Excerto do Livro
Pe. Guilherme Vaessen
Livro de 1953
Segunda Porta do Inferno
O Furto
Não erreis, diz o mesmo apóstolo, os ladrões não herdarão o reino de Deus.
O furto consiste em tomar, sem razão legítima, o alheio, às escondidas do
dono. A rapina é um furto praticado à força na presença do dono.
A fraude consiste em enganar no comércio, no peso, na medida, na qualidade,
no preço, nos contratos. A usura, em cobrar juros excessivos.
É pecado intentar processos injustos, recorrer à chicana para apoderar-se
dos bens ou dos direitos dos outros, ficar com um objeto achado quando o dono é
conhecido ou pode ser conhecido facilmente, comprar cientemente coisas furtadas, causar
qualquer prejuízo ao próximo em seus bens, sua lavoura, seus negócios.
Enfim, pecam contra a justiça todos os que mandam ou aconselham ou às vezes simplesmente consentem que outros causem qualquer prejuízo ao próximo.
Pois este pecado é tão abominável que deveria inspirar horror a todos os
cristãos, porque atrai sobre o homem a cólera de Deus e os priva do céu.
O alheio é uma isca com que se engole o anzol pelo qual Satanás pega as almas.
No entanto os homens são tão levados para os bens perecedores, que seus herdeiros
disputarão e arrancarão depois da morte, que obcecados pela cobiça deixam se arrastar.
Há certas pessoas que tributam, por assim dizer, honras divinas ao dinheiro e o
apreciam como seu fim último. “Seus
deuses são o ouro e a prata”, diz o profeta Daniel.
Verdade é, há pecados mais graves que o furto, mas nenhum torna mais
difícil a eterna salvação. A razão disso é que, para alcançar o perdão dos demais
pecados, basta ter deles um verdadeiro arrependimento, e confessá-los; mas não
assim quando se trata do furto; o arrependimento com a confissão não é
suficiente, além disso é preciso restituir. Ora, nada mais raro que a restituição.
Eis a visão que teve um certo eremita: viu Lúcifer sentado no seu trono. Era a
hora em que os demônios voltavam da terra aonde tinham sido mandados para tentar
os homens. A um que chegou muito atrasado, Satanás perguntou qual o motivo do
seu grande atraso. Respondeu que tinha trabalhado até àquela hora para impedir
a um ladrão que fizesse uma restituição que lhe pesava muito na consciência.
Lúcifer mandou castigá-lo, dizendo-lhe que não devia ignorar que o ladrão nunca
restitui e que tinha perdido seu tempo.
Em verdade assim
é.
Dir-se-ia que o alheio se converte em próprio sangue e a dor de tirar o
próprio sangue para dá-lo a outro é coisa dura de se sofrer. Demonstra-o a
experiência de todos os dias.
Quantos procuram iludir-se sobre a necessidade da restituição. Alega-se a
pobreza... a família... deixa-se aos herdeiros o cuidado de restituir, ou, para
tranquilizar a consciência, dá-se alguma esmola aos pobres, mesmo quando se
conhece a quem se deve. No entanto, Santo Agostinho disse: “ou restituição ou condenação”.
Consideremos com S. Gregório que as riquezas que temos amontoado por meios
injustos nos abandonarão um dia, mas que os crimes cometidos nunca nos abandonarão.
Lembremo-nos que é uma extrema loucura deixar após si bens de que não teremos
sido donos senão uns instantes e de carregar conosco injustiças que nos
atormentarão eternamente.
Não tenhamos a insensatez de transmitir aos nossos herdeiros o fruto do
nosso pecado para nos carregar de toda a pena que lhe é devida e não nos
exponhamos à horrorosa desgraça de arder eternamente na outra vida por termos
educado e enriquecido filhos talvez ingratos. Lembremo-nos principalmente da
palavra de Jesus Cristo: “Que serve ao
homem lucrar o mundo inteiro, se depois perder sua alma?”
Continuará com a...
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