SÃO JOSÉ
Na Vida de Cristo e da Igreja
Na Vida de Cristo e da Igreja
Pe. Maurício Meschler, S.J.
Edição de 1943
1. A
SOMBRA DO PAI CELESTE
Sombra
do Pai celeste! É um nome que os autores espirituais gostam de dar ao nosso santo.
A imagem é belíssima, e não menos exata. Ela resume muito bem a missão e a
grandeza de São José. Antes de tudo, não e ele o pai do Salvador? O Pai Celeste
é o exemplar e o princípio de toda paternidade no céu e na terra (Ef 3,15). Um
pai, seja qual for, é sempre o representante dessa paternidade augusta. Mas não
pertence esta glória muito especialmente a São José? Ela é a sua glória sob um tríplice
ponto de vista.
Primeiramente,
São José é o representante do Pai Celeste sob o prisma da autoridade —
autoridade que por sua vez é o primeiro atributo de um pai. A autoridade é o
poder de dirigir e demandar, a título de princípio, na ordem da vida ou em
razão de uma situação superior — o que, aliás, de alguma sorte, vem a dar no
mesmo, visto como nenhuma sociedade pode existir ou manter-se sem chefe. Esses
dois gêneros de autoridade têm igualmente seu tipo e sua origem no Pai Celeste
que, no seio da divindade, representa o princípio gerador, determinante,conservador
e diretor.
A
paternidade é o atributo característico da primeira pessoa da SS. Trindade.
Ora,esse atributo, o Pai Celeste confere-o a São José. A essa glória ele
associa o nosso santo numa medida que a homem algum foi dado jamais compartilhar.
Sem dúvida, São José não é o pai natural do Salvador. Mas, em consequência do
matrimônio contraído com Maria, ele é o chefe da Sagrada Família, cujos
membros, por esse motivo, lhe são todos sujeitos de pleno direito. Em consequência
da sua geração do Pai, o Salvador diz: “Meu
Pai é maior do que eu” (Jo 14,28).
A
superioridade de São José provém unicamente do fato de ser ele o chefe da
Sagrada Família. Assiste-lhe o poder de mandar, e lhe é confiada a autoridade
do Pai Celeste. Jesus é filho de José segundo a lei.
E
essa autoridade de José, o Pai Celeste reconhece-a efetivamente. José impõe ao Menino
o nome de Jesus. É ele quem apresenta Jesus no templo, é a ele que o Pai Celeste
dirige as mensagens e comunica suas ordens para a direção da Sagrada Família.
Tanto quanto Maria, o Salvador vê em José o representante visível, o
depositário da autoridade do Pai Celeste. Daí o respeito, a obediência pontual
e alegre, a perfeita submissão de que ele não cessa de dar provas, quer em
criança, quer quando já adulto. Em José reconhece ele a sombra de seu Pai no
céu. Nas ordens ou nas indicações de José, descobre a vontade do Pai e,
obedecendo a José, pode dizer: “Faço sempre o que agrada a meu Pai” (Jo 8,29).
De certo, essa obediência prolongada e perfeita a José vem a ser uma
glorificação da sua paternidade como jamais houve outra idêntica. Quanto mais o
Salvador se inclina diante de José e quanto mais se prolonga a sua submissão,
tanto mais honrado é o santo patriarca.
Comparando
a paternidade de São José à do Pai Celeste, descobrimos um segundo caráter que a
circunda de uma glória nova. O Pai Celeste gera seu Filho desde toda a
eternidade, na santidade e na pureza infinitas. Haverá algo mais puro, mais
espiritual do que a geração do pensamento em nossa inteligência? É assim, mais
ou menos, porém de maneira infinitamente mais pura e mais admirável, que o Pai Celeste
gera eternamente seu Unigênito. Ele se conhece e, conhecendo-se a si mesmo,produz
a imagem viva, o Verbo consubstancial com a sua natureza divina. E essa imagem
viva do esplendor da sua glória é seu Filho.
Ora,
esse caráter de pureza, reencontramo-lo na paternidade de São José. A
paternidade natural apresenta ao mesmo tempo uma vantagem e um detrimento A vantagem
está em ser ela uma comunicação da natureza humana e da vida do filho; o
detrimento é a perda da virgindade. A natureza divina do Pai Celeste e do Filho
e os oráculos dos profetas queriam que o Salvador não tivesse, neste mundo, pai
segundo a natureza; mas devia ter mãe. Eis aí porque, como a fé no-lo ensina,
São José é o pai legal do Salvador e não o pai natural. Nele, a paternidade —
sem se tornar por isso um simples título, um nome vazio de sentido — está,
portanto, unida a uma pureza virginal e reveste um novo traço de semelhança com
a paternidade do Pai Celeste, que dá à paternidade de José tudo o que é
compatível com a integridade da pureza.
Além
disso, como o Pai celeste, José tem só um filho, o Unigênito, tanto assim que
ambos têm o mesmo filho. Que glória e que grandeza nessas analogias! É para
lembrar essa paternidade virginal que, frequentemente, se representa segurando
nas mãos um lírio.
O
terceiro caráter da paternidade de São José — outra analogia com a paternidade
do Pai Celeste — é o amor. Não foi a natureza e, sim, o amor que fez de José o
pai do Salvador. Nós amamos os pensamentos e projetos da nossa inteligência
como propriedade nossa. Amamo-la, por assim dizer, como a nós mesmos, porque
efetivamente nada nos pertence tanto quanto o nosso pensamento. Assim também, a
seu Filho único, imagem consubstanciai e infinitamente perfeita da sua natureza
e substância, o Pai Celeste tem um amor infinito. Gera-o, de alguma sorte, a
cada instante, e lhe diz: “És meu filho,
hoje te gerei” (Sl 2, 7). De fato, cada vez que os céus se entreabrem sobre
o Salvador e que a voz do Pai Celeste se faz ouvir (Mt 3,17; Lc 9,35; 1 Pd 1.17)
ele lhe chama seu “filho bem-amado”.
José é apenas a sombra do Pai Celeste; contudo, a voz do amor do Pai Celeste,
que fala a Jesus pelo seu representante na terra, não é um eco inanimado: sai de
um coração vivo e de um coração humano, e é um amor tal como jamais nenhum pai
poderá experimentar por seu filho.
Pensemos
em que, querendo o Pai Celeste dar a seu Filho um pai terrestre, deve ter posto
no coração desse pai o amor mais verdadeiro, mais profundo e mais sincero.
Escolhendo São José para tamanha missão, comunicou-lhe, pois, não somente a sua
autoridade paterna, mas ainda o seu próprio amor ao Filho único, e inspirou-lhe
tanto mais amor visto que José não devia participar da paternidade natural.
Assim como, dando seu Filho a Maria, ele pôs no coração da Virgem o seu amor, assim
também, guardadas as proporções, fez o mesmo em relação a São José. O nosso Santo manifestou claramente a grandeza,
profundeza e poder desse seu amor; manifestou-se não só em palavras e
sentimentos, mas testemunhou-o pelas obras e sacrifícios de toda espécie. A
pureza virginal da sua paternidade em nada diminuiu o seu amor. Longe disso: se
há coração capaz de amar é o coração puro, que não admite partilha alguma e que
não é detido por nenhum obstáculo no seu surto para Deus, o sumo Bem.
Aí
está como São José é a imagem sublime e fiel do Pai Celeste. Essa paternidade
é, sem dúvida, um dos mais belos pensamentos que possam enlevar o nosso
coração, e uma das mais tocantes comunicações de Deus ao homem. O Menino,
repousando nos braços do santo patriarca, é qual revelação viva do Unigênito
neste mundo.
Em
Maria, é a maternidade divina simultaneamente o princípio e o fim de todas as suas
graças e privilégios. Segundo Santo Tomás, essa maternidade é uma das três coisas
e possibilidades em que se esgota a onipotência divina. Dessa augusta maternidade
de Maria nada se aproxima mais do que a paternidade de São José, à qual um Deus
e a Mãe de um Deus estão sujeitos. Tamanha honra é privilégio de São José. Só a
ele o Pai Celeste conferiu tamanha dignidade: — “Eu sou o Senhor. Não dou minha glória a nenhum outro” (Is 42,8).
É
aqui o lugar mais indicado para falar do caráter do nosso santo. São José é o
representante do Pai Celeste. Primeiramente e antes de mais nada, é pai. Para o
Salvador, ele é pai. Não é ele também um pai para a própria Virgem Maria? Esse
traço, em que ele vem retratado, indica-nos que qualidades devemos esperar
encontrar no Santo: a calma, a reflexão, a abnegação, a fidelidade, o amor
inexaurível. E é bem assim que o vemos no Evangelho: paz inalterável nas
conjunturas mais angustiosas, domínio de si mesmo nos acontecimentos menos
previstos, doçura e paciência nas provações mais penosas, simplicidade e retidão
diante dos favores sobrenaturais com que é honrado, amor dedicado e coragem
inabalável no cumprimento do dever. Ainda sob este ponto de vista, é São José a
imagem do Pai Celeste que, no seio da Trindade bem-aventurada, representa a
Providência, agindo incessantemente, abrangendo todas as coisas de uma
extremidade à outra, na força, na doçura e na paz.
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