SÃO JOSÉ
Na Vida de Cristo e da Igreja
Pe. Maurício Meschler, S.J.
Edição de 1943
PRIMEIRA PARTE
SÃO JOSÉ NA VIDA DE CRISTO
1.
A
PÁTRIA E A FAMÍLIA DE SÃO JOSÉ
São
José teve por pátria a Terra prometida, a Terra Santa. Partindo do Hermon,
cujos píncaros alcandorados se revestem de neve, e dividida longitudinalmente
em duas partes pelo curso do Jordão, estende-se a Terra Santa entre o
Mediterrâneo e o deserto, apresentando alternativamente montanhas e planícies,
pastos viçosos e vales sombrios, formando como que uma linda península, de
norte a sul.
A
Galileia, com seu lago encantador e suas colinas arborizadas, onde está
engastada Nazaré, era a joia da Palestina, enquanto a Judéia, com o seu solo
pedregoso e suas gargantas escancaradas, mostrava um caráter mais austero. Em
compensação, trazia ela, no seu planalto central, o Templo, santuário, onde
Deus se revelava, centro da vida religiosa e política da nação. Não longe dali,
numa graciosa colina, estava situada Belém, a povoação real.
Em
verdade, a Palestina era a magnífica herança de Deus destinada ao seu povo
escolhido. Merecia ser a mansão do Homem-Deus. Suas três cidades mais santas —
Nazaré, Jerusalém, Belém — foram precisamente o teatro da vida de São José.
Naquela
região tão bela e gloriosa, José nada mais era que um desconhecido. Pertencia à
raça de Davi e Salomão, cujos reinados levaram o povo judeu às culminâncias da
sua grandeza, e de cuja posteridade sairia o Messias, esperança de Israel e
Salvador do mundo. Eis o privilégio mais belo da nação escolhida e, mais
particularmente, da família de Davi, — privilégio historicamente atestado pela
dupla genealogia de Jesus, conforme no-la dão os evangelistas: São Mateus,
derivando-a de Abraão e descendo pela família de Salomão; São Lucas, subindo,
pela família de Natan, até Davi, até Abraão, até Adão.
No
que concerne a São José, à sua missão, ao seu mérito e à sua grandeza, essa
genealogia é importantíssima. Primeiro, temos nela incontestavelmente a
genealogia do próprio São José: aí ele nos é apresentado como descendente de
Davi; achamo-lo intimamente associado ao Messias prometido, ao Homem-Deus de
quem ele é o pai legal. Assim se cumpriu a promessa de que o Messias sairia da raça
de Davi. Assim resulta que o Salvador é realmente filho de Davi e que Ele,
através de São José, reúne em si todas as glórias dessa ilustre família. Com
efeito, diz-nos São Mateus que o pai de José foi Jacó; São Lucas nos diz que
foi Helí. Só se explica esta divergência em virtude da lei de levirato, segundo
a qual aquele, cujo irmão morresse sem deixar filho, devia esposar a viúva desse
irmão afim de lhe assegurar a posteridade. Assim, Jacó teria sido o pai
corporal de José, e Helí apenas o pai legal. Destarte, em José — e parece que
tal fora outrora o caso em relação a Zorobabel — reúnem-se os dois ramos da
família de Davi, e é ele quem transmite ao Salvador as glórias dessa dupla
linhagem.
Se
considerarmos Jesus como Deus, parecerá insignificante essa descendência real.
Mas, se encararmos o Homem-Deus, ela terá a sua importância. Por ela, o
Salvador conta dezenove reis entre os seus antepassados; e essa honra deve-a ele
a São José. Por isso, dirigindo-se a José pela primeira vez, o anjo chama-o “filho de Davi”. Trata-se de uma mensagem
messiânica, e o anjo afirma que a grandiosa promessa feita à família de Davi se
realiza agora em São José e por São José. Assim, quando mais tarde a multidão,
arroubada de admiração, saúda o Salvador com o nome de Filho de Davi, e dele
implora, a esse título, o alívio de todos os males; quando o próprio Jesus,
para demonstrar que é o Messias, reivindica esse nome e essa honra em face dos
seus adversários (Lc 20,41), a multidão e o Salvador não fazem mais do que
proclamar um título de que Jesus é devedor a São José.
Se
o evangelista São Lucas faz remontar até Adão a genealogia do Salvador é para
nos mostrar que Jesus é bem da nossa raça, Senhor e Chefe do gênero humano em peso,
primogênito da criação. Não caracteriza isso, ao mesmo tempo, o lugar que São
José, na sua qualidade de patriarca, ocupa na Igreja, e sua relação com as
gerações vindouras? Num sonho misterioso, Jacó viu uma escada que se elevava da
terra até o céu; os anjos subiam-lhe e desciam-lhe pelos degraus. No topo
estava o próprio Deus. Na árvore genealógica do Salvador, Deus, na pessoa de Jesus,
revela-se no topo realmente, e não apenas em sentido figurativo; e isso graças
a São “José, esposo de Maria, da qual
nasceu Jesus que é chamado Cristo” (Mt. 1,16).
Mas,
dir-se-á talvez, que restava de toda a glória da família de Davi no momento do
advento do Senhor? A oficina do carpinteiro José relembrava, porventura, o
esplendor do grande rei? E podia o nosso santo oferecer a Jesus Cristo, nosso
Senhor e Mestre, outra coisa a não ser a honra duvidosa de uma família
certamente ilustre, mas decaída, e cujas condições de vida já não destoavam das
dos mais humildes israelitas?
Sim,
essa pobreza e essas humilhações eram o quinhão de São José; mas eram também
uma das características do Messias. Eis por que o Salvador devia recebê-las por
São José. A pobreza e a humilhação entravam no plano divino da Redenção; tinham
a sua razão de ser na missão do Homem-Deus. Quando os judeus foram levados para
o cativeiro da Babilônia sob o rei Jeconias, o cetro afastou-se de Judá e a
coroa real da família de Davi. Zorobabel reconduziu o povo à sua pátria; mas “a casa de Davi caía cada vez mais em ruína”
(Amós 9,11) e, a partir de Abiud e de Resa, filhos de Zorobabel, até José, a
lista genealógica não apresenta senão nomes desconhecidos. No tempo dos
Macabeus, enquanto se esperava a vinda do Messias prometido, outra família
subiu ao trono de Israel. Após a sua sanguinolenta extinção, o terrível edomita
Herodes, semi-judeu e semi-bárbaro, usurpou a coroa (38 a. C.). Para
subtrair-se ao ciúme e à crueldade desse príncipe, os descendentes de Davi
tiveram de fugir, ou pelo menos de mergulhar na obscuridade e viver
penosamente, na Galileia ou em Belém, da lavoura ou da mão de obra. Nada
restava das riquezas de Davi nem da glória de Salomão. Do próprio São José uma
só coisa sabemos: era carpinteiro. Ignoramos se morava em Belém ou em Nazaré.
Portanto, do ponto de vista temporal, José não tinha para oferecer ao Redentor
mais que as suas mãos calejadas e seu coração de uma fidelidade e de um amor a toda
prova. Em lugar de grandezas e brilho do mundo, havia obscuridade e pobreza.
Eis
aí precisamente o que o Salvador queria e, para achá-lo, desceu do céu à terra.
Eis por que dispusera os acontecimentos de maneira a que a família de Davi
resvalasse gradativamente para a pobreza. Deus, — não carecia de riquezas, nem
de honras, nem de meios naturais. Homem-Deus, — fundador de uma religião que
ensina a humildade e a pobreza. Redentor da humanidade pecadora, — a indigência
e a obscuridade lhe serviriam de instrumentos para a realização dessa obra.
Longo tempo atrás, os profetas tinham visto nele um ramo peco, despregado do
cedro real, brotando em terra árida (Is. 53,2). A humilhação da família de
Davi, a que ele pertencia, sobre ser o castigo das faltas cometidas pelos descendentes
do rei-profeta, significaria para o Salvador um dos sinais do seu advento, um
meio de efetuar a nossa redenção, um laço que o uniria a outra família muito
mais extensa — o gênero humano todo, pobre, necessitado, sujeito à lei do
trabalho cotidiano. Assim, pois, é que José seria, para o Salvador, o homem
segundo o seu coração, o pai escolhido dentre mil.
Nobreza
de origem e pobreza: tal era a herança temporal que São José transmitia ao Redentor.
Mas, nem o sangue real nem a pobreza, em si mesmos, valem aos olhos de Deus.
Perante o Senhor, só tem valor a virtude e a santidade. Ora, São José era homem
de elevada virtude e de uma santidade extraordinária. Bastaria, para prová-lo, a
missão para a qual, desde toda a eternidade, Deus o escolhera. As obras de Deus
são perfeitas, e seus conselhos sempre cheios de sabedoria. Quanto mais uma
criatura se aproxima Dele, mais Ele a faz participar da sua própria santidade.
São José era o chefe da sagrada Família, o pai legal de Jesus, o esposo da Mãe
de Deus. Achava-se, por isso mesmo, unido a Jesus e a Maria pelos laços mais
íntimos.
Daí
devemos concluir, que a alma de São José foi um prodígio de graça e de
santidade. Missão alguma é comparável à sua; nenhuma santidade — exceto a de
Maria — assemelha- se à sua santidade. Ele sobrepuja a todos os santos da lei
antiga. É o último rebento do Antigo Testamento; toca imediatamente na pessoa
do Messias. Por conseguinte, nele deve ter atingido o apogeu aquela santidade
dos antepassados que, nos desígnios divinos, também deveria servir aos planos
da Encarnação. Como Abraão, São José era um homem de fé e de obediência; era
paciente como Jacó; puro e casto como José do Egito; era segundo o coração de
Deus, como Davi, e sábio como Salomão.
O
Novo Testamento nos leva a uma conclusão semelhante. Aí também é única a situação
de São José. Quando aparece pela primeira vez no Evangelho, o texto sagrado faz
notar que ele é “um homem justo” (Mt
1,19), isto é, no dizer dos Padres e dos comentadores, um homem santo,
perfeito, porque o termo “justiça”
significa “perfeição e santidade”.
Sob esse duplo aspecto, ele só era inferior a Maria. É verdade que, de acordo
com a sua missão providencial, a sua santidade nada tem que dê na vista. É
preciso, por assim dizer, adivinhar a grandeza e excelência da sua virtude: é
um tesouro oculto de que só Deus pode apreciar todo o valor, como, só o olhar
da Sabedoria encarnada, podia, aqui na terra, contemplar toda a sua riqueza.
Eis
aí São José, descendente de uma família eminentemente nobre, conforme o atesta
sua magnífica genealogia; — glorioso até na pobreza e na humilhação, porquanto
é pobre por amor a Cristo; — admirável pela virtude e santidade; — em suma, era
ele o homem de quem o Salvador precisava para realizar seus desígnios
redentores.
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