1. Evitar o pecado e a perturbação depois do pecado
Um Padre que aspira à perfeição e deseja santificar-se, deve primeiro que tudo tomar a peito evitar antes o pecado que a morte, até o mínimo pecado venial deliberado. Depois do pecado de Adão, no estado actual da fragilidade humana, ninguém pode e nunca pôde — à excepção de Jesus Cristo e de sua Mãe santíssima — ser isento de todas as faltas veniais indeliberadas; mas podemos muito bem, com o auxílio de Deus, evitar todas as faltas deliberadas, isto é, cometidas com plena advertência e consentimento; é o que têm feito os santos. Quem aspira à perfeição deve estar bem decidido a deixar-se antes martirizar, do que dizer com advertência plena uma mentira, ou cometer qualquer outro pecado venial, por pequeno que seja.
Tal deve ser a sua resolução; mas, se tiver a desgraça de cair nalguma falta, deliberada ou indeliberada, não se perturbe nem inquiete. Nunca a inquietação vem de Deus, é um fumo que não pode sair senão do próprio abismo da inquietação, que é o inferno. Vem-nos de lá, porque, como dizia com razão S. Luís de Gonzaga, o demónio pesca sempre nas águas turvas.
Quando uma pessoa, por exemplo, cometeu uma falta, perturba-se, e depois perturba-se por se haver perturbado: neste estado de inquietação, não só será incapaz de praticar o bem, mas até facilmente cometerá muitas outras faltas, quer de impaciência, quer doutra espécie.
Por isso, desde que a falta está cometida, é necessário humilhar-se e recorrer logo a Deus: faça um acto de amor ou de contrição, com o bom propósito de emenda, e peça com muita confiança a graça de que necessita, dizendo: Senhor! eis o que eu sei fazer e, se me retirardes a vossa mão, ainda farei pior! Amo-vos, arrependo-me do passado e não quero recair no futuro; dignai-vos conceder-me o socorro que da vossa bondade espero.
Feito isto, ficai em paz, como se nenhuma falta houvésseis cometido. Se até no mesmo dia recairdes, procedei do mesmo modo. se tivésseis a desgraça de recair cem vezes, sempre deveríeis concluir assim: humilhe-se quem se exaltou, mas nunca se fique desalentado. Importa observar que o perturbar-se depois de uma falta cometida, não é efeito da humildade, mas do orgulho: dói-se o pecador do que lhe aconteceu, menos por ser ofensa feita a Deus, do que pela vergonha que sente de se apresentar diante dele com tal mancha. Nunca o padre pois deve perturbar- se com as suas faltas, mas humilhe-se como capaz de cometer essas e ainda outras; faça depois um acto de amor de Deus.
2. Desejo eficaz de adiantar no amor de Deus
Esteja o padre animado do desejo de crescer cada vez mais no amor de Deus. Não querer adiantar na perfeição — que assenta por completo no amor de Deus — é querer atrasar. Non progredi, jam reverti est diz Sto. Agostinho (Epist. 17. E. B. app.). Quem sobe a corrente dum rio, e não luta de contínuo contra o movimento das águas, será por elas arrastado. É o que nos acontece, desde que não lutemos contra a concupiscência da carne.
Os santos desejos adoçam-nos as dificuldades e fazem-nos caminhar para a frente; mas é necessário que sejam firmes e eficazes, isto é, que sejam quanto possível postos em prática. Não tenhamos a linguagem dos que, por exemplo, se limitam a dizer: Ó! se eu tivesse irmãos nem sobrinhos, entraria numa ordem religiosa; se eu tivesse saúde, faria tais penitências...
Esses jamais dão um passo à frente no caminho de Deus; ao contrário, sempre se arrastam nos mesmos pecados, sempre conservam os mesmos apegos e animosidades, caminham de mal a pior.
Haja pois desejo de adiantar no amor de Deus, mas com a resolução firme de fazer todo o possível para chegar ao fim, desconfiando das próprias forças e pondo toda a confiança só em Deus; porque aquele que confia em si, priva-se do auxílio da graça.
3. Devoção à Paixão do Salvador e ao Santíssimo
Para adiantar na perfeição, é também necessário ser muito devoto da paixão de N. S. Jesus Cristo e do Santíssimo Sacramento. Quando se consideram estes grandes mistérios de amor, em que um Deus, para se fazer amar, sacrifica a sua vida e se dá em alimento a um verme da terra, criatura sua, não se pode deixar de arder em amor por Jesus Cristo. Charitas enin Christi urget nos, diz S. Paulo (2Cor 5,14). Quem pensa no amor do nosso Salvador, vê-se como que forçado a amá-lo. Às suas chagas sagradas chama S. Boaventura feridas, que ferem os mais duros corações, e inflamam no amor de Deus as almas mais geladas.
De ordinário pois, não deixe o padre de fazer todos os dias meia hora de meditação sobre a Paixão de Jesus Cristo. Faça além disto durante o dia frequentes actos de amor para com o divino Mestre, começando desde o despertar e procurando adormecer num acto de amor. Dizia Sta. Teresa que os actos de amor são como lenha que entretém no coração o doce fogo do amor divino. Em particular, um acto de amor muito agradável a Deus é o oferecimento de si mesmo, dispondo-se para fazer e sofrer tudo quanto for do beneplácito divino. Santa Teresa repetia este acto pelo menos cinquenta vezes cada dia.
4. Intenção de fazer tudo por Deus
Em todas as suas acções, deve o padre ter a intenção de tudo fazer só para Deus. Os mestres da vida espiritual chamam à recta intenção uma alquimia celeste, que converte em ouro todas as nossas acções, mesmo as que respeitam às necessidades corpóreas, como o repouso, o alimento e o recreio.
Mas, em especial, é necessário que os exercícios de piedade se façam unicamente para agradar a Deus, e não por motivo de interesse, vanglória, ou gosto próprio; de contrário, tudo se perderá e, em vez de recompensa, se receberá castigo. Para com segurança pois, se fazer por Deus tudo quanto se fizer, convém que se obre sempre sob a dependência dum director.
5. Amor da solidão e do silêncio
É preciso que o padre ame a solidão e o silêncio. Quem trata e fala demasiado com os homens, necessita de tomar cautela; se a não tiver, dificilmente evitará o pecado: In multiloquio non deerit peccatum (Prov. 10, 10). Por isso o Senhor disse: In silentio et in spe erit fortitudo vestra (Ps. 30, 15).
Seremos fortes contra as tentações, na medida em que confiarmos em Deus, e nos afastarmos do comércio com as criaturas. De mais, quem fala muito com os homens, falará pouco com Deus. Na solidão fala e conversa familiarmente o Senhor com as almas, conforme esta exclamação de S. Jerónimo: O solitudo, in qua Deus cum suis familiariter loquilur ac conversatur!
E o próprio Deus nos faz compreender que é na solidão que nos fala aos corações: Ducam eam in solitudinem, et loquar ad cor ejus (Os. 2, 14). As almas que ardem no amor de Deus sempre buscam a solidão: é o que se observa. Corriam os santos a esconder-se nas florestas e em espantosas cavernas, para não serem perturbados pelo ruído do mundo e poderem tratar a sós com Deus. O silêncio e a solidão forçam, por assim dizer, a alma a não pensar senão em Deus.
No entanto, não consiste a virtude em estar sempre calado, mas em falar quando convém. Um bom padre cala-se quando deve calar-se, e fala quando deve falar; mas fala somente de Deus, ou do que interessa à glória de Deus e ao bem das almas. Muitas vezes uma palavra de Deus, dita familiarmente em conversa ou a um amigo, produzirá mais fruto que muitos sermões.
Deve-se pois ter cuidado em todos os entretenimentos, por indiferentes que sejam, de misturar alguma palavra edificante sobre as verdades eternas ou sobre o amor de Deus. Quando se ama uma pessoa, sempre se desejaria falar e ouvir falar dela; quando se ama a Deus, só se fala e quer ouvir falar de Deus.
6. Conformidade com a vontade de Deus
Consiste acima de tudo o amor de Deus na conformidade com a sua santa vontade, especialmente nas coisas que mais contrariam o amor próprio, como são as doenças, a pobreza, o desprezo, as perseguições e as securas espirituais. Devemos estar persuadidos de que tudo isso, que nos advém de Deus, nos é útil, por ser feito ou permitido para nosso bem; porque ninguém há que mais nos ame do que Deus. Se queremos santificar-nos, digamos em tudo quanto nos acontecer: Fiat voluntas tua. Sit nomen Domini benedictum. Domine, quid me vis facere? Sicut Domino placuit, ita factum est. Ita, Pater! quoniam sic fuit placitum ante te.
Em todas as eventualidades da vida, agradáveis ou desagradáveis, procuremos conservar essa paz contínua, essa tranqüilidade inalterável de que os santos nos dão exemplo, dizendo sempre: In pace in idipsum dormiam et requiescam. Uma alma que ama a Deus passa uma vida uniforme, sempre em união com o Senhor; era o que nos seus cânticos exprimia um grande servo de Deus, o cardeal Petrucci, sobre esta palavra do Espírito Santo: Non contristabit justum quidquid ei acciderit (Prov. 12, 21).
Assim, um padre que ama a Deus jamais será abalado pela aflição. Só o pecado lhe deve causar dor; mas esta dor mesmo, como acima dissemos, deve ser uma dor calma, que não perturbe a paz da alma.
7. Desejo de morte
Deve o padre desejar muitas vezes o Paraíso, e por consequência a morte, para ir em breve para o Céu amar a Jesus Cristo, com todas as suas forças e por toda a eternidade, sem receito de jamais o perder. Entretanto, procederá sem reservas para com Deus, nada lhe recusando, do que souber que lhe é mais agradável, e estará sempre atento a afastar do seu coração tudo o que não é Deus nem para Deus.
8. Devoção à Santíssima Virgem
Esforce-se por conceber uma grande confiança e terna devoção para com a santíssima Virgem. Todos os santos têm alimentado em seus corações uma piedade filial para com a Mãe divina. Cuide de fazer todos os dias uma leitura nalgum livro, que trate das suas glórias e da confiança que devemos ter na sua poderosa proteção. Não deixe de jejuar aos sábados em sua honra, o melhor que possa, e em todas as suas novenas, pratique ao menos alguma abstinência e mortificação. Não deixe de visitar todos os dias alguma imagem sua. Quanto puder, falará da confiança que se deve ter na proteção de Maria, e procurará aos sábados fazer aos fiéis uma pequena instrução na igreja, para os afervorar na devoção a esta compassiva Soberana.
Pelo menos, fale dela em cada um dos seus sermões, e recomende a mesma devoção a todos os seus penitentes, assim como a todas as demais pessoas que possa. Quanto mais se amar a Maria, tanto mais se amará a Deus; porque Maria atrai a Deus os que a amam. Quia tota ardens fuit, diz S. Boaventura, omnes se amantes, eamque languentes, incendit (De B. M. V. s.1).
9. Ser humilde do coração
Esforce-se por ser humilde do coração. Muitos há que são humildes de palavras, mas não do coração; dizem que são os maiores pecadores do mundo, que merecem mil infernos; apesar disso, querem ser preferidos, estimados e louvados. Quando ninguém os aplaude, a si próprios se louvam; ambicionam os empregos mais altos, e não podem sofrer uma palavra de desprezo.
Não procedem assim os humildes de coração: nunca falam dos seus talentos, da sua nobreza, das suas riquezas, nem de coisa alguma que os distinga.
Amará pois os empregos e serviços mais humildes e obscuros. Receberá as afrontas sem se perturbar, e até interiormente se comprazerá nelas, por se tornar assim semelhante a Jesus Cristo, que foi saturado de opróbrios.
Nas contradições que ferirem e irritarem o seu orgulho, faça-se violência para nada dizer nem fazer naquela ocasião, ainda mesmo que seja superior e como tal obrigado a reprimir a insolência de quem o ultraja. Enquanto sentir os nervos exaltados, deve calar-se até que eles acalmem. De contrário, o fumo da perturbação lhe ofuscará a vista; olhará como justo o que diz e faz, ao passo que tudo será falta e desordem. Além disto, quando a correção se faz no momento da exasperação, o inferior não a recebe como reprimenda merecida, mas como efeito da impaciência da parte do superior, o que a torna inútil ou pouco menos. Pela mesma razão, quando o superior conhece que o seu inferior está perturbado, deve diferir a admoestação, esperando que ele acalme; doutro modo, o inferior cego pela sua paixão, longe de receber a repreensão, romperá em maiores excessos.
10. Tornar bem o mal
Será prestável a todos, e cuidará em especial de fazer bem a quem lhe tiver feito mal, pelo menos recomendando-o a Deus; é a vingança dos santos.