13/03 - Em honra a São José - excertos do livro

SÃO JOSÉ
Na Vida de Cristo e da Igreja
Pe. Maurício Meschler, S.J.
Edição de 1943



2.   O SANTO DA INFÂNCIA DE JESUS
Depois do Pai Celeste, contemplamos seu Divino Filho, que Ele enviou ao mundo, reachamo-nos em presença do grande mistério da Encarnação, em presença do Homem-Deus. Quais são as relações de São José com esse mistério? Para compreendê-las, examinaremos duas coisas: em que e como contribuiu S. José para esse mistério?
De três maneiras concorreu ele para o mistério da Encarnação.

Primeiramente, teve o seu papel na própria realização da Encarnação. Como já dissemos, Ele não é o pai de Jesus na ordem da natureza. Sob este aspecto, o seu papel neste mistério não é um papel imediato. Só Maria foi associada à Encarnação de maneira direta: Ela deu seu consentimento à mensagem do anjo, e do sangue de Maria formou o Espírito Santo a santa humanidade de Jesus.
Quanto a São José, a sua missão consistia em realizar uma condição que dependia dele e que era requerida para a Encarnação: ele seria o guarda da virgindade de Maria. A conceição e o nascimento do Salvador deviam ser virginais. Esta condição, José a cumpriu: depois como antes do seu casamento, a virgindade de Maria foi sagrada para ele. Só alguns desprezadores desta nobre virtude ou uns blasfemadores pretenderam negá-la, contra a fé universal. Para isso queriam ver-se autorizados por certas expressões do Evangelho (Mt 1, 25; 12, 46). Mas, quando a Sagrada Escritura diz que uma coisa não teve lugar até tal ou tal época, não se segue daí que essa coisa tenha acontecido depois. Do mesmo modo, com o nome de “irmãos” designa ela geralmente os primos. Por conseguinte, quando se fala dos “irmãos de Jesus” (Mt 12, 47), esta expressão não tem nada que possa surpreender, porquanto pode referir-se igualmente a sobrinhos de São José. E, se o Salvador é chamado “primogênito” de Maria, isso absolutamente não quer dizer que Ele não seja seu filho “único”. Nós, católicos, cremos sem hesitação que Maria ficou sempre virgem: declarou-o a Igreja.
José foi, pois, à sua missão. Ao seu casamento com Maria ele trouxe os sentimentos e as disposições necessárias ao plano da Encarnação. Efetivamente, esse casamento era a última preparação para o advento do Salvador, e São José o tomou possível.
Repitamo-lo: essa era, não uma condição qualquer da Encarnação, mas uma condição que Deus estabelecera de toda a eternidade. A virgindade do santo patriarca entrava no plano Divino da Encarnação como causa coeficiente. Vimos como uma providência especial conduziu todas as coisas para que essa união fosse contraída. Tinha ela por fito tanto salvaguardar a virgindade de Maria como a dignidade do próprio Jesus que devia nascer de Maria. Podemos pois, repetir com Santo Agostinho: — "José é tanto pai quanto mais virginal”; ou antes, José é pai em razão mesmo da sua virgindade.
Em segundo lugar, o nosso santo teve um papel mais direto e excelente com relação à santa humanidade do Salvador: o de velar por Jesus, de educá-lo e defendê-lo. O menino tinha no céu um Pai infinitamente sábio, infinitamente rico,infinitamente poderoso. Mas esse Pai testemunhou a sua sabedoria e seu amor a seu Filho dando-lhe, neste mundo, um pai legal que fosse o seu nutrício e o seu protetor, e a que, para lhe permitir corresponder à sua missão, Ele inspiraria o amor mais terno e mais devotado. Esse pai era um homem mortal que, na sua pobreza, não tinha outros recursos senão o trabalho de suas mãos. E foi pelo trabalho de suas mãos que ele teve de prover às necessidades desse Deus, entregue ao mundo. E quando Herodes procurava o Menino para o trucidar, sem dúvida o Pai Celeste enviou um anjo, mas unicamente para transmitir a José a ordem de fugir, deixando tudo à sua responsabilidade.
O amor paternal de José era pois, a única defesa do Menino. Foi esse amor que conduziu o Salvador do deserto à terra dos Faraós, e ali velou por ele até que todos os inimigos desapareceram. Foi esse amor paternal de José que conduziu Jesus a Nazaré para lhe prodigalizar, durante longos anos, a sua dedicação à custa do mais rude labor. Esse amor, essa dedicação, esses labores, a Escritura contenta-se com evocá-los numa palavra, mas na realidade eles encheram dias, semanas, anos! Tudo o que um filho deve a seu pai nessa ordem de coisas, Jesus o deve a São José.
Há, enfim, um terceiro modo como São José foi associado ao grande mistério da Encarnação: seu papel na dispensação das graças de que a Encarnação é a fonte. Trata-se da sua solicitude pelo corpo místico de Jesus Cristo. Esse corpo místico somos nós. Se Jesus revestiu a natureza humana, não foi senão para fazer de nós o seu corpo místico e para nos unir a si como ao nosso chefe, na graça e pela graça.
Esse corpo místico é, por assim dizer, uma extensão de Jesus Cristo feito homem, desse mesmo Jesus que São José nesta terra cercou de tanto amor e de tantos desvelos, que fez crescer, que educou à custa de tanta dedicação. O objetivo final dessa educação éramos    nós. O anjo indicou-o suficientemente a José quando lhe disse: — “Por-lhe-ás o nome de Jesus, porque Ele salvará o seu povo dos seus pecados” (Mt 1, 21); porque o salvará praticamente e em definitivo pela graça, cuja fonte é precisamente o grande mistério da Encarnação.
Sob este ponto de vista prossegue a missão do nosso Santo, transmitindo-nos as gradas do         Salvador teremos ocasião de dizer mais adiante. “Quatro coisas, uma árvore, uma serpente; quatro coisas repararam a humanidade: Maria, Cristo, a cruz, José”. E São Remígio:         — Pelo mesmo caminho que nos trouxe a morte, veio — nossa vida: isto é, por uma mulher virginal e um homem obediente".
Ora, todos esses serviços José prestava-os à santa humanidade do Salvador com o amor mais profundo. Era como que uma espécie de compensação: sendo o simples pai legal de Jesus, queria ao menos corresponder à sua missão com uma caridade mais intensa. Deus proveu a isso. Quando a Providência incumbe alguém de uma missão, dá-lhe todas as qualidades e meios necessários para a desempenhar bem. É Deus quem cria os corações e pode mudá-los a seu gesto. Assim como, mais tarde, a palavra dirigida a São João: — “Eis aí tua Mãe”, deu ao apóstolo um coração de filho para com Maria, assim também Deus pôs no coração de José o amor mais verdadeiramente paternal para com Jesus Menino — amor sobrenatural, amor celeste, muito mais profundo, muito mais poderoso do que qualquer outro amor paterno.
Além disso, São José serviu a santa humanidade do Salvador com a abnegação mais completa, sem retorno egoísta, à custa de todos os sacrifícios. Ele não trabalha para si mesmo. Parece ser um mero instrumento que se emprega segundo a necessidade, e que se põe de lado, e quase se esquece, desde que já não é útil. De fato, no Evangelho, ele só nos aparece com Jesus enquanto Menino, e desaparece com a santa infância do Salvador.
Dos grandes e gloriosos mistérios — não falamos dos mistérios da vida pública e da ressurreição, mas dos da própria infância de Jesus, daqueles que ele testemunhou e que o honram tanto — mal um raio de luz se projeta sobre ele. A sua missão especial, ao contrário, é atenuar o brilho divino dos mistérios, e subtrair-se a si mesmo de qualquer glória que daí lhe possa advir. Ele é a sombra do Pai Celeste, não só no sentido de representar a autoridade do Pai junto de seu Filho, mas ainda no sentido de que, olhando por todos como o pai do Salvador, segundo a ordem natural, deve ele servir para ocultar, até o momento marcado, a divindade de Jesus. Aquele Menino tão belo, tão amável, que José carrega nos braços, tem só um Pai: o Deus do céu, e Ele próprio é Deus.
Eis aí uma luz, cujo brilho, uma vez revelado, projetará sobre esse Menino o esplendor da divindade. Mas a hora dessa revelação ainda não chegou. Por isso Deus interpõe entre si e o Menino qual uma sombra, a paternidade legal de São José. É a sombra que atenua a lar. Apesar de alguns poucos raios que dele se escapam, o mistério divino permanece velado.
Tais são as relações de São José com a santa humanidade do Salvador, — tão íntimas, tão importantes, que só a Mãe de Jesus pode oferecer iguais.
Ora, o mistério da Encarnação é de importância fundamental para a Igreja, para o cristianismo todo; e a vida do nosso santo está imediatamente consagrada a esse mistério. José é em verdade o anjo do grande conselho, o santo da infância de Jesus, o seu protetor, o seu educador — poder-se-ia dizer: a Providência viva que vela sobre ele. É o que constitui a grandeza, a beleza singular da sua vocação, e lhe assegura uma categoria à parte entre os santos do reino de Deus.
Com efeito, entre as diversas hierarquias do mundo, quer natural quer sobrenatural, como nos múltiplos graus das comunicações que Deus faz de si mesmo às suas criaturas, há uma ordem que, no domínio da natureza e da graça, excede todas as outras em glória e em excelência: é a ordem chamada “hipostática”, a que tem por centro a santa humanidade de Jesus, unida, pessoalmente, com a segunda pessoa da Divindade. Em torno desse astro central agrupam-se, como outras tantas estrelas, os santos que, associados à realização do mistério da Encarnação, têm destarte uma relação especial com o Homem-Deus e mais se aproxima da sua pessoa. Os outros santos, por maiores que sejam, têm relação apenas com a obra de Jesus Cristo, ao passo que os santos da ordem hipostática estão em relação com a sua própria pessoa. A essa ordem pertence a ilustre família de que Nosso Senhor quis nascer segundo o sangue: portanto, também e sobretudo São José, não só por ser o mais próximo e último rebento de Davi, mas ainda por ser o esposo de Maria e o pai legal do Salvador. Sob este prisma, ele não cede a Maria, a augusta Mãe de Jesus.
Tal a posição de São José no reino de Deus. Tais a sua dignidade e honra superiores às de todos os anjos! Qual foi o anjo a quem Deus jamais disse: — “És meu pai!”? Aí estão outros tantos títulos à gratidão, ao amor, às homenagens de todos os súditos do reino de Jesus Cristo.
São José não é apenas grande e poderoso nesse reino, mas e também o benfeitor de toda a cristandade, da humanidade inteira. Se José do Egito, ministro de Faraó, bem mereceu de sua família e de seu povo, muito mais ainda deve a cristandade a São José. Foi na habitação do santo patriarca, foi sob os seus cuidados que a redenção se preparou. Tudo o que ele fez fê-lo por nós.

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