NEWSLETTER POR EMAIL

02/03 - Em honra a São José - excertos do livro

SÃO JOSÉ
Na Vida de Cristo e da Igreja
Pe. Maurício Meschler, S.J.
Edição de 1943

PRIMEIRA PARTE
SÃO JOSÉ NA VIDA DE CRISTO


1.     A PÁTRIA E A FAMÍLIA DE SÃO JOSÉ

São José teve por pátria a Terra prometida, a Terra Santa. Partindo do Hermon, cujos píncaros alcandorados se revestem de neve, e dividida longitudinalmente em duas partes pelo curso do Jordão, estende-se a Terra Santa entre o Mediterrâneo e o deserto, apresentando alternativamente montanhas e planícies, pastos viçosos e vales sombrios, formando como que uma linda península, de norte a sul.
A Galileia, com seu lago encantador e suas colinas arborizadas, onde está engastada Nazaré, era a joia da Palestina, enquanto a Judéia, com o seu solo pedregoso e suas gargantas escancaradas, mostrava um caráter mais austero. Em compensação, trazia ela, no seu planalto central, o Templo, santuário, onde Deus se revelava, centro da vida religiosa e política da nação. Não longe dali, numa graciosa colina, estava situada Belém, a povoação real.
Em verdade, a Palestina era a magnífica herança de Deus destinada ao seu povo escolhido. Merecia ser a mansão do Homem-Deus. Suas três cidades mais santas — Nazaré, Jerusalém, Belém — foram precisamente o teatro da vida de São José.
Naquela região tão bela e gloriosa, José nada mais era que um desconhecido. Pertencia à raça de Davi e Salomão, cujos reinados levaram o povo judeu às culminâncias da sua grandeza, e de cuja posteridade sairia o Messias, esperança de Israel e Salvador do mundo. Eis o privilégio mais belo da nação escolhida e, mais particularmente, da família de Davi, — privilégio historicamente atestado pela dupla genealogia de Jesus, conforme no-la dão os evangelistas: São Mateus, derivando-a de Abraão e descendo pela família de Salomão; São Lucas, subindo, pela família de Natan, até Davi, até Abraão, até Adão.
No que concerne a São José, à sua missão, ao seu mérito e à sua grandeza, essa genealogia é importantíssima. Primeiro, temos nela incontestavelmente a genealogia do próprio São José: aí ele nos é apresentado como descendente de Davi; achamo-lo intimamente associado ao Messias prometido, ao Homem-Deus de quem ele é o pai legal. Assim se cumpriu a promessa de que o Messias sairia da raça de Davi. Assim resulta que o Salvador é realmente filho de Davi e que Ele, através de São José, reúne em si todas as glórias dessa ilustre família. Com efeito, diz-nos São Mateus que o pai de José foi Jacó; São Lucas nos diz que foi Helí. Só se explica esta divergência em virtude da lei de levirato, segundo a qual aquele, cujo irmão morresse sem deixar filho, devia esposar a viúva desse irmão afim de lhe assegurar a posteridade. Assim, Jacó teria sido o pai corporal de José, e Helí apenas o pai legal. Destarte, em José — e parece que tal fora outrora o caso em relação a Zorobabel — reúnem-se os dois ramos da família de Davi, e é ele quem transmite ao Salvador as glórias dessa dupla linhagem.
Se considerarmos Jesus como Deus, parecerá insignificante essa descendência real. Mas, se encararmos o Homem-Deus, ela terá a sua importância. Por ela, o Salvador conta dezenove reis entre os seus antepassados; e essa honra deve-a ele a São José. Por isso, dirigindo-se a José pela primeira vez, o anjo chama-o “filho de Davi”. Trata-se de uma mensagem messiânica, e o anjo afirma que a grandiosa promessa feita à família de Davi se realiza agora em São José e por São José. Assim, quando mais tarde a multidão, arroubada de admiração, saúda o Salvador com o nome de Filho de Davi, e dele implora, a esse título, o alívio de todos os males; quando o próprio Jesus, para demonstrar que é o Messias, reivindica esse nome e essa honra em face dos seus adversários (Lc 20,41), a multidão e o Salvador não fazem mais do que proclamar um título de que Jesus é devedor a São José.
Se o evangelista São Lucas faz remontar até Adão a genealogia do Salvador é para nos mostrar que Jesus é bem da nossa raça, Senhor e Chefe do gênero humano em peso, primogênito da criação. Não caracteriza isso, ao mesmo tempo, o lugar que São José, na sua qualidade de patriarca, ocupa na Igreja, e sua relação com as gerações vindouras? Num sonho misterioso, Jacó viu uma escada que se elevava da terra até o céu; os anjos subiam-lhe e desciam-lhe pelos degraus. No topo estava o próprio Deus. Na árvore genealógica do Salvador, Deus, na pessoa de Jesus, revela-se no topo realmente, e não apenas em sentido figurativo; e isso graças a São “José, esposo de Maria, da qual nasceu Jesus que é chamado Cristo” (Mt. 1,16).
Mas, dir-se-á talvez, que restava de toda a glória da família de Davi no momento do advento do Senhor? A oficina do carpinteiro José relembrava, porventura, o esplendor do grande rei? E podia o nosso santo oferecer a Jesus Cristo, nosso Senhor e Mestre, outra coisa a não ser a honra duvidosa de uma família certamente ilustre, mas decaída, e cujas condições de vida já não destoavam das dos mais humildes israelitas?
Sim, essa pobreza e essas humilhações eram o quinhão de São José; mas eram também uma das características do Messias. Eis por que o Salvador devia recebê-las por São José. A pobreza e a humilhação entravam no plano divino da Redenção; tinham a sua razão de ser na missão do Homem-Deus. Quando os judeus foram levados para o cativeiro da Babilônia sob o rei Jeconias, o cetro afastou-se de Judá e a coroa real da família de Davi. Zorobabel reconduziu o povo à sua pátria; mas “a casa de Davi caía cada vez mais em ruína” (Amós 9,11) e, a partir de Abiud e de Resa, filhos de Zorobabel, até José, a lista genealógica não apresenta senão nomes desconhecidos. No tempo dos Macabeus, enquanto se esperava a vinda do Messias prometido, outra família subiu ao trono de Israel. Após a sua sanguinolenta extinção, o terrível edomita Herodes, semi-judeu e semi-bárbaro, usurpou a coroa (38 a. C.). Para subtrair-se ao ciúme e à crueldade desse príncipe, os descendentes de Davi tiveram de fugir, ou pelo menos de mergulhar na obscuridade e viver penosamente, na Galileia ou em Belém, da lavoura ou da mão de obra. Nada restava das riquezas de Davi nem da glória de Salomão. Do próprio São José uma só coisa sabemos: era carpinteiro. Ignoramos se morava em Belém ou em Nazaré. Portanto, do ponto de vista temporal, José não tinha para oferecer ao Redentor mais que as suas mãos calejadas e seu coração de uma fidelidade e de um amor a toda prova. Em lugar de grandezas e brilho do mundo, havia obscuridade e pobreza.
Eis aí precisamente o que o Salvador queria e, para achá-lo, desceu do céu à terra. Eis por que dispusera os acontecimentos de maneira a que a família de Davi resvalasse gradativamente para a pobreza. Deus, — não carecia de riquezas, nem de honras, nem de meios naturais. Homem-Deus, — fundador de uma religião que ensina a humildade e a pobreza. Redentor da humanidade pecadora, — a indigência e a obscuridade lhe serviriam de instrumentos para a realização dessa obra. Longo tempo atrás, os profetas tinham visto nele um ramo peco, despregado do cedro real, brotando em terra árida (Is. 53,2). A humilhação da família de Davi, a que ele pertencia, sobre ser o castigo das faltas cometidas pelos descendentes do rei-profeta, significaria para o Salvador um dos sinais do seu advento, um meio de efetuar a nossa redenção, um laço que o uniria a outra família muito mais extensa — o gênero humano todo, pobre, necessitado, sujeito à lei do trabalho cotidiano. Assim, pois, é que José seria, para o Salvador, o homem segundo o seu coração, o pai escolhido dentre mil.
Nobreza de origem e pobreza: tal era a herança temporal que São José transmitia ao Redentor. Mas, nem o sangue real nem a pobreza, em si mesmos, valem aos olhos de Deus. Perante o Senhor, só tem valor a virtude e a santidade. Ora, São José era homem de elevada virtude e de uma santidade extraordinária. Bastaria, para prová-lo, a missão para a qual, desde toda a eternidade, Deus o escolhera. As obras de Deus são perfeitas, e seus conselhos sempre cheios de sabedoria. Quanto mais uma criatura se aproxima Dele, mais Ele a faz participar da sua própria santidade. São José era o chefe da sagrada Família, o pai legal de Jesus, o esposo da Mãe de Deus. Achava-se, por isso mesmo, unido a Jesus e a Maria pelos laços mais íntimos.
Daí devemos concluir, que a alma de São José foi um prodígio de graça e de santidade. Missão alguma é comparável à sua; nenhuma santidade — exceto a de Maria — assemelha- se à sua santidade. Ele sobrepuja a todos os santos da lei antiga. É o último rebento do Antigo Testamento; toca imediatamente na pessoa do Messias. Por conseguinte, nele deve ter atingido o apogeu aquela santidade dos antepassados que, nos desígnios divinos, também deveria servir aos planos da Encarnação. Como Abraão, São José era um homem de fé e de obediência; era paciente como Jacó; puro e casto como José do Egito; era segundo o coração de Deus, como Davi, e sábio como Salomão.
O Novo Testamento nos leva a uma conclusão semelhante. Aí também é única a situação de São José. Quando aparece pela primeira vez no Evangelho, o texto sagrado faz notar que ele é “um homem justo” (Mt 1,19), isto é, no dizer dos Padres e dos comentadores, um homem santo, perfeito, porque o termo “justiça” significa “perfeição e santidade”. Sob esse duplo aspecto, ele só era inferior a Maria. É verdade que, de acordo com a sua missão providencial, a sua santidade nada tem que dê na vista. É preciso, por assim dizer, adivinhar a grandeza e excelência da sua virtude: é um tesouro oculto de que só Deus pode apreciar todo o valor, como, só o olhar da Sabedoria encarnada, podia, aqui na terra, contemplar toda a sua riqueza.

Eis aí São José, descendente de uma família eminentemente nobre, conforme o atesta sua magnífica genealogia; — glorioso até na pobreza e na humilhação, porquanto é pobre por amor a Cristo; — admirável pela virtude e santidade; — em suma, era ele o homem de quem o Salvador precisava para realizar seus desígnios redentores.

Nenhum comentário:

Postar um comentário