SÃO JOSÉ
Na Vida de Cristo e da Igreja
Na Vida de Cristo e da Igreja
Pe. Maurício Meschler, S.J.
Edição de 1943
4.
NO
TEMPLO DE JERUSALÉM
Decorridos
quarenta dias do nascimento de Jesus em Belém, chegou o momento em que o Menino
devia ser apresentado ao Senhor no templo e Maria sua mãe devia oferecer um
sacrifício para a sua própria purificação.
Em
testemunho dos seus direitos sobre o povo escolhido, ou como autor de toda
paternidade, ou por haver libertado Israel da servidão do Egito, Deus queria
não somente que os levitas lhe fossem especialmente consagrados, mas ainda que
todo primogênito dos hebreus lhe fosse apresentado e resgatado ao preço de
cinco siclos. A apresentação devia fazê-la o pai, trinta dias — ou mais tarde —
após o nascimento do menino. Quanto à mãe, quarenta dias depois de haver dado à
luz um filho, devia ela purificar-se da impureza legal contraída, oferecendo em
sacrifício um cordeiro ou, se fosse pobre, duas rolas.
São
José partiu de Belém, grato para com todos os que tinham podido testemunhar-lhe
qualquer bondade, grato sobretudo para com Deus por todas as alegrias que lhe
trouxera o nascimento de Jesus, a adoração pelos pastores, a revelação
maravilhosa e a circuncisão.
Atravessou
de novo o planalto de Refaim, que a primavera começava a embelezar com os seus
primeiros adornos.
Outrora,
Abraão seguira aquele mesmo caminho quando ia imolar seu filho Isaac nomonte
Moria. Das alturas que coroam o vale de Hinon, a Sagrada Família avistou
Jerusalém, com suas muralhas ameiadas, a poderosa cidade de Davi, o Templo e,
no fundo, o Montedas Oliveiras.
José,
com o Menino e sua mãe, pernoitou na cidade ou num dos subúrbios. No dia
seguinte, à hora do sacrifício matutino, a Sagrada Família dirigiu-se ao Templo
e, pela primeira vez, o Salvador contemplou com seus olhos mortais o santuário
de Deus entre seu povo, os pórticos, as pontes, as muralhas, o recinto, o átrio
dos Gentios pelo qual se chegava, por degraus, à grande porta de Nicanor.
Aí
se achava um ancião de aspecto venerando, que parecia esperá-los. Avançando ao
encontro deles, inclinou-se respeitosamente e abriu os braços como que para
receber o Menino-Deus. Era Simeão, que o impulso do Espírito Santo conduzira ao
templo para saudar o Salvador. Maria confiou-lhe o Menino.
Fra
Angélico representa-nos o arroubo do santo ancião: Simeão segura Jesus nos
braços e contempla-o como se contempla um semblante querido, conhecido e amado
desde muito. À vista da beleza eternamente jovem do seu Deus, Simeão sentiu o
coração rejuvenescer-se, seus lábios se entreabriram e ele entoou aquele
cântico de ação de graças que a Igreja repete cada noite para agradecer ao
Senhor. Dir-se-ia os olhos de Jesus lhe haviam proporcionado grandiosa visão, a
visão de todos os mistérios do Homem-Deus até o desfecho sangrento do Calvário.
No seu cântico, o ancião rendia graças ao Senhor por haver chegado a sua hora e
ter podido ver a Salvação do mundo. Agora, ele morreria em paz, pois a vida não
tinha nada de mais belo a lhe oferecer. Aquele Menino — a Luz verdadeira — que
suas mãos trêmulas elevavam agora no templo, ele a via espalhar-se não somente sobre
Israel, mas até nas ilhas mais remotas e sobre as nações pagãs. Mas, com
tristeza e dor, previa também que aquela Luz seria um juízo; que aquele Menino
se tornaria uma pedra de escândalo e um sinal de contradições para muitos,
através de todos os tempos, não só entre os pagãos, mas no próprio seio de
Israel. Profundamente comovido, devolveu o Menino à mãe, a quem predisse misteriosos
sofrimentos sob a imagem de um gládio que traspassaria o coração e a alma de
Maria.
Nesse
ínterim, sobreveio Ana. Era "uma viúva
muito avançada em idade; não saia do templo, servindo a Deus com jejuns e
orações dia e noite” (Lc 2,37). Por sua vez, reconheceu ela em Jesus o
Salvador, o Messias. Nas suas faces pálidas e emagrecidas, no seu olhar apagado
pelos anos, viu-se o reflexo de uma alegria celestial. E “ela pôs-se a louvar o Senhor e a falar dele a todos os que esperavam a
redenção de Israel” (Lc. 2,38).
Maria
e José admiravam em seu coração como, por testemunhos tão diversos, no céu e na
terra, Deus revelava sempre mais a glória do Menino e os futuros acontecimentos
da sua vida mortal.
Essa
última revelação assumia uma importância singular, por suceder no próprio
templo, por ser feita mediante personagens de santidade notória e em presença
de grande número de testemunhas, por predizer, enfim,destinos excepcionais.
Mas, profetizando assim o futuro do Menino, Simeão abrira nos corações de Maria
e de José uma ferida que não mais se fecharia.
—
“Que será deste Menino bem-amado?” —
ter-se-á perguntado José, muitas vezes, apertando Jesus de encontro ao coração,
vendo-o crescer incessantemente em graça e sabedoria. Não terá derramado
lágrimas, lágrimas a um tempo de amor e de dor? Talvez, antes de deixar esta
terra, Deus o tenha feito ver entreabrir-se o véu misterioso, permitindo aos
seus olhos devassarem claramente o futuro...
Transpondo
a balaustrada de pedra que separava o átrio dos Gentios do templo propriamente
dito, Maria e José galgaram os degraus que conduziam à grandiosa porta de Nicanor.
Perto dali, à direita, procedia-se aos ritos da purificação para as mulheres
após o nascimento de um filho. Deviam elas apresentar-se ao sacerdote, que
recitava sobre elas alguma oração e uma fórmula de bênção, franqueando-lhes
novamente o acesso ao átrio das mulheres. Ali também se viam mealheiros
destinados a receber as ofertas para os diversos sacrifícios. Conforme a
quantia recolhida, imolava-se, após o sacrifício público da manhã, número maior
ou menor de cordeiros e de rolas.
Maria
submeteu-se à cerimônia da purificação, como seu filho se submetera à lei
ritual da circuncisão. Na intenção do legislador, porém, e consoante o espírito
da própria lei, ela a isso absolutamente não estava obrigada.
A
partir do século XIII, a arte religiosa não deixa de nos mostrar São José
presente à cerimônia da purificação. Ele traz numa cesta ou gaiolinha as rolas
do sacrifício.
Após
essa cerimônia — ou mesmo enquanto ela se efetuava — o pai oferecia seu filho
primogênito ao Senhor e resgatava-o a preço de dinheiro. Segundo o rito
prescrito, São José, na qualidade de pai, entregou o Menino a um sacerdote que,
elevando-o nos braços e volvendo-se para o Santo dos Santos, o ofereceu ao
Senhor e, após o pagamento dos cinco siclos, o restituiu ao pai, pronunciando
uma bênção.
Dignou-se
o Salvador submeter-se à cerimônia da apresentação no templo. De certo, Ele não
precisava ser consagrado ao Senhor, nem ser santificado. A união da sua humanidade
santa com a Segunda Pessoa da Divindade santificava-o e unia-o a Deus melhor do
que o podia fazer um sacramento ou um rito qualquer. Nunca, no Antigo
Testamento, fora oferecido sacrifício mais excelente no templo. A grandeza, beleza
e glória desse sacrifício iluminavam o templo, a terra inteira, a
universalidade dos séculos e, pelo seu contraste, faziam ressaltar a
insignificância e insuficiência do antigo culto.
Naquele
dia, porque o Messias acabava de entrar nele, o templo brilhava no esplendor em
que o profeta (Ag 2,10) o contemplara. Esse sacrifício reunia em si só todos os
sacrifícios da lei antiga; por ele, o sacerdócio antigo atingia o apogeu da sua
glória. O próprio Deus acolheu a oferta ainda mais misericordiosamente do que
no dia solene em que Salomão celebrou a dedicação do templo.
Ali
mesmo, no monte Moria, o patriarca Abraão, oferecera ao Senhor seu filho
primogênito. Agora, eis que outro Abraão, incomparavelmente mais justo que o
primeiro; incomparavelmente mais caro a Deus, renova o sacrifício. É São José.
E Deus faz do esposo de Maria o patriarca da nova lei. Se Maria, Simeão e Ana
acompanharam José nessa cerimônia, glorificando o Senhor e repetindo as
palavras do salmista: — “Deus é bom,
eterna é a sua misericórdia: no meio de vosso templo sentimos a vossa
misericórdia”, não era isso de alguma sorte a primeira procissão da
Candelária, essa “festa de luzes” que
sempre esteve e sempre estará em honra na Igreja?
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