção, agora sou eu quem a peço, para que, amparado dela, não ofendam as fúrias do Inferno, e possa dormir descansado na vossa paz o sono da morte. Sinto muito ausentar-me de vós; morro, porém, contente, não só porque entendo ser disposição inevitável do Altíssimo, mas porque deixo já no mundo o tesouro infinito do seu remédio, com que se há de remir a culpa do primeiro homem. Naquelas antigas trevas esperarei a brilhante luz da vossa glória, e darei, entretanto, alegres novas aos Santos, que ali vos esperam, pois ordenais que eu vá adiante anunciar-lhe tão grande dita.
E vós, Esposa minha muito amada, espelho de pureza, ficai-vos com Deus, que eu me vou para não vos tornar a ver mais nesta carne mortal. Muito vos devo, pois de todas as minhas felicidades fostes a causa e a intercessora, e assim será grande a minha glória, quando vos ver coroada Rainha do Céus. Ainda que vos falte desde hoje a minha companhia, ficais muito bem acompanhada, pois fica convosco o Filho de Deus como vosso verdadeiro e fiel amparo.
Estas últimas e saudosas palavras de São José é crível que não ficariam sem agradecida resposta do Filho e da Esposa, e assim dando os últimos alentos no ósculo do Senhor, espirou São José felizmente nos braços de Jesus e de Maria Santíssima. Foi, na verdade, correspondência digna de amor de Cristo que nos seus braços morresse São José, pois que nos de São José viveu sempre Jesus Cristo.
O Senhor lhe fechara os olhos depois que espirar, e juntamente com a Virgem choraram a morte do Santo; porque se Cristo, Bem nosso, chorou por ver a Lázaro morto, quanto mais piedosa causa era chorar a morte de São José, seu estimado Pai, acompanhado com suas lágrimas as que também por ele derramaria a Virgem, sua Esposa.
Foram as lágrimas de Jesus e da Virgem Maria para o cadáver de São José mais precioso bálsamo, que aquele, com que se ungem os corpos dos Reis Soberanos; porque ainda que seja puro e excelente, com o tempo enfim se corrompe; porém com as lágrimas tão preciosíssimas de Cristo e da Virgem ficou incorrupto o adorável corpo do Santo, permanecendo intacto, até que, reunida nele a alma na Ascensão do Senhor, se vestia da eterna incorruptibilidade no Céu.
Vendo a Virgem Maria a seu Esposo defunto, preparou seu corpo para a sepultura, e o vestiu conforme o costume, não consentindo que chegassem a ele outras mãos mais que as suas, e as dos Santos Anjos, que a ajudaram a amortalhar. Logo, com a assistência e acompanhamento dos parentes, conhecidos e outros muitos, e com especialidade de Cristo e sua Beatíssima Mãe, com grande multidão de Anjos, foi levado o sagrado corpo de São José a sepultura.
Recebeu a Virgem Maria pêsames e pôs insígnias de luto, como naquele tempo se usava trazer pelos defuntos, que era vestido preto em sinal de tristeza, fazendo todos os ofícios fúnebres, que a piedade e costume havia introduzido naquele povo, porque a Virgem, pela razão de Esposa e Cristo pela de Filho, reputado na opinião do mundo, não podiam deixar de cumprir estas obrigações sem a censura de seus vizinhos e parentes, sendo que, como Maria Santíssima sabia que a alma bem-aventurada de seu Santo Esposo não tinha coisa que purificar, por isso lhe não fizera sufrágios.
O lugar, onde foi sepultado, dizem ser no vale de Josafat que fica entre os montes de Sião e das Oliveiras. Acha-se hoje dentro da suntuosa Igreja, que a Rainha Santa Helena mandou edificar no mesmo sítio, e chama-se o sepulcro da Virgem, por ser também ali sepultada Maria Santíssima. Desce-se a esta Igreja, que é subterrânea, por cinquenta degraus repartidos em vários tabuleiros, ou lanços espaçosos. Da parte esquerda para quem desce, vê-se embutida na parede, uma pequena Capela, que dizem ser o sepulcro de São José, diante da qual arde, de contínuo, uma lâmpada, de que têm cuidado os Religiosos de São Francisco, os quais mandam todos os dias do Convento de São Salvador de Jerusalém a um Religioso sacerdote dizer ali Missa, e o Acólito, por obrigação, incensa também o Altar do sepulcro do Santo. Assim parecia justo que ambos os Divinos Esposos participassem do mesmo digno depósito, e que um próprio relicário guardasse as mesmas relíquias, que haviam de ser juntamente colocadas no supremo santuário do Céu.
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A vida de São José pela Associação de Adoração Contínua a Jesus Sacramentado. Livraria Francisco Alves, 1927