SÃO JOSÉ
Na Vida de Cristo e da Igreja
Na Vida de Cristo e da Igreja
Pe. Maurício Meschler, S.J.
Edição de 1943
2. O
SANTO DA INFÂNCIA DE JESUS
Depois
do Pai Celeste, contemplamos seu Divino Filho, que Ele enviou ao mundo, reachamo-nos
em presença do grande mistério da Encarnação, em presença do Homem-Deus. Quais
são as relações de São José com esse mistério? Para compreendê-las, examinaremos
duas coisas: em que e como contribuiu S. José para esse mistério?
De
três maneiras concorreu ele para o mistério da Encarnação.
Primeiramente,
teve o seu papel na própria realização da Encarnação. Como já dissemos, Ele não
é o pai de Jesus na ordem da natureza. Sob este aspecto, o seu papel neste
mistério não é um papel imediato. Só Maria foi associada à Encarnação de maneira
direta: Ela deu seu consentimento à mensagem do anjo, e do sangue de Maria
formou o Espírito Santo a santa humanidade de Jesus.
Quanto
a São José, a sua missão consistia em realizar uma condição que dependia dele e
que era requerida para a Encarnação: ele seria o guarda da virgindade de Maria.
A conceição e o nascimento do Salvador deviam ser virginais. Esta condição,
José a cumpriu: depois como antes do seu casamento, a virgindade de Maria foi
sagrada para ele. Só alguns desprezadores desta nobre virtude ou uns
blasfemadores pretenderam negá-la, contra a fé universal. Para isso queriam
ver-se autorizados por certas expressões do Evangelho (Mt 1, 25; 12, 46). Mas,
quando a Sagrada Escritura diz que uma coisa não teve lugar até tal ou tal
época, não se segue daí que essa coisa tenha acontecido depois. Do mesmo modo,
com o nome de “irmãos” designa ela
geralmente os primos. Por conseguinte, quando se fala dos “irmãos de Jesus” (Mt 12, 47), esta expressão não tem nada que possa
surpreender, porquanto pode referir-se igualmente a sobrinhos de São José. E,
se o Salvador é chamado “primogênito”
de Maria, isso absolutamente não quer dizer que Ele não seja seu filho “único”. Nós, católicos, cremos sem
hesitação que Maria ficou sempre virgem: declarou-o a Igreja.
José
foi, pois, à sua missão. Ao seu casamento com Maria ele trouxe os sentimentos e
as disposições necessárias ao plano da Encarnação. Efetivamente, esse casamento
era a última preparação para o advento do Salvador, e São José o tomou
possível.
Repitamo-lo:
essa era, não uma condição qualquer da Encarnação, mas uma condição que Deus
estabelecera de toda a eternidade. A virgindade do santo patriarca entrava no
plano Divino da Encarnação como causa coeficiente. Vimos como uma providência
especial conduziu todas as coisas para que essa união fosse contraída. Tinha
ela por fito tanto salvaguardar a virgindade de Maria como a dignidade do próprio
Jesus que devia nascer de Maria. Podemos pois, repetir com Santo Agostinho: —
"José é tanto pai quanto mais virginal”;
ou antes, José é pai em razão mesmo da sua virgindade.
Em
segundo lugar, o nosso santo teve um papel mais direto e excelente com relação
à santa humanidade do Salvador: o de velar por Jesus, de educá-lo e defendê-lo.
O menino tinha no céu um Pai infinitamente sábio, infinitamente rico,infinitamente
poderoso. Mas esse Pai testemunhou a sua sabedoria e seu amor a seu Filho
dando-lhe, neste mundo, um pai legal que fosse o seu nutrício e o seu protetor,
e a que, para lhe permitir corresponder à sua missão, Ele inspiraria o amor
mais terno e mais devotado. Esse pai era um homem mortal que, na sua pobreza,
não tinha outros recursos senão o trabalho de suas mãos. E foi pelo trabalho de
suas mãos que ele teve de prover às necessidades desse Deus, entregue ao mundo.
E quando Herodes procurava o Menino para o trucidar, sem dúvida o Pai Celeste
enviou um anjo, mas unicamente para transmitir a José a ordem de fugir,
deixando tudo à sua responsabilidade.
O
amor paternal de José era pois, a única defesa do Menino. Foi esse amor que
conduziu o Salvador do deserto à terra dos Faraós, e ali velou por ele até que
todos os inimigos desapareceram. Foi esse amor paternal de José que conduziu Jesus
a Nazaré para lhe prodigalizar, durante longos anos, a sua dedicação à custa do
mais rude labor. Esse amor, essa dedicação, esses labores, a Escritura
contenta-se com evocá-los numa palavra, mas na realidade eles encheram dias,
semanas, anos! Tudo o que um filho deve a seu pai nessa ordem de coisas, Jesus
o deve a São José.
Há,
enfim, um terceiro modo como São José foi associado ao grande mistério da
Encarnação: seu papel na dispensação das graças de que a Encarnação é a fonte.
Trata-se da sua solicitude pelo corpo místico de Jesus Cristo. Esse corpo
místico somos nós. Se Jesus revestiu a natureza humana, não foi senão para
fazer de nós o seu corpo místico e para nos unir a si como ao nosso chefe, na
graça e pela graça.
Esse
corpo místico é, por assim dizer, uma extensão de Jesus Cristo feito homem, desse
mesmo Jesus que São José nesta terra cercou de tanto amor e de tantos desvelos,
que fez crescer, que educou à custa de tanta dedicação. O objetivo final dessa
educação éramos nós. O anjo indicou-o
suficientemente a José quando lhe disse: — “Por-lhe-ás
o nome de Jesus, porque Ele salvará o seu povo dos seus pecados” (Mt 1,
21); porque o salvará praticamente e em definitivo pela graça, cuja fonte é
precisamente o grande mistério da Encarnação.
Sob
este ponto de vista prossegue a missão do nosso Santo, transmitindo-nos as
gradas do Salvador teremos ocasião
de dizer mais adiante. “Quatro coisas,
uma árvore, uma serpente; quatro coisas repararam a humanidade: Maria, Cristo,
a cruz, José”. E São Remígio: —
Pelo mesmo caminho que nos trouxe a morte, veio — nossa vida: isto é, por uma
mulher virginal e um homem obediente".
Ora,
todos esses serviços José prestava-os à santa humanidade do Salvador com o amor
mais profundo. Era como que uma espécie de compensação: sendo o simples pai
legal de Jesus, queria ao menos corresponder à sua missão com uma caridade mais
intensa. Deus proveu a isso. Quando a Providência incumbe alguém de uma missão,
dá-lhe todas as qualidades e meios necessários para a desempenhar bem. É Deus
quem cria os corações e pode mudá-los a seu gesto. Assim como, mais tarde, a
palavra dirigida a São João: — “Eis aí
tua Mãe”, deu ao apóstolo um coração de filho para com Maria, assim também
Deus pôs no coração de José o amor mais verdadeiramente paternal para com Jesus
Menino — amor sobrenatural, amor celeste, muito mais profundo, muito mais poderoso
do que qualquer outro amor paterno.
Além
disso, São José serviu a santa humanidade do Salvador com a abnegação mais
completa, sem retorno egoísta, à custa de todos os sacrifícios. Ele não
trabalha para si mesmo. Parece ser um mero instrumento que se emprega segundo a
necessidade, e que se põe de lado, e quase se esquece, desde que já não é útil.
De fato, no Evangelho, ele só nos aparece com Jesus enquanto Menino, e
desaparece com a santa infância do Salvador.
Dos
grandes e gloriosos mistérios — não falamos dos mistérios da vida pública e da
ressurreição, mas dos da própria infância de Jesus, daqueles que ele
testemunhou e que o honram tanto — mal um raio de luz se projeta sobre ele. A
sua missão especial, ao contrário, é atenuar o brilho divino dos mistérios, e subtrair-se
a si mesmo de qualquer glória que daí lhe possa advir. Ele é a sombra do Pai Celeste,
não só no sentido de representar a autoridade do Pai junto de seu Filho, mas
ainda no sentido de que, olhando por todos como o pai do Salvador, segundo a
ordem natural, deve ele servir para ocultar, até o momento marcado, a divindade
de Jesus. Aquele Menino tão belo, tão amável, que José carrega nos braços, tem
só um Pai: o Deus do céu, e Ele próprio é Deus.
Eis
aí uma luz, cujo brilho, uma vez revelado, projetará sobre esse Menino o
esplendor da divindade. Mas a hora dessa revelação ainda não chegou. Por isso
Deus interpõe entre si e o Menino qual uma sombra, a paternidade legal de São
José. É a sombra que atenua a lar. Apesar de alguns poucos raios que dele se escapam,
o mistério divino permanece velado.
Tais
são as relações de São José com a santa humanidade do Salvador, — tão íntimas,
tão importantes, que só a Mãe de Jesus pode oferecer iguais.
Ora,
o mistério da Encarnação é de importância fundamental para a Igreja, para o
cristianismo todo; e a vida do nosso santo está imediatamente consagrada a esse
mistério. José é em verdade o anjo do grande conselho, o santo da infância de Jesus,
o seu protetor, o seu educador — poder-se-ia dizer: a Providência viva que vela
sobre ele. É o que constitui a grandeza, a beleza singular da sua vocação, e
lhe assegura uma categoria à parte entre os santos do reino de Deus.
Com
efeito, entre as diversas hierarquias do mundo, quer natural quer sobrenatural,
como nos múltiplos graus das comunicações que Deus faz de si mesmo às suas
criaturas, há uma ordem que, no domínio da natureza e da graça, excede todas as
outras em glória e em excelência: é a ordem chamada “hipostática”, a que tem por centro a santa humanidade de Jesus,
unida, pessoalmente, com a segunda pessoa da Divindade. Em torno desse astro
central agrupam-se, como outras tantas estrelas, os santos que, associados à
realização do mistério da Encarnação, têm destarte uma relação especial com o
Homem-Deus e mais se aproxima da sua pessoa. Os outros santos, por maiores que
sejam, têm relação apenas com a obra de Jesus Cristo, ao passo que os santos da
ordem hipostática estão em relação com a sua própria pessoa. A essa ordem
pertence a ilustre família de que Nosso Senhor quis nascer segundo o sangue:
portanto, também e sobretudo São José, não só por ser o mais próximo e último
rebento de Davi, mas ainda por ser o esposo de Maria e o pai legal do Salvador.
Sob este prisma, ele não cede a Maria, a augusta Mãe de Jesus.
Tal
a posição de São José no reino de Deus. Tais a sua dignidade e honra superiores
às de todos os anjos! Qual foi o anjo a quem Deus jamais disse: — “És meu pai!”? Aí estão outros tantos
títulos à gratidão, ao amor, às homenagens de todos os súditos do reino de Jesus
Cristo.
São
José não é apenas grande e poderoso nesse reino, mas e também o benfeitor de toda
a cristandade, da humanidade inteira. Se José do Egito, ministro de Faraó, bem
mereceu de sua família e de seu povo, muito mais ainda deve a cristandade a São
José. Foi na habitação do santo patriarca, foi sob os seus cuidados que a
redenção se preparou. Tudo o que ele fez fê-lo por nós.
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