SÃO JOSÉ
Na Vida de Cristo e da Igreja
Na Vida de Cristo e da Igreja
Pe. Maurício Meschler, S.J.
Edição de 1943
6. FUGA PARA O EGITO
6. FUGA PARA O EGITO
A
paz, entretanto, não tardaria a ser perturbada. Na mesma noite, “um anjo do Senhor apareceu, em sonho, a José
e lhe disse: Levanta-te; toma o menino e sua mãe, foge para o Egito, e fica lá
até que eu te avise, porque Herodes vai procurar o menino para o matar” (Mt
2,13).
Cada
palavra dessa mensagem pedia um sacrifício e criava uma dificuldade. Quantas
idas e vindas para São José desde que o Salvador está com ele! O repouso nunca
virá, pois! Fugir é sempre doloroso e difícil, mormente com uma mulher e um
menino. Retirar-se para o Egito, para tão longe, para entre povos pagãos! E por
quanto tempo? Quando se tratara de defender seu povo contra o Faraó ou contra
Senaquerib, Deus realizara milagres e enviara anjos, ao passo que, nesta hora
tão penosa, aparentemente nada empreendia a favor de seu Filho.
Que
fará São José? O Evangelho no-lo diz:“Levantando-se,
José tomou o menino e sua mãe durante a noite, e retirou-se para o Egito”
(Mt 2,14). Nem uma só queixa! Nem uma só objeção! Nem um sinal de inquietação!
Tal é São José, o homem da obediência, da confiança em Deus, o homem segundo o
coração de Deus.
Calmamente,
ele acordou Maria e o menino. Um olhar sobre Jesus adormecido diz- lhe o
bastante. Se Deus, feito homem, se esse Deus tornado por nós uma débil criança
já permite ser odiado e perseguido, se consente em fugir ante suas criaturas,
se quer ser protegido por José, tudo isso não é mais do que suficiente para ele
aceitar tudo, para se submeter sem reserva?
Em
breve os preparativos estavam concluídos. O próprio José encarregou-se de uma parte
das modestas bagagens. A humilde cavalgadura levou o resto. E enquanto os
homens repousavam em paz em suas moradas, a Sagrada Família deixou Belém e
dirigiu-se, ao sul, para a cidade de Hebron, sem descontentamento, sem
precipitação, mas abandonando-se a Deus. É assim que um baixo relevo do século
XIII (Notre-Dame de Paris) nos representa essa partida. São José conduz a cavalgadura
pela brida. Seus olhares estão fitos em Maria e em Jesus. Fra Angélico
mostra-no-lo caminhando atrás, carregado de algumas bagagens; seu olhar, cheio
de confiança, dirige-se para a frente; ele só pensa em ir aonde Deus o chama.
Hebron,
o sítio da sepultura de Abraão, Isaac e Jacó, ficava num vale fértil, a cerca
de seis léguas para o sul. A estrada atravessa as montanhas de Judá, outrora
arborizadas de robustos carvalhos. De Hebron a Bersabée, o trajeto comporta
cinco horas de marcha. Depois, o viajor ruma para o mar através das planícies
que o patriarca Abraão percorreu outrora com seus rebanhos. Pode-se admitir
também que a Sagrada Família tenha escolhido a estrada direta que, passando por
Eleuterópolis, conduz a Gaza e que exige cerca de dez horas. A partir de Gaza,
o caminho a beira- mar. A verdura rareia cada vez mais, e então, no “Córrego do Egito”, começa uma estrada
longa, deserta, triste, que leva em nove dias às margens do Nilo, através do
pequeno deserto de Arábia com suas dunas de areia.
Como
se vê, é uma viagem de cerca de cento e cinquenta léguas, a ser feita em trinta
a quarenta dias. Aos israelitas errantes no deserto Deus havia dado
milagrosamente a água e o maná. A Escritura não nos diz que semelhantes favores
tenham sido concedidos à Sagrada Família. O certo é que os santos viajores
tiveram de sofrer fadiga, o calor do dia, a frescura da noite, os mil incômodos
de uma hospedagem tão sumária como a dos “khans”,
aliás raríssimos, que encontravam ao longo do trajeto. Suportavam tudo com
alegria. Tratava-se de salvar o Menino; e, afinal de contas, todos esses males
passavam, como passam todas as coisas deste mundo, tanto os sofrimentos como as
alegrias.
Alcançando
o primeiro braço do Nilo, a terra do Egito abriu-se-lhes qual paraíso de beleza
e fertilidade maravilhosas. Estavam na terra de Gosen, habitada outrora pelos
israelitas. A Sagrada Família parece ter ido até Heliópolis, nas proximidades
da atual cidade do Cairo.
Entrementes,
no palácio de Davi, em vão aguardava Herodes a volta dos Magos. “Reconheceu que fora enganado pelos magos.
Encheu-se de grande ira e mandou matar em Belém e nos arredores todos os
meninos de dois anos para baixo... Cumpriu-se então a palavra do profeta
Jeremias que diz: Em Roma se ouvem clamores, grande pranto e lamentações; Raquel
chora seus filhos e não quer aceitar consolação, porque eles já não existem”
(Mt 2, 16-18).
Decorrera
um ano apenas desde que a Sagrada Família, atravessando o planalto de Refaim
entre Belém e Jerusalém, chegara ao sítio onde, com a tristeza no coração, Jacó
sepultara Raquel; ignorava ela que tão cedo se cumpririam as palavras proféticas
e que naquelas paragens,tão cheias de paz, ecoariam gritos de dor justamente
por causa do Menino que Maria trazia nos braços e por quem José velava com
tanta solicitude. Escapou precisamente aquele que levou Herodes a ordenar a
matança cruel dos santos Inocentes: estava no Egito, em segurança a guarda
paternal de José.
A
vida dos exules foi, como bem se pode imaginar, uma vida de trabalhos e de
sofrimentos, mas também de alegrias. Dizem que São José se fixou em Babilônia,
um subúrbio da moderna cidade do Cairo, talvez nalguma viela estreita, sombria,
dominada por casas altas. Venera-se lá, ainda hoje, uma habitação que teria
sido a da Sagrada Família. Outrora, José, filho de Jacó — figura do nosso santo
patriarca — mandara no Egito: poderoso, honrado por todos, alimentara o povo de
Deus abrindo-lhe os celeiros. Mas o Salvador quis ser pobre. Por isso, José e
Maria também amavam a pobreza. À custa de numerosas privações, naquela terra
estranha, eles sustentaram com o trabalho de suas mãos Aquele de quem toda
criatura recebe o ser e a subsistência. José exercia o ofício de carpinteiro;
Maria cosia e fiava.
Terá
sido especialmente doloroso, para a Sagrada Família, o espetáculo da idolatria
daquele povo, aliás tão gabado pela sua sabedoria, e que adorava tudo...
crocodilos, cebolas, gatos! A própria terra — afora as margens mais ou menos
imediatas do Nilo, onde é maravilhoso a fertilidade — de aspecto monótono como
o deserto, em nada lembrava as graças tranquilas da encantadora Galileia.
Mas,
como dissemos, não faltavam também certas alegrias. Para os israelitas fiéis, o
Egito era uma terra sagrada, rica em recordações preciosas, lembrando-lhes
Abraão, Jacó, José, Moisés e o povo de Deus que se formara e crescera à sombra
das pirâmides. Sabia-o a Sagrada Família e aí hauria motivos de consolo e
edificação. Ainda naquela época, numerosas famílias de judeus habitavam o
Egito. Tinham mesmo um templo magnífico, elevado pelo sumo sacerdote Onias IV.
José e Maria puderam entrar em relações com essas famílias. Seu principal
consolo, porém, residia no seu espírito de fé, no seu abandono à vontade divina.
O próprio Menino-Deus era-lhes a sua maior e mais doce alegria. Se o exílio se
prolongou, então foi no Egito que Jesus aprendeu a dar os primeiros passinhos, balbuciou
as primeiras palavras e, um dia, — que encanto! — chamou José pelo nome de “pai” e Maria pelo nome de “mãe”.
Via,
assim, o Egito realizar-se a promessa feita pelo profeta e colhia as bênçãos
anunciadas (Is 19,19). Talvez tenha sido a essa presença da Sagrada Família que
o Egito deveu a posterior e maravilhosa expansão da fé cristã que, povoando o
deserto de uma multidão de eremitas e religiosos, transformou aquela terra
desolada num foco de vida mística.
Ignora-se
quanto tempo a Sagrada Família permaneceu no Egito, se alguns meses ou alguns
anos. As opiniões se dividem. Sempre é certo que o exílio findou com o reinado
de Herodes. O tirano que fizera perecer tantas vítimas inocentes, morreu de uma
doença horrorosa que o acometeu em Jericó. Seus filhos repartiram o reino entre
si. Arquelau, o mais velho, tão cruel e dissoluto quanto o pai, teve em
partilha a Judeia.
Então
“um anjo do Senhor apareceu, em sonho, a
José, no Egito, e lhe disse: Levanta- te; toma o menino e sua mãe e vai para a
terra de Israel; porque morreram os que procuravam matar o menino” (Mt
2,19). José acolheu essa mensagem com serena e respeitosa alegria. Deu graças a
Deus e, cheio de gratidão para com todos os que se haviam mostrado benevolentes
para com ele, pôs-se em viagem com Jesus e Maria. Deixando as ruas sombrias e
as abóbadas penumbrosas dos bazares da cidade egípcia, a Sagrada Família
encaminhou-se para o mar e seguiu o rumo tomado ao vir de Belém. Que alegria ao
avistar de novo as colinas e montanhas da Terra Santa!
José
tencionava fixar-se em Belém. Mas o caráter sobejamente conhecido de Arquelau
fê-lo hesitar. Receava a violência do príncipe. Nessa dúvida, “avisado em sonho, retirou-se para as regiões
da Galileia. Estabeleceu-se em Nazaré” (Mt 2, 22). A Sagrada Família
prosseguiu, pois, o seu caminho por Jopé, margeando o Carmelo e atravessando a
planície de Esdrelon até às colinas e às montanhas que protegem Nazaré. Assim
devia suceder “para que se cumprisse a
palavra dos profetas: Ele será chamado Nazareno” (Mt 2,23), isto é, um “separado”, um “rebento”, uma “flor”.
Destarte, floresceu em Nazaré a infância de Jesus, e José tinha a missão de
velar por essa flor do céu.
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