02/03 - Em honra a São José - excertos do livro

SÃO JOSÉ
Na Vida de Cristo e da Igreja
Pe. Maurício Meschler, S.J.
Edição de 1943

PRIMEIRA PARTE
SÃO JOSÉ NA VIDA DE CRISTO


1.     A PÁTRIA E A FAMÍLIA DE SÃO JOSÉ

São José teve por pátria a Terra prometida, a Terra Santa. Partindo do Hermon, cujos píncaros alcandorados se revestem de neve, e dividida longitudinalmente em duas partes pelo curso do Jordão, estende-se a Terra Santa entre o Mediterrâneo e o deserto, apresentando alternativamente montanhas e planícies, pastos viçosos e vales sombrios, formando como que uma linda península, de norte a sul.

01/03 - Em honra a São José - excertos do livro

SÃO JOSÉ
Na Vida de Cristo e da Igreja
Pe. Maurício Meschler, S.J.
Edição de 1943


INTRODUÇÃO
Dá-se com os santos o que se dá com os homens e as paisagens. Qual a fisionomia tal o ponto de vista que revelam. Alguns ao primeiro lance dos olhos manifestam o que têm de belo e de grande e arrancam-nos imediatamente admiração ou simpatia. Outros pelo contrário só patenteiam seu valor após estudos sérios. Deve-se descobrir o seu mérito pela observação. Só então se nos antolha o seu valor, sua beleza e sua magnificência. Pode mesmo acontecer que o seu encanto consista primordialmente nessa singeleza essa espécie de mistério que os envolve.

Quem te ocupa mais? A glória de Deus ou seus interesses?

Excerto retirado do
Manual da Almas Interiores
Compêndio de Opúsculos Inéditos
Pe. Grou
Livro de 1932 - 428 págs


Do Aniquilamento
O meu ser está diante de Vós como o que não é. (David)

Quando nos falam de renunciarmos a nós mesmos, de aniquilar-nos; quando nos dizem ser esse o fundo da moral cristã, consistir nisso a adoração em espírito e verdade, tal palavra nos parece dura e até injusta: não queremos ouvi-la e repelimos quem no-lo prega da parte de Deus. Convençamo-nos, uma vez por todas, de que esse preceito nada de injusto encerra e na prática é mais suave do que pensamos. Em seguida, humilhemo-nos se nos faltar coragem para pô-lo em prática e, ao invés de condená-lo condenemos a nós mesmos.
 Que nos pede o Senhor, ordenando que nos aniquilemos? Pede fazermos justiça a nós mesmos, colocarmo-nos em nosso lugar e reconhecermo-nos tais quais somos. Quando mesmo tivéssemos nascido e vivido sempre na inocência, quando jamais houvéssemos perdido a graça original, outra coisa não seríamos, por nós mesmos, senão nada; não poderíamos consider-nos de outro modo sem nos desconhecermos e injustos seríamos pretendendo que diversamente Deus ou os homens nos tratassem. Que se pode dever ao que nada é? Que pode exigir o que nada é? Se a sua própria existência é uma graça, também e com razão maior é tudo quanto tem.
Há, portanto, injustiça formal da nossa parte em recusarmos ser tratados e tratar-nos a nós mesmos como verdadeiros nadas.
 Diz-se nada custar e ser justa essa confissão em relação a Deus; mas que assim não é a respeito dos homens, porquanto estes, nada sendo, como nós, não têm título algum para obrigar-nos a tal confissão e às suas consequências. A confissão nada custa em relação a Deus, se nos limitamos a fazê-la de boca; porém, quando faz-se mister procedermos de acordo com ela, deixarmos que Ele se arrogue e exerça sobre nós todos os direitos que Lhe pertencem, consentirmos em que disponha ao Seu talante de nosso coração, de todo o nosso coração, de todo o nosso ser, custa-nos infinitamente e com grande dificuldade não chamamos ser injustiça. Ele, todavia, poupa a nossa fraqueza, não usa dos Seus direitos com todo o rigor, jamais nos expõe a certas provas aniquiladoras, sem ter obtido o nosso consentimento.
 Quanto aos homens, concordo não terem por si mesmos domínio algum sobre nós e que injusto é da sua parte qualquer desprezo, humilhação ou ultraje. Mas nem por isso temos direito de nos queixarmos dessa injustiça, porque no fundo não é injustiça a nós, que nada somos, a quem nada é devido, mas para com Deus, cujo mandamento violam desprezando-nos, humilhando-nos, ultrajando-nos.  É, pois, o Senhor quem deve ressentir-Se da injúria que Lhe fazem maltratando-nos e não nós, que em tudo quanto nos acontece não devemos ser sensíveis senão à injúria feita a Deus. Meu próximo despreza-me; não tem razão, porque não é mais do que eu e Deus lho proíbe. Mas não terá ele razão porque eu sou verdadeiramente digno de estima, porque em mim nada há merecedor de desprezo? Não, porque se ele arrebata meus bens, mancha a minha reputação, atenta contra a minha vida, é certamente culpado e muito culpado para com Deus; mas será também para comigo? Estarei autorizado a querer-lhe mal, a vingar-me?
 Não: porque tudo quanto possuo, tudo quanto sou, não pertence propriamente a mim; que só tenho de meu o nada e a quem nada se pode tirar. Se assim encarássemos, sempre do lado de Deus e jamais do nosso, tudo que nos acontece, não seríamos tão melindrosos, tão sensíveis, tão sujeitos a nos queixarmos e irritarmos. Toda a desordem vem sempre de supormos que somos alguma coisa, de nos arrogarmos direitos que nos falecem, de em tudo começarmos sempre por nos considerarmos diretamente e não prestarmos atenção aos direitos e aos interesses de Deus, os únicos lesados no que nos concerne.
 Confesso que isso é de prática muito difícil e para consegui-lo faz-se mister renunciarmos, absoluta e completamente, a nós mesmos. Mas, em suma, é justo e a razão coisa alguma pode opor.
 Deus, portanto, nada exige de nós que não seja razoável, quando a Seu respeito e a respeito do próximo quer que nos portemos como nada sendo, nada tendo, nada pretendendo.
Isto como já se disse, seria justo, quando mesmo tivéssemos conservado a nossa primeira inocência. Mas, se nascemos culpados, se estamos inteiramente cobertos de pecados pessoais, se contraímos infinitas dívidas para com a justiça divina, se merecemos não sei quantas vezes a condenação eterna, não é para nós castigo demasiado brando só sermos tratados como nadas?  E não deve o pecador colocar-se infinitamente abaixo do que nada é? Se qual for a provação imposta a ele por Deus, sejam quais forem os maus tratos suportados do próximo, terá direito de se queixar? Poderá acusar de rigor excessivo a Deus ou de injustiça os homens? Não deve, antes, considerar-se muito feliz em resgatar, com alguma pena temporal, tormentos eternos? Se a religião não é uma ilusão, se é verdade o que a fé nos ensina acerca do pecado e dos suplícios que lhe estão reservados, como pode entrar no espírito de um pecador - a quem Deus se dispõe a perdoar - que não merece tudo quanto se possa suportar de males neste mundo, embora dure sua vida milhões de séculos? Sim, é injustiça soberana, é monstruosa ingratidão de quem ofendeu a Deus (e quem de nós não O ofendeu?) não aceitar de boamente, em reconhecimento, por amor, por dedicação aos interesses de Deus, tudo quanto de sofrimentos, se essas humilhações aprouver à divina bondade enviar-lhe. E que será se tais sofrimentos, se essas humilhações passageiras são, não só a compensação do inferno, mas o preço de uma felicidade eterna, o preço da posse eterna de Deus; se no céu seremos glorificados na proporção do nosso aniquilamento aqui na terra? Teremos ainda horror a nos aniquilarmos?  Pensaremos que é nos fazer mal, quando, por sermos pecadores e para emergirmos do nada, exige-se a renúncia completa do nosso eu, com a promessa de uma recompensa que sempre durará?
 Acrescento que semelhante forma de aniquilamento, contra a qual a natureza tanto se insurge e clama, ao invés de tão penosa como imaginamos, é até suave, porque antes de tudo Jesus Cristo a declarou tal: Tomai sobre vós o meu jugo, disse Ele; é doce e leve. Por mais pesado que seja esse jugo, Deus o suaviza para os que o tomam de boa vontade e consentem em carregá-lo por Seu amor. O amor não nos impede de sofrer, mas faz como que amemos o sofrimento e torna-o preferível e a todos os prazeres.
 A recompensa presente do aniquilamento é a paz do coração, a calma das paixões, a cessação de todas as agitações do espírito, das murmurações, das revoltas interiores.
 Vejamos, em pormenores, a prova disto. Qual é o maior mal do sofrimento? Não é a própria dor, é a revolta, a sublevação interior que a acompanha. A alma aniquilada sofreria todos os males imagináveis sem perder o repouso conexo ao seu estado: é fato de experiência. Custa-nos conseguir o nosso aniquilamento, temos que fazer grandes esforços sobre nós mesmos: mas também gozamos da paz na proporção das vitórias alcançadas.
 O hábito de renunciarmos a nós mesmos, de não atendermos ao nosso eu, torna-se cada dia mais fácil; admiramo-nos de que não nos faça mais sofrer, no fim de certo tempo, aquilo que nos parecia intolerável, assustava a imaginação, sublevava as paixões e punha a natureza em estado violento.
 Nos desprezos, nas calúnias, humilhações, o que no-las torna tão duras de suportar é o nosso orgulho; é o nosso desejo de ser estimados, considerados, tratados com certas atenções; é o pavor que temos das zombarias e do desprezo do próximo. Eis o que nos agita e enche de indignação, o que nos torna a vida amarga e insuportável.  Trabalhemos com afinco para aniquilar-nos; não demos alimento nenhum ao orgulho, deixemos caírem todos os artifícios de estima e amor próprio, aceitemos interiormente as pequenas mortificações que se apresentarem.
 Pouco a pouco chegaremos a não mais nos inquietarmos com o que se pensa e diz de nós, nem com o modo pelo qual nos tratam. Um morto nada sente; para ele não há honra nem reputação; os louvores e as injúrias lhe são indiferentes.
 A maior parte dos sofrimentos e desgostos por que passamos no serviço de Deus provém de não estarmos bastante aniquilados em Sua presença, de conservarmos certa vida própria no meio dos nossos exercícios, de imiscuir-se um secreto orgulho em nossa devoção. E por isso não somos indiferentes às consolações e à sua falta; sofremos quanto Deus parece afastar-Se de nós; esgotamo-nos em desejos e esforços tendentes a fazê-Lo voltar; ficamos abatidos e desolados, se o afastamento perdura muito. Por isso também temos falsos alarmes a respeito do nosso estado. Afigura-se-nos estarmos mal com Deus, porque Ele nos priva de algumas doçuras sensíveis. Julgamos más as nossas comunhões, porque as fazemos sem gosto, a mesma coisa acontecendo quanto às nossas leituras, orações e outras práticas.  Sirvamos a Deus com espírito de aniquilamento; sirvamo-Lo por Ele e não em atenção a nós; sacrifiquemos os nossos interesses à Sua glória e ao Seu bel-prazer; então, estaremos sempre contentes com o Seu modo de tratar-nos, persuadidos de que nada merecemos e de ser imensa a bondade de Sua parte, não digo aceitando, porém suportando os nossos serviços.
 Nas grandes tentações contra a pureza, a fé, a esperança,o que há de mais penoso para nós não é precisamente o temor de ofender a Deus, senão o medo de perder-nos, ofendendo-O. É o nosso interesse que nos ocupa muito mais do que a Sua glória.
 Eis a razão de ter um confessor tanta dificuldade em tranquilizar-nos e reduzir-nos à obediência. Cremos que ele nos engana, transvia e perde, porque nos obriga a deixar de lado as nossas vãs apreensões. Aniquilemos o nosso conceito; não julguemos por nós mesmos... Encontraremos a paz e paz perfeita, no esquecimento total de nós mesmos.
Nada há no céu, na terra, nem do inferno, capaz de perturbar a alma verdadeiramente aniquilada.

SOBRE A RECITAÇÃO DO ROSÁRIO

 ESPECIALMENTE NO MÊS DE OUTUBRO

CARTA ENCÍCLICA
INGRUENTIUM MALORUM
DO SUMO PONTÍFICE
PAPA PIO XII
AOS VENERÁVEIS IRMÃOS PATRIARCAS, PRIMAZES,  ARCEBISPOS E BISPOS E OUTROS ORDINÁRIOS DO LUGAR EM PAZ E COMUNHÃO COM A SÉ APOSTÓLICA


 INTRODUÇÃO 
1. Nunca, desde que, por desígnio da divina Providência, fomos elevados à suprema cátedra de Pedro, à vista das ameaças do mal, deixamos de contar ao seguro patrocínio da Mãe de Deus a sorte da família humana, tendo publicado, como bem sabeis, por mais de uma vez, cartas de exortação a este propósito. É patente, veneráveis irmãos, com quanto empenho, entusiasmo e união de almas, o povo cristão tenha correspondido às nossas exortações por toda a parte. Assim o têm esplendidamente mostrado, repetidas vezes, os grandiosos espetáculos de fé e de amor para com a augusta Rainha do Céu, principalmente aquela manifestação de alegria universal que nos foi dado, por assim dizer, contemplar com os nossos olhos, quando, no ano passado, circundados de inúmera multidão, proclamamos solenemente, da Praça de São Pedro, a assunção da virgem Maria em corpo e alma ao Céu.
2. Se é grato pensar nestas coisas, que nos consolam pela firme esperança da misericórdia divina, não faltam, contudo, em verdade, no presente, motivos de grave tristeza que preocupam e angustiam nosso ânimo paterno.

Os males do nosso tempo
3. Veneráveis irmãos, bem sabeis como são calamitosos os tempos que atravessamos. A concórdia fraterna das nações, há tanto tempo despedaçada, não a vemos ainda restabelecida em toda parte; pelo contrário, a cada passo, os ânimos se agitam mais com ódios e rivalidades, e sobre os povos pairam ainda ameaças de guerras cruentas. Acresce a desapiedada tempestade de perseguições que, em não poucas regiões do globo, atormentam, já há muito, acirradamente, a Igreja, privada de sua liberdade e acabrunhada por angústias e calúnias de todo o gênero, fazendo até correr, por vezes, sangue de mártires. A quantas e quão grandes insídias não vemos, nesses países, expostas as almas de nossos filhos, para fazê-los abjurar da fé de seus maiores, e separá-los, para desventura deles, da união com esta Sé Apostólical! E, finalmente, não podemos deixar, de maneira nenhuma, em silêncio o novo crime que se está a cometer, para o qual, com profunda dor, chamamos não só a vossa atenção, mas a de todo o clero, a de todos os pais e mães de família, e dos próprios governantes. Referimo-nos à iníqua campanha desencadeada, em toda a parte, pelos ímpios, contra a cândida inocência das criancinhas. Infelizmente, nem sequer a idade inocente foi poupada, pois não tem faltado quem temerariamente ouse cortar as flores que ornam os místicos jardins da Igreja, destruindo as mais belas esperanças da religião e da sociedade. Quem pensar bem nisso, não pode já maravilhar-se de que os povos gemam sob o açoite dos flagelos divinos e vivam sob o pesadelo de maiores calamidades.

Confiança na Mãe de Deus e dos homens
4. Mas, ao ponderardes a situação tão sobrecarregada de graves perigos, não deveis, veneráveis irmãos, deixarvos abater pelo desânimo, mas lembrados daquela palavra divina: "Pedi e dar-vos-á, buscai e encontrareis, batei e abrir-vos-á" (Lc 11, 9), com fé mais firme voltai-vos para a virgem Mãe de Deus, sob cujo manto encontrou sempre refúgio o povo cristão nas horas de perigo, pois que ela "foi constituída causa de salvação para todo o gênero humano" (S. Ireneu, Advers. haer., III, 22; PG, VII, 959.).

Devoção ao Rosário
5. Não é, pois, sem alegre expectativa e reavivada esperança, que vemos aproximar-se mais um mês de outubro, no qual os fiéis costumam acorrer com maior freqüência às igrejas para invocarem Maria por meio da devoção do santíssimo Rosário. Essa devoção, veneráveis irmãos, desejamos se faça este ano com o maior fervor de alma, como exigido pelas necessidades do mundo. É que bem sabemos quão grande eficácia e força tem a reza do terço para impetrar o materno auxílio da Virgem santíssima. Porque, embora não seja o único modo de orar capaz de nos atrair esse auxílio, contudo, cremos que o terço de nossa Senhora é meio ótimo e frutuosíssimo, como aliás no-lo indica veemente a sua origem mais celeste que humana, e a própria razão de ser.
6. Pois que há aí de mais apto e de mais belo que as flores de que se entretece esta grinalda mística – a oração dominical e a saudação angélica? E como às repetidas preces vocais ajunta a contemplação dos sagrados mistérios, resulta também, por modo extraordinariamente salutar, que todos, mesmo os rudes e iletrados, têm nele modo expedito e fácil de conservar e aumentar a fé. E realmente, com a meditação freqüente dos mistérios sagrados, a alma, insensivelmente, vai pouco a pouco haurindo e embebendo-se da força que eles encerram, inflamando-se maravilhosamente na esperança dos bens imortais, levada forte e suavemente a seguir os vestígios do próprio Cristo e de sua Mãe santíssima. E a recitação tão repetida das mesmas fórmulas, longe de ter algo de estéril ou de enfadonho, possui, pelo contrário, admirável virtude – como se pode experimentar – para incutir, nos que rezam, a confiança de serem ouvidos, e para exercer, sobre o maternal coração de Maria, uma espécie de suave violência!
7. Portanto, veneráveis irmãos, cuidai com o máximo empenho que os féis, aproveitando a oportunidade do mês próximo, cumpram esse dever tão frutuoso com a maior diligência possível, e que entre eles esta devoção obtenha cada dia maior divulgação e apreço. Que pela vossa ação o povo cristão compreenda a fundo a dignidade, a força e o valor do terço.

O terço em família
8. Mas é sobretudo dentro das paredes do lar que temos o desejo de ver reflorir por toda a parte o hábito assíduo da reza do terço, e seja religiosamente guardado e revigorizado com novo fervor. É que será vão o esforço de remediar a situação decadente da sociedade civil se a família, princípio e base de toda a sociedade humana, não se ajustar diligentemente à lei do evangelho. E nós afirmamos que, para desempenho cabal desse árduo dever, é sobremaneira conveniente o costume da reza do terço em família. Quão suave e profundamente agradável a Deus é o espetáculo do lar cristão que, ao cair de cada noite, ressoa com as harmonias dos reiterados louvores da augusta Rainha do Céu! Então essa prece comum reúne pais e filhos, de volta do trabalho do dia, em admirável união de almas, aos pés da imagem de Maria; depois une piedosamente com os ausentes, com os já falecidos; a todos, enfim, com suavíssimo vínculo de amor, liga mais estreitamente a virgem Maria, que, como mãe amantíssima, rodeada da coroa dos seus filhos, ali estará presente a infundir com profusão os dons da união e da paz doméstica. Então o lar da família cristã, ajustado ao modelo da família de Nazaré, tornar-se-á mansão de santidade na terra e quase templo sagrado, em que a reza do Rosário de Maria não será apenas particular forma e modo de oração a subir cada dia ao céu em cheiro de suavidade, mas eficacíssima escola de disciplina e virtude cristã. Efetivamente, os admiráveis mistérios da redenção, propostos à contemplação, hão de fazer que os mais idosos, tendo ante os olhos os exemplos luminosos de Jesus e de Maria, se habituem a passá-los, dia a dia, à prática da vida, deles possam haurir conforto nas angústias e adversidades e, por eles movidos, frutuosamente se lembrem dos tesouros dos bens celestes "aos quais não chega o ladrão, nem rói a traça" (Lc 12, 33). E farão que nas mentes das crianças se vão penetrando as principais verdades da fé cristã, de tal maneira que floresça quase espontaneamente nos seus corações inocentes o amor ao Redentor benigníssimo, ao mesmo tempo que logo desde a tenra idade, sob a luz do exemplo dos pais que reverentemente ajoelham ante a majestade de Deus, aprendem a conhecer o valor da oração feita em comum.

O Rosário, força da Igreja e aurora de melhores dias
9. De novo, pois, e categoricamente, não hesitamos em afirmar em público que depositamos grande esperança no Rosário de nossa Senhora como remédio dos males do nosso tempo. Porque não é pela força, nem pelas armas, nem pelo poder humano, mas sim, pelo auxílio alcançado por meio dessa devoção, que a Igreja, munida desta espécie de funda de Davi, consegue impávida afrontar o inimigo infernal, ao qual bem pode dirigir as palavras do pastorzinho adolescente: "Tu vens contra mim de espada, lança e escudo, e eu vou contra ti em nome do Deus dos exércitos...; e saberá toda esta multidão que não é com espada nem com lança que o Senhor salva" (1 Rs 17, 44.49).
10. Por isso desejamos veementemente que todos, veneráveis irmãos, seguindo o vosso exemplo e a vossa exortação, correspondam religiosamente a estas nossas paternais advertências, em união de ânimos e de palavras, no mesmo ardor de caridade. Se males e esforços dos maus aumentam, aumente também e vigore, dia a dia mais, o zelo de todos os bons, os quais devem procurar insistentemente alcançar, da nossa Mãe amantíssima, principalmente por este modo de oração, que lhe é, por certo, tão caro, que para a Igreja e para a sociedade humana alvoreçam, quanto antes, tempos melhores.

As intenções do papa
11. Que ela nos alcance, peçamos-lhe todos, de seu unigênito Filho, como Mãe poderosíssima de Deus, instada pelas preces de tantos filhos, que aqueles que, por infelicidade sua, se afastaram da verdade e da virtude, a elas voltem com alma nova; que os ódios e rivalidades que são fonte de discórdias e misérias de toda a ordem, se apaziguem e harmonizem felizmente; que brilhe auspiciosamente a paz, uma paz verdadeira, justa e sincera para os indivíduos, para as famílias, para os povos e nações; finalmente, que, salvaguardados os direitos da Igreja como é de sacrossanta justiça, aquela força benfazeja que dela brota livremente para os espíritos dos homens, para as classes da sociedade civil, para as artérias do próprio organismo da coisa pública, ajunte em fraterna aliança toda a família das nações e a conduza àquela prosperidade que harmonize, garanta, e conjugue os deveres e os direitos de todos, a ninguém lese, e se afirme, por mútua união de sentir, agir e colaborar, cada vez mais florescente.

Oremos pelos que mais sofrem
12. E não esqueçais, veneráveis irmãos e queridos filhos, ao desfiardes, em prece de novo fervor, as contas do terço de nossa Senhora, não esqueçais, dizemos, os que no cativeiro, nas prisões, nos campos de concentração se encontram infelizmente detidos. Como sabeis, há entre eles membros do venerando episcopado, afastados violentamente das suas sedes precisamente por terem defendido com valentia os sacrossantos direitos de Deus e da Igreja; há filhos, pais e mães de família arrancados para longe do lar doméstico e condenados a levar vida miserável, por terras desconhecidas e sob outros céus e outros climas. Tal como nós amamos a todos esses com afeto particular e os abraçamos com paternal carinho, assim também vós, animados daquela caridade fraterna que deriva da religião cristã e é por ela fomentada, unindo às nossas as vossas preces diante do altar da Virgem Mãe de Deus, os encomendareis ao seu coração maternal. Ela, sem dúvida, com doçura especial, lhes aliviará o sofrer, reavivando-lhes no peito a esperança do prêmio eterno, e não deixará também, como firmemente confiamos, de apressar, quanto antes, o fim de tantas dores.

CONCLUSÃO
Terço pelas intenções do romano pontífice
13. Não duvidando que vós, veneráveis irmãos, com o costumado zelo ardente dareis conhecimento ao vosso clero e ao vosso povo, da maneira que vos parecer mais oportuna, desta nossa paterna exortação, e certos também de que os nossos filhos, esparsos por todas as partes do mundo, corresponderão de bom grado a este nosso convite, em testemunho da nossa gratidão e penhor das graças celestes, a vós todos, ao rebanho confiado a cada um de vós – nomeadamente aos que, durante o mês de outubro em especial, recitarem devotamente o terço pelas nossas intenções-, concedemos com efusão de coração a bênção apostólica.

Dado em Roma, junto a São Pedro, no dia 15 de setembro, festa das sete dores da santíssima virgem Maria, no ano de 1951, XIII do nosso pontificado.
 PIO PP. XII

Que é o mundo? E que deve ele ser para o cristão?

Excerto retirado do
Manual da Almas Interiores
Compêndio de Opúsculos Inéditos
Pe. Grou
Livro de 1932 - 428 págs


Do Mundo
Que é o mundo? E que deve ele ser para o cristão? Duas questões bem interessantes para todos quantos desejam pertencer inteiramente a Deus e assegurar a salvação.
 Que é o mundo? É o inimigo de Jesus Cristo, o inimigo do Evangelho. É esse conjunto de pessoas que, presas às coisas sensíveis, fazendo consistir nelas a felicidade, têm horror aos sofrimentos, à pobreza, as humilhações e consideram estas e aqueles, como verdadeiros males de que cumpre fugir e contra os quais de deve estar garantido, custe o que custar; que, em contraposição ligam o maior apreço aos prazeres, as riquezas e as honrarias; reputam umas e outras, verdadeiros bens; os desejam e buscam portanto, com ardor extremo e sem escolherem os meios; os disputam, invejam e arrebatam uns e outros; só se estima ou desprezam-se mutuamente, na medida em que os possuem; em suma, fundam na aquisição e no gozo desses bens todos os seus princípios toda a sua moral, todo o plano de sua conduta.
 O espírito do mundo é, pois, evidentemente oposto ao espírito de Jesus Cristo e do Evangelho. Jesus Cristo, na oração por Seuseleitos, declara não orar pelo mundo; anuncia, aos Apóstolos e, nas pessoas destes, a todos os cristãos, que o mundo os há de odiar e perseguir, como a Ele próprio odiou e perseguiu. Quer que a seu turno façam eles contínua guerra ao mundo.
 Nos primeiros séculos da Igreja, quando quase todos os cristãos eram santos e a parte restante da humanidade achava-se abismada na idolatria, fácil tornava-se discernir o mundo, conhecer a gente que se podia frequentar e a que se devia evitar.
 O mundo, então desencadeado contra Jesus Cristo, distinguia-se por sinais inequívocos. Depois que nações inteiras abraçaram o Evangelho e o relaxamento se introduziu entre os cristãos, formou-se pouco a pouco no meio deles um mundo no qual reinam todos os vícios da idolatria, um mundo ávido de honras, prazeres e riquezas, um mundo cujas máximas combatem diretamente as máximas de Jesus Cristo.
 Mas, como esse mundo professa exteriormente o cristianismo, hoje é mais difícil discerni-lo. A sua frequentação também se tornou mais perigosa porque ele disfarça sua má doutrina com mais habilidade, propaga-a com mais tento, emprega toda a sua sutileza para conciliá-la com a doutrina cristã e, nesse intuito, enfraquece, suaviza tanto quanto pode o santo rigor do Evangelho escondendo cuidadosamente, por outro lado, todo o veneno da sua moral.
 Daí um perigo de sedução tanto maior porquanto não se percebe e contra ele não se está em guarda; daí certo espírito de transigência e adaptação, pelo qual procura-se conciliar a severidade cristã com as máximas do século sobre a ambição, a cobiça, o gozo dos prazeres; acordo impossível, condescendências ou atenuações que tendem a lisonjear a natureza, alterar a santidade cristã e formar consciências falsas. É incrível a que ponto chega o desconcerto, mesmo entre pessoas que se prezam de ser piedosas e devotas: desvario num sentido mais difícil de reprimir do que o resultante de uma conduta abertamente mundana e criminosa, porque não querem reconhecê-lo e a seu respeito se iludem.
 Se quisermos viver nesta terra sem participar da corrupção do século, só temos um partido a tomar, o de rompermos absolutamente com o mundo pelo coração e entrarmos a sentir com São Paulo, quando exclamava: O mundo está crucificado para mim, e eu estou crucificado para o mundo.
 Oh! que belas palavras, e quão profundo o sentido que encerram!
 A cruz era outrora o suplício mais infame, o suplício dos escravos.
 Dizendo o Apóstolo que o mundo está crucificado para ele, é como dissesse: Tenho pelo mundo o mesmo desprezo, a mesma aversão, o mesmo horror que por um vil escravo crucificado pelos seus crimes: não posso suportar-lhe a vista, ele é para mim objeto de maldição, com o qual toda ligação em todo trato e toda relação me são interditos.
 Nada de exagerado tem, ao invés, apenas justo e legítimo é esse sentimento de São Paulo, que deve ser o de todo cristão e a razão é evidente: o mundo crucificou Jesus Cristo, depois de havê-lO caluniado, insultado, ultrajado; crucifica-O ainda todos os dias: é, pois, justo que o mundo, por sua vez, esteja crucificado para o discípulo de Jesus Cristo; é justo ter o discípulo horror ao inimigo capital do Mestre, do seu Salvador, do seu Deus. Assim a renúncia ao mundo é uma das promessas mais solenes do batismo, uma condição essencial, sem a qual a Igreja não nos teria admitido entre seus filhos.
 Pensamos nessa promessa?
 Pensamos nas obrigações que ela acarreta?
 Examinamos até onde deve chegar a nossa renúncia?
 A renúncia do cristão a respeito do mundo deve ir tão longe quanto a renúncia do mundo a respeito de Jesus Cristo.
 Esta regra é clara e em face da sua precisão fora impossível nos enganarmos. Só nos resta aplicá-la em toda a extensão. O mundo tem o seu evangelho: só temos que tomá-lo numa das mãos e o Evangelho de Jesus Cristo na outra; só temos que comparar, sobre os mesmos objetos, a doutrina e os exemplos de um e de outro,  só temos que opor Jesus Cristo na Cruz, no sofrimento, no opróbrio e na nudez, ao mundo cercado e embriagado de honras, riquezas e prazeres, e dizer a nós mesmos: A quem desejo pertencer?
 Eis aí dois inimigos irreconciliáveis, fazendo-se reciprocamente a guerra mais cruel. A favor de qual deles desejo declarar-me? É-me impossível ficar neutro, ou tomar o partido de ambos. Se escolho Jesus Cristo e a Sua Cruz, o mundo me reprova; se me prendo ao mundo e às suas pompas, Jesus Cristo me rejeita e condena: poderei hesitar? É cristão aquele que hesita sequer um instante?
 Mas, se uma vez nos alistamos sob o estandarte da Cruz, não é evidente que desde esse momento o mundo se torna inimigo com o qual não há mais a fazer pazes nem lhe dar tréguas?
 Como isso vai longe, ainda uma vez! e como os cristãos seriam santos se da grandeza de seus compromissos bem se compenetrassem.
 Não basta estar o mundo crucificado para nós, é preciso que consintamos estar também crucificados para o mundo, isto é, que o mundo nos crucifique como crucificou a Jesus Cristo; nos guerreie do mesmo modo que guerreou a Jesus Cristo; nos persiga, calunie e ultraje com igual furor; nos arrebate, finalmente, os bens, a honra, a própria vida.
 É mister não só consentirmos em todos esses sacrifícios de preferência a renunciarmos à santidade cristã, mas também fazer disso motivo de alegria e triunfo. O discípulo deve gloriar-se de ser tratado como o Mestre: Se eles me perseguiram, dizia Jesus Cristo a Seus Apóstolos, também vos perseguirão: é coisa infalível. O mundo não seria o que é, ou os cristãos não seriam o que devem ser, se escapassem à perseguição do mundo.
 Procuramos muitas vezes certificar-nos do nosso estado; quiséramos saber se somos agradáveis a Deus, se Jesus Cristo nos reconhece como pertencentes a Ele. Eis um meio bem próprio para esclarecer-nos e dissipar todas as nossas inquietações: indaguemos se o mundo nos estima e considera, se fala bem de nós e nos procura. Neste caso não pertencermos a Jesus Cristo. Pelo contrário, se ele nos censura e ridiculariza, se nos calunia foge de nós, nos despreza e odeia, oh! que grande motivo de consolação, oh! que poderosa razão para crermos que pertencemos a Jesus Cristo!
 Vejamos, pois, seriamente diante de Deus, o que o mundo é para nós e o que somos para o mundo. Sondemos as nossas disposições interiores, estudemos os sentimentos mais profundos do nosso coração: acharemos por certo, motivo para nossa confusão e humilhação; verificaremos haverem as máximas do mundo deixado profundos vestígios em nosso espírito e que em muitas circunstâncias delicadas os nossos juízos se aproximam ainda dos seus; verificaremos que somos ciosos de sua estima e temeremos seus desprezos; que gostamos de cultivar e entreter certas relações e veríamos com desprazer os outros afastarem-se de nós; que temos, em várias ocasiões, condescendências, atenções, respeitos humanos que nos incomodam peiam e conservam numa espécie de constrangimento e dissimulação. Veremos, numa palavra, que não somos bem claramente a favor de Jesus Cristo e contra o mundo.
 Mas não desanimemos: triunfar plenamente do mundo, afrontá-lo, desprezá-lo, achar bom que por sua vez ele nos afronte e despreze, não é obra de um momento. Exerçamo-nos nas pequenas ocasiões que se apresentam: se Deus nos ama, jamais deixará de no-las proporcionar e pelas pequenas vitórias reparemo-nos aos grandes combates. Lembremo-nos, sendo preciso, das palavras de Jesus Cristo: Tende confiança, eu venci o mundo. Supliquemo-Lhe que nos ajude a vencer, ou antes, que Ele mesmo vença em nós o mundo e destrua em nossos corações o reino deste para aí estabelecer o Seu.