Retirado do livro
Mês das Almas do Purgatório
Mons. José Basílio Pereira
livro de 1943
(Transcrito por Carlos A. R. Júnior)
Doutrina
da Igreja Católica
I
- Existência do Purgatório
I. — O Purgatório é um lugar
de sofrimento em que as almas dos que morrem em estado da graça, mas sem haver
satisfeito à justiça divina quanto à pena temporal incorrida por seus
pecados, acabam de se purificar, solvendo essa dívida para poderem ser admitidas
no Céu, onde conforme a Escritura, só entrará quem for puro.
II. — As provas da existência
do Purgatório podem ser tomadas :
1º. DA ESCRITURA SAGRADA. O Antigo Testamento
mostra-nos Judas Macabeu recolhendo doze mil dracmas, espolio de uma vitória memorável,
e remetendo-as para Jerusalém, a fim de que se oferecessem sacrifícios pelas
almas dos que haviam perecido no combate, por ser, dizia ele, um pensamento pio
e salutar o de orar pelos mortos para que se resgatem de suas faltas.
O
Novo Testamento refere-nos estas palavras de Jesus Cristo bem claras e precisas:
Há pecados que nunca são remetidos, nem
neste mundo nem no outro. (Mat. 12) Haverá, portanto, pecados que serão perdoados
na outra vida. Não são menos frisantes estas outras palavras da parábola do
credor: Há uma prisão donde não se sairá
senão quando se tiver pago o ceitil derradeiro. (Mat, 18). — E estas de São
Paulo: Haverá no último dia um fogo que
destruirá as obras de certas almas, que só então salvar-se-ão. (Cr, 3.)
2º. DA TRADIÇÃO INTEIRA, à qual deu o Concilio de
Trento esta ratificação infalível:
«Se
alguém pretender que todo pecador penitente, quando recebe a graça da
justificação, obtém a remissão da culpa e da pena eterna de tal sorte que não
fica devedor de nenhuma pena temporal a sofrer na terra ou na vida futura no
Purgatório, antes de entrar no reino dos Céus: seja anátema!» (Sess. 6.a)
3º. DA RAZÃO, finalmente, como São
Boaventura com sua lucidez ordinária expõe nestes termos:
«O
Purgatório deve existir por muitas causas:
A primeira, como observa Santo Agostinho,
é que há três ordens de pessoas: Umas inteiramente más, e a essas não aproveitam
os sufrágios da Igreja; outras inteiramente boas, que não precisam de tais
sufrágios; outras, enfim, que não são de todo más, nem de todo justas e a estas
cabem as penas passageiras do Purgatório, porque suas faltas são veniais.
A segunda causa é a própria justiça
de Deus, porque, assim como a soberana bondade não sofre que o bem fique sem
remuneração, assim a suprema justiça não permite que o mal fique sem nenhuma
punição…
A terceira razão para que haja um
Purgatório é a sublime e santíssima dignidade da luz divina que somente olhos
puros devem contemplar. É preciso, pois, que volte cada um à sua inocência
batismal, antes de comparecer na presença, do Altíssimo.
Além
disso, todo pecado ofende a Majestade Divina, — é prejudicial à Igreja — e
desfigura em nós a imagem de Deus.
Ora,
toda ofensa pede um castigo, todo dano uma reparação, todo mal um remédio;
portanto é necessário também (neste mundo ou no outro) uma pena que corresponda
ao pecado.
Demais,
os contrários ordinariamente curam-se com os contrários, e como o pecado nasce
do prazer, o castigo vem a ser o seu remédio natural.
A
ninguém pode aproveitar a negligência, que é um defeito, e, se tal defeito não
fosse punido, pareceria de vantagem para a vida futura não cuidar de fazer penitência
neste mundo.» (Comp. teol., 7).
II
- Penas do Purgatório
A
revelação que nos fala claramente da existência de um Purgatório não se explica
tão claramente sobre o estado em que se acham as almas que precisam de
purificar-se; não podemos, portanto, saber com exatidão nem onde elas sofrem,
nem o que sofrem, nem de que modo sofrem.
Só
podemos afirmar que as penas do Purgatório são extremamente graves e de duas espécies:
a primeira, a mais insuportável, diz o Concílio de Florença, é a privação de
Deus.
A
necessidade de ver e possuir a Deus, que a alma, desprendida do corpo, compreende
ser o objeto único de sua felicidade: essa necessidade se faz sentir a todas
as nossas faculdades com uma força extraordinária.
É
uma sede ardente, é uma fome devoradora, é um vazio medonho, uma espécie de
asfixia produzida pela ausência de Deus, que é o alimento e o ar de nossa alma.
A
segunda é uma dor que põe a alma em torturas mais cruéis do que as que os
tiranos infligiam aos mártires.
A
Igreja não definiu a natureza desta dor, mas permite ensinar-se geralmente que
há no Purgatório, como no inferno, um fogo misterioso que envolve as almas sem
consumi-las; e, diz La Luzerne, conquanto
não seja um artigo de fé, todas as autoridades dão tanto peso à doutrina de um
fogo expiatório que seria temeridade desprezá-la.
III - Causas do Purgatório
São
duas as causas do Purgatório:
1.a A falta de satisfação suficiente pelos pecados remetidos. É de
fé que Deus, perdoando os pecados cometidos depois do batismo e a pena eterna
devida a esses pecados quando são mortais, deixa ordinariamente ao pecador já
reconciliado a dívida de uma certa pena temporal que ele há de solver nesta
vida ou na outra.
2.a Os pecados veniais de que os justos podem estar maculados quando
partem deste mundo.
IV
- Estado das Almas do Purgatório
Conquanto
padecendo os mais cruéis tormentos, não se abandonam as almas do Purgatório à
impaciência nem ao desespero: estão na graça e na caridade, e sua vontade tanto
se conforma com a vontade divina, que elas querem com alegria tudo o que Deus
quer. — Adoram a mão que as castiga e, por mais desejos que tenham de seu
livramento, não o almejam senão na ordem dos decretos divinos. Consolam-se com
a certeza que tem de não ofender mais a Deus e de ir um dia possuí-lo no Céu
por toda a eternidade.
V
- Duração das Penas do Purgatório
Essas
penas durarão pouco em relação às penas do inferno que são eternas, mas,
consideradas em si mesmas, podem durar muito tempo. A Igreja autoriza os
sufrágios de aniversário por muitos anos e até durante séculos: o que faz supor
que as almas podem ficar todo esse tempo no Purgatório. Autores respeitáveis,
entre outros Belarmino, admitem que haja pecadores detidos no Purgatório até o
fim do mundo.
VI - Boas Obras em favor das
Almas do Purgatório
Há
entre os fieis vivos e os fieis mortos comunicação das boas obras.
«A
Igreja Católica, esclarecida pelo Espírito Santo, aprendeu nas divinas Escrituras
e na antiga Tradição dos Santos Padres e tem ensinado nos grandes Concílios
que há um Purgatório e que as almas detidas nesse lugar são socorridas pelos
sufrágios dos fiéis e principalmente pelo precioso Sacrifício do Altar». (Conc. Trent. sess, 25.)
O
corpo místico de Jesus Cristo se compõe de três Igrejas bem distintas:
— a Igreja triunfante no
Céu,
— a Igreja padecente no
Purgatório,
— a Igreja militante na
terra.
Essas Igrejas, distintas em
razão de sua situação diversa, compõem realmente um só corpo, do qual Jesus
Cristo é a cabeça; em virtude da comunhão dos Santos, que professam no símbolo,
elas se prestam mútuo auxilio. Tal é a magnífica harmonia do corpo da Igreja Católica.
Não
poderíamos nunca, diz o catecismo romano, exaltar e agradecer devidamente a
inefável bondade divina que outorgou aos homens o poder de satisfazer uns pelos
outros e pagar assim o que é devido ao Senhor.
VII - As orações das Almas do Purgatório
É
certo que as almas do Purgatório não podem merecer para si, mas ensinam
comumente os teólogos, diz Monsenhor Devie, que se lhes pode fazer súplicas e
que Deus se digna atendê-las, quando elas exercem a caridade para conosco,
pedindo o que é necessário. — Os Santos no Céu, acrescenta esse prelado, não
podem merecer para si; entretanto eles pedem por nós. É a doutrina de
Belarmino, de Suarez, de Lessio e de Liguori.
«As
almas que pensam, diz Belarmino, são
santas, oram como os Santos; e são escutadas em razão de seus méritos anteriores.»
«A
opinião de que as almas do Purgatório oram por nós, diz Suarez, é muito pia e muito conforme à ideia que temos da
bondade divina: não é em nada errônea.»
«Os
mortos, observa ainda Belarmino,
podem vir em nosso auxilio, porque os membros devem imitar a cabeça, o chefe
Jesus Cristo… Há-de se dar a reciprocidade entre os membros de um mesmo corpo:
assim como na Igreja os vivos socorrem os mortos, os mortos devem socorrer os
vivos, cada um a seu modo».
Todavia,
a Igreja em seu culto externo não pratica a invocação das almas do Purgatório.
VIII - Aparições das Almas
do purgatório
1º. Estas aparições estão na
ordem, das coisas que Deus pode permitir, e não repugnam a nenhuma das suas
perfeições.
Mas
as almas do Purgatório, privadas dos seus corpos, não podem por
força própria entrar em comunicação com o mundo sensível: é preciso um
prodígio para que isto se realize.
2º. A Sagrada Escritura faz
menção de aparições de mortos como de Samuel a Saul, de Jeremias e do
grão-sacerdote Onias a Judas Macabeu, de muitos que saíram do túmulo na morte
de Jesus Cristo e foram vistos em Jerusalém.
3º. Um grande número de
aparições que se contam são imaginárias, mas é certo que as tem havido
verdadeiras, até mesmo em tempos não remotos. Santo Agostinho, S. Bernardo, S.
Gregório Magno e S. Liguori referem várias, e seria mais do que temerário
acusá-los de mentira ou de imbecilidade. S. Tomás diz: «As almas dos mortos
manifestam-se algumas vezes por uma disposição particular da Providencia para
se ocuparem de coisas humanas».[†]
4º. A Igreja não condenou, em
tempo nenhum, esta crença. Cumpre dizer também que ela nunca sancionou com sua
autoridade a autenticidade absoluta de nenhuma aparição citada pelos Santos.
5º. Sendo as almas do Purgatório
santas, boas e caritativas conosco, quando têm de Deus a permissão de
nos aparecer não é evidentemente senão para testemunhar seu amor ou invocar o
nosso: longe, pois, de nos causar terror, uma aparição deveria alegrar-nos.
Assim
devemos ter como alucinação fantasmagórica, conto de pura invenção, toda
aparição que só tenha por fim apavorar os vivos. É uma indignidade prestar este
papel a almas santas.
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[†] É portanto, contrária ao
ensino da Igreja, além de humilhante e afrontosa aos destinos e condição das
almas dos finados, a doutrina do espiritismo que dá aos médiuns o poder de as
chamar ao mundo a fazerem revelações. A Igreja tem por várias vezes condenado
esse erro e suas funestas práticas e, ainda recentemente, ocupou-se do assunto
o Instituto Psicológico de Paris, nomeando para estudá-lo uma comissão que a
esse fim celebrou 60 sessões, nas quais tomou parte o medium mais afamado da
Europa e cujo resultado Gustavo Le Bon, que é um eminente cientista e não um
clerical nos Annales de Sciences Psychiques, resume na seguinte conclusão: «O
que há de certo no espiritismo é ter abalado milhares de mioleiras que já não
estavam muito sólidas». (Do Trad.)
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Trecho extraído do livro - Mês das Almas do Purgatório - Mons José Basílio Pereira - 10a. Edição - 1943 - Editora Mensageiro da Fé Ltda. - Salvador - Bahia