Do Livro
D. Lorenzo Scúpoli
Capítulo I
Para conquistá-la é preciso combater.
Quatro coisas necessárias para este combate
Se
queres, filha amantíssima em Cristo, alcançar o cume da perfeição, chegar ao
teu Deus, e te unires a Ele – empreendimento mais nobre que quantos outros se
possam imaginar – deve primeiro conhecer em que consiste a verdadeira vida
espiritual.
Muitos,
sem pensar, julgam que ela consiste na austeridade de vida, no castigo da
carne, nos cilícios, nos açoites, nas longas vigílias, nos jejuns, em outras
penitências e fadigas corporais.
Outras
pessoas, mulheres especialmente, pensam ter chegado a grande perfeição, quando
rezam muito, ouvem muitas missas e longos ofícios, frequentam as Igrejas e a
Sagrada Comunhão.
Outros,
ainda, e entre eles, certamente muito religioso de convento, chegaram à
conclusão de que a perfeição consiste na frequência ao coro, no silêncio, na
solidão e na disciplina.
E
assim variam as opiniões, e uns colocam a perfeição nisto e outros, naquilo.
A
verdade, porém, é muito outra. Tais ações são, às vezes, meios de adquirir o
espírito, e, às vezes, frutos do espírito. Não se pode, porém, dizer que
somente nestas coisas consista a perfeição cristã e o verdadeiro espírito.
Sem
dúvida são poderosíssimos meios para o espírito, quando delas nos utilizamos
com discrição. Dão força à nossa alma contra a nossa maldade e fragilidade;
fortalecem-na contra os assaltos e as insídias do inimigo; alcançam-nos
auxílios espirituais, tão necessários aos servos de Deus, máxime aos que
principiam.
Estas
práticas são também fruto do espírito, nas pessoas espirituais que castigam o
corpo, por ter este, ofendido o Criador e recolhem-se longe do mundo para se
dedicarem ao serviço divino e não ofenderem em nada o Senhor. Dedicam-se ao
culto divino e às orações, meditam a Vida e a Paixão de Nosso Senhor, não por
curiosidade e gosto sensível, mas para conhecerem sempre mais a própria
maldade, a bondade e misericórdia de Deus, e mais se inflamarem no amor divino
e no ódio de si mesmo. Seguem com grande abnegação, e com sua cruz às costas, o
Filho de Deus, frequentam os santos sacramentos, para a glória de sua Divina Majestade,
para mais se unirem com Deus e para adquirirem novas forças contra o inimigo.
Se,
porém, põe todo o fundamento de sua virtude nas ações exteriores, estas ações,
por não serem defeituosas, pois são santíssimas, mas pelo defeito de quem as
usa, serão às vezes, mais que os próprios pecados, a causa de sua ruína. Pois
estas almas apenas prestam atenção às suas ações, largam o coração às suas
inclinações naturais e ao demônio oculto. Este, reparando já estar aquela alma
fora do caminho, deixa-a continuar com deleites naqueles exercícios e embala-a
com o pensamento das delícias do paraíso. A alma logo se persuade já estar nos
coros angélicos e possuir Deus em sua alma. Embevecendo-se em altas meditações,
em curiosos e deleitantes pensamentos, e, quase esquecida do mundo e das
criaturas, pensa estar no terceiro céu.
Está,
porém, envenenada e longe da perfeição. Pela vida e pelos costumes destas
pessoas, muito facilmente poderemos deduzi-lo.
Querem
sempre, nas coisas pequenas e nas grandes, ser os preferidos. Querem que sua
opinião e sua vontade sejam sempre respeitadas. Não reparam nos próprios
defeitos e observam e criticam os defeitos do outros. Querem que os outros
façam dele excelente juízo e se comprazem nisto. Mas se tocas de leve em sua
reputação, ou se falas da devoção que exibem, logo se alteram e muito se
inquietam.
E
se Deus, para levá-los ao conhecimento verdadeiro deles mesmos e ir à estrada
da perfeição, manda-lhes trabalhos e enfermidades, ou permite perseguições (que
nunca vêm sem a vontade divina, que, às vezes, o permite, e são a pedra de
toque com que Ele examina a lealdade de seus servos), então se descobre a base
falsa da sua devoção. Vê-se que tem o interior corrompido pela soberba, porque,
nas diversas circunstâncias, sejam alegres ou tristes, não se humilham perante
a vontade divina, respeitando os justos e secretos juízos de Deus. Nem a
exemplo de Jesus Cristo abaixam-se perante as criaturas, têm por amigos caros,
os perseguidores, e entendem que eles são instrumentos da divina bondade e
meios de mortificação, de perfeição e de salvação.
Estes
estão em grave perigo de cair, porque têm o olhar interno obscurecido. É com
este olhar que contemplam a si mesmos e suas obras externas boas, atribuindo-se
muitos graus de perfeição. E, ensoberbecidos, julgam os outros.
A
não ser um auxílio extraordinário de Deus, nada os converterá.
Por
isso, mais facilmente se converte e se dá ao bem, o pecador manifesto, que o
oculto e coberto com o manto das virtudes aparentes.
Vês,
pois, claramente, que a vida espiritual, como declarei acima, não consiste
nestas coisas.
A
virtude outra coisa não é, senão o conhecimento da bondade e grandeza de Deus,
e da nossa nulidade e inclinação ao mal; o amor de Deus e o ódio de nós mesmos;
a sujeição, não somente a Ele, mas, por seu amor, a toda a criatura; o
desapropriamento da nossa vontade e o acatamento total de suas divinas
disposições; por fim querer e fazer tudo isso, para a glória de Deus, para seu
agrado, e porque Ele quer e merece ser amado e servido.
Esta
é a lei do amor, expressa pela mão de Deus nos corações de seus servos fiéis.
Esta
é a negação de nós mesmos, que Ele exige de nós. Este é o jugo suave e o ônus
leve.
Esta
é a obediência a que nosso divino Redentor e Mestre nos chama com sua voz e com
seu exemplo.
Se
aspiras a tanta perfeição, deves fazer contínua violência a ti mesma, para
combateres generosamente e aniquilar todas as tuas vontades, grandes e
pequenas. Para isso é necessário que, com grande prontidão de ânimo, te
aparelhes para esta batalha, pois só é coroado o soldado valoroso.
Este
combate é difícil, mais que nenhum outro, pois combatemos contra nós mesmos.
Por maior, porém, que seja a batalha, mais gloriosa, e mais cara a Deus, será a
vitória.
Se
tratares de sufocar todos os teus apetites desordenados, teus desejos e
vontades, mesmo muito pequenas, maior serviço farás a Deus do que se te
flagelares até o sangue, jejuares mais que os antigos eremitas e anacoretas,
converteres milhares de almas, guardando vivos, voluntariamente, alguns destes
apetites.
Naturalmente,
o Senhor aprecia mais a conversão das almas do que a mortificação de uma
pequenina vontade. Apesar disto, não deves querer nem obrar, senão aquilo que o
Senhor restritamente quer de ti. E sem dúvida Ele mais se compraz em que te
canses em mortificar as tuas paixões do que em O servires em algum trabalho,
por grande e necessário que seja, guardando viva em ti, advertida e
voluntariamente, alguma paixão.
Agora
que vês, filha, em que consiste a perfeição cristã e como, para a conquistar é
preciso empenhar uma contínua e duríssima guerra contra ti mesma, necessitas de
quatro coisas como armas seguríssimas e muito necessárias, para vencer nesta
batalha espiritual.
São
as seguintes:
A
desconfiança em ti mesma, a confiança em Deus, o exercício e a oração.
Com
a ajuda divina, algo diremos, sucintamente, sobre estes assuntos.
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