SÃO JOSÉ
Na Vida de Cristo e da Igreja
Na Vida de Cristo e da Igreja
Pe. Maurício Meschler, S.J.
Edição de 1943
6. À PROCURA DE JESUS EM JERUSALÉM
6. À PROCURA DE JESUS EM JERUSALÉM
Depois
da tormenta da perseguição, depois das tristezas do exílio, eis que principiou
a vida oculta do Salvador, período de calma, de tranquila doçura, de felicidade
doméstica para a família de São José. Uma única vezes a paz foi perturbada por
um sofrimento pungente — quando Jesus atingiu os seus doze anos.
Era
o tempo da Páscoa. Nos vértices de todas as montanhas circundantes, durante a
noite, acendiam-se fogos para anunciar a festa da lua nova do mês de Nizan. As
estradas estavam apinhadas de peregrinos que se dirigiam a Jerusalém para a
grande solenidade da Páscoa. Nos povoados e aldeias, as pessoas se reuniam em
caravanas, formando os homens um grupo e as mulheres outro. Nos vales ecoava o
canto dos salmos.
Contava
Jesus doze anos. Tornado “filho da lei”,
devia daí em diante observar os jejuns prescritos e ir a Jerusalém na época das
três grandes festas do povo judeu. Era, pois, a sua primeira peregrinação legal
à cidade santa. Os campos haviam-se revestido dos seus adornos primaveris.
Grande foi a alegria de todos, mormente quando, por trás dos antigos santuários
de Silo e Betel, apareceu ao longo Jerusalém, coroando as alturas, com seus
muros, suas torres, seus palácios, suas cúpulas e seu templo. Dir-se-ia uma
visão do céu.
Os
peregrinos recebiam hospedagem em casa dos parentes ou amigos, ou então com
pouca despesa achavam abrigo para os dias de festa. A Sagrada Família
conformou-se ao uso. No dia 14 de Nizan, à noite, comia-se o cordeiro pascal. A
15, celebrava-se no templo o sacrifício solene, e todos os homens deviam
comparecer. À noite desse mesmo dia, em presença do povo, o primeiro feixe de
espigas de cevada era levado ao templo, oferecido no dia seguinte em
sacrifício, e depois consumido pelo fogo. Essa oblação das primícias marcava o
começo da ceifa. Os peregrinos então, podiam regressar para casa.
Reunidos
a galileus e a habitantes de Nazaré, José e Maria deixaram Jerusalém. À noite,
na primeira parada, — provavelmente em Beroth, — Jesus não se achou com eles.
Pensando que estivesse com parentes ou amigos, a princípio eles não se
inquietavam. Mas, que dolorosa surpresa quando, apesar da espera e das procuras
entre os diversos grupos, não o descobriram e nem sequer puderam colher
qualquer informação! A preocupação não lhes permitiu conciliar o sono.
O
dia seguinte ainda foi um dia de tristeza. Eles retomaram a estrada de Jerusalém,
interrogando a quem encontravam, percorrendo as ruas da cidade. Mas, ai, sem
resultado!
A
angústia tornava-se cada vez mais pungente. Que era feito do Menino? Quantos
motivos para temer, motivos de ordem natural e de ordem sobrenatural, a
experiência do passado, o receio pelo futuro, sem falar da sua fé e do seu
amor! Onde estava então Jesus? Seria já o gládio predito por Simeão, e
começaria a realizar-se a temível profecia? Quem dirá qual a dor de José e
Maria, os seus suspiros, as suas lágrimas? Por ocasião da fuga para o Egito, eles
haviam sofrido, sem dúvida; mas, ao menos, possuíam Jesus. Jesus então estava com eles.
Apesar de tudo, entretanto, permaneceram submissos a Deus, na paciência e na
humildade. Talvez fosse a sua própria indignidade que os privava dessa presença
bendita! Acabaram agradecendo a Deus a honra e a ventura com que até ali tinham
sido contemplados. Este próprio pensamento e o pesar que sentiam
estimulava-lhes o zelo em procurar o Salvador. Como terminou tristemente aquela
festa da Páscoa, com tanta alegria começada!
Assim
se passaram aquele dia, a noite e uma parte do dia seguinte. Finalmente, desolados,
esgotados todos os expedientes, chegaram ao templo.
Enquanto
Maria e José o procuravam, Jesus, obedecendo a seu Pai Celeste, deixara seus
pais. Pôde fazê-lo tanto mais despercebido quanto, no templo e durante a
peregrinação, os homens e as mulheres formavam grupos separados. Talvez ele
tivesse passado a noite no Monte das Oliveiras, ou nalguma hospedaria pública,
e houvesse mendigado um pedacinho de pão. Após a partida de Maria e José ou no
dia seguinte, Ele foi ao templo. Entrou no terraço ou na sala, onde doutores da
lei, nacionais e estrangeiros, ensinavam e respondiam às interrogações dos
ouvintes.
Jesus
sentou-se entre os discípulos e, ou porque aparecia reiteradamente, ou porque o
encanto da sua pessoa e a sabedoria das suas perguntas e respostas
impressionaram todos os espectadores, atraiu ele a atenção dos próprios
doutores. No terceiro dia, ainda lá estava, "e todos os que o ouviam estavam cheios de admiração” (Lc 2,47).
Deixando
o lugar de honra que ocupavam, os mestres da lei aproximaram-se dele, e tinham
evidente prazer em interrogá-lo. Ou então para melhor ouvi-lo, talvez o tivessem
feito assentar a seus lados. Em todo caso, de acordo com o relato evangélico
(Lc 2,46), tratava-se de um fato insólito, de uma atenção que não estava nos
hábitos dos doutores. Qual fosse o assunto da discussão, apenas podemos
conjecturar. Talvez se tratasse do advento do Messias. Seja como for, naquele
santuário da ciência isso era uma espécie de revolução: os doutores recebendo
lições de um menino e testemunhando-lhe uma deferência respeitosa! Não havia nisso
uma profecia de acontecimentos futuros?
Foi
nesse momento que Maria e José entraram. “Ficaram
cheios de admiração” diante do espetáculo (Lc 2, 48). Ainda angustiada pela
dor, mas feliz ao mesmo tempo por encontrar seu Filho bem-amado, Maria lhe disse:
—
“Filho, por que nos fizeste isto. Eis que
teu pai e eu andávamos à tua procura cheios de aflição”.
Jesus,
levantou-se e respondeu solene e majestosamente — “Porque me procuráveis? Não sabíeis que tenho de estar na casa de meu
Pai?” (Lc 2,49).
Havia
em Jesus tal majestade, havia tal gravidade nas suas palavras, que Maria e José
se encerraram no silêncio, cheios de admiração e penetrados de respeito.
Depois, Jesus “desceu com Eles e veio
para Nazaré” (Lc 2,51).
Era
bem natural que na requintada sensibilidade do seu coração, Maria manifestasse
a sua dor pelas palavras dirigidas a Jesus. José, que observava sempre todas as
coisas com solicitude paternal, parece ter guardado silêncio. Ele meditava, no
recolhimento, o mistério que acabava de passar-se. Mistério, com efeito:
mistério profundo! Jesus abandona seus pais, causa-lhes essa dor cruel,
lança-os na angústia quando até então lhes testemunhara tanta obediência!
Revela-se em público e no templo atrai sobre si todos os olhares, enquanto até
então vivera na humildade, no silêncio e na obscuridade. Esse mistério é o
prelúdio e o anúncio da sua missão messiânica, da sua vida pública, da
manifestação da sua divindade com circunstâncias particulares de pobreza e de
renúncia absolutas; e mesmo, no dizer dos santos Padres, é o prelúdio do
anúncio de sua morte e da sua permanência de três dias no túmulo.
Mas,
ao mesmo tempo, esse mistério nos indica o papel especial de São José, suas
relações com a vocação messiânica de Jesus. Ele aparece aqui com seu título de
pai legal do Salvador: Maria dá-lhe esse nome de pai;menciona-o
antes de si mesma. Todavia, Ele é apenas o pai legal, e, na sua resposta, Jesus
fala de outro Pai; e a obediência a este Pai é o seu primeiro dever, a sua
missão toda.
Vemos
igualmente José associado à missão messiânica do Salvador na dor e no sofrimento
3. Aqui, todos — Maria, José, o próprio Jesus — já são, nesse mistério, vítimas
dessa vocação. O gládio de Simeão, que no Calvário devia traspassar a alma de
Maria, nesse dia fere também o coração de José.
Finalmente,
o santo patriarca é associado às alegrias e à honra. Esse mistério constitui
uma revelação do Salvador, revelação gloriosa, revelação singularmente graciosa,porque
pela primeira vez o próprio Jesus se manifesta, deixando transparecer algo da
sua sabedoria divina, alguns traços da sua beleza. E é tal o encanto que,
apesar do orgulho da sua ciência e da obstinação do seu espírito, os doutores
da lei se inclinam perante o Salvador, no seu templo. Que alegria, que honra
para São José ser o pai daquele Menino, ser junto a ele o representante do Pai
Celeste.
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