SÃO JOSÉ
Na Vida de Cristo e da Igreja
Na Vida de Cristo e da Igreja
Pe. Maurício Meschler, S.J.
Edição de 1943
3. O
ESPOSO DE MARIA
A
Sagrada Escritura insiste neste ponto: São José é o esposo de Maria. “E Jacó gerou José, o esposo de Maria, da
qual nasceu Jesus que é chamado Cristo” (Mt 1,16). E tem razão. Daí
procedem, para José, consequências extremamente importantes; dentre elas, em
primeiro lugar, a tríplice relação que o une a Maria.
Primeiramente,
São José é o esposo de Maria em razão do vínculo conjugal com ela contraído. A
Escritura é formal a este respeito (Mt 1,16; Lc 1,27; 2,48). Nessa união, os
Padres e os teólogos são unânime sem reconhecer um matrimônio verdadeiro;indicam-no
as expressões de que se serve o Evangelho. Demais, todas as condições
requeridas para o matrimônio estão aí reunidas: o consentimento e dom que os
esposos se fazem reciprocamente de si mesmo para a finalidade do matrimônio, a
significação espiritual da união conjugal, símbolo da união de Jesus Cristo com
a Igreja (Ef 5,32), e enfim o filho.
Para
José, essa união foi uma grande ventura, uma honra incomparável, o princípio de
inestimáveis vantagens. O matrimônio é a união mais íntima que os homens, na
terra, podem contrair. Ele não é somente uma união material, mas produz a
unidade dos corações, dos espíritos, dos sentimentos e dos afetos. É, entre os
esposos, a comunicação mútua dos bens, das honras, das dignidades, sobre o fundamento
da amizade e da igualdade.
Diz
o Apóstolo: — “O homem é a cabeça da
mulher” (1 Cr 11,3). Maria pertencia pois, a José com tudo o que possuía.
José teve todo o seu respeito, toda a sua submissão, todo o seu amor. Esse
matrimônio não assegurava a José apenas o privilégio da convivência diária com
Maria, a mais pura e a mais santa das criaturas, mas o fazia continuamente a
testemunha das suas admiráveis virtudes, associava-o de alguma sorte aos seus
bens espirituais: dava-lhe também a honra e a felicidade de ser, em verdade, o
pai do Salvador. Essa paternidade, que é a missão providencial de São José, a
sua missão oficial no reino de Deus, tem o seu verdadeiro fundamento
precisamente no matrimônio contraído com Maria. Não fosse esse matrimônio, a
paternidade de José não passaria de uma paternidade adotiva, ao passo que,
graças a ele, em toda a realidade, José é diante de Deus e diante dos homens o
pai de Jesus, e pai legal de Jesus, porque, em virtude do vínculo conjugal, se
faz entre os esposos uma permuta de todos os bens, uma doação mútua, inteira,
jurídica. O que Maria possuía, pertencia de direito a José em razão da comunhão
dos bens: pertencia-lhe, portanto também o filho de Maria. Por mais milagrosa
que fosse essa maternidade, Jesus pertencia a José, seu pai legal. Pode-se
mesmo ir mais longe e dizer que, não fora esse matrimônio, então, nem a
paternidade de José teria sido tão verdadeira e tão real, nem tão pouco, ao
menos na ordem atual das coisas, Maria se teria tornado a Mãe de Deus. Com
efeito, de acordo com o plano divino, o matrimônio entre José e Maria era o
meio escolhido para introduzir o Salvador neste mundo. Esta união conjugal é,
pois, um mistério verdadeiramente divino, através do qual nos deviam advir
todos os bens.
Em
segundo lugar, José não é só o esposo de Maria: é também o guarda e a
testemunha da sua virgindade. Já o vimos: a virgindade desses dois esposos,
tanto quanto a união por eles contraída, entrava essencialmente no plano divino
da Encarnação. Mister se fazia, pois, que José fosse conjuntamente o esposo de
Maria e o guarda da sua virgindade, como na realidade o foi. Era neste sentido
que Bossuet escrevia: — “A fidelidade desse
matrimônio consiste em guardar um ao outro a perfeita integridade que se
prometeram. Eis aí as promessas que os reúnem, eis aí o pacto que os liga. Duas
virgindades se unem, para se conservarem ambas”. (Obras, III).
Esse
matrimônio, na intenção de Deus, visava a conceição e o nascimento de Jesus.
Por isso, José devia esposar a Mãe de Deus, que, por essa razão, e segundo os
oráculos, devia permanecer eternamente virgem. Isto era preciso, afim de que,
não tendo o Filho de Deus pai neste mundo, o seu nascimento no tempo fosse uma
imagem sublime e prodigiosa do seu nascimento eterno, em que ele não tem mãe,
visto como só o Pai o gera no seio da Divindade. Maria e José são dois astros
que unem os seus raios mais puros para brilharem com mais fulgor diante de
Deus, correspondendo, assim, a especialíssimos planos divinos. Melhor do que
qualquer outro, esse matrimônio, pela própria natureza, torna-se a imagem da
união de Jesus Cristo com a humanidade e com a Igreja.
São
José não foi só o respeitoso da Virgem. Foi uma testemunha insuspeita, em razão
mesmo da união contraída com Maria. Se ele hesitou em tomá-la por esposa, foi
unicamente, porque não sabia como conciliar em Maria a virgindade com a
maternidade. Uma intervenção celeste tirou-o dessa perplexidade: um anjo
apareceu a José, tranquilizou-o, e tudo se explicou. Por essa revelação divina,
o nosso próprio santo tornou-se a testemunha irrecusável da virgindade de
Maria. Era o que Deus queria, permitindo uma dúvida tão cruciante. Para
defender a Virgem e vingá-la das calúnias dos hereges, os Padres apelam sempre
para o testemunho de José. Assim como o querubim com seu gládio de fogo
defendia o paraíso terreal, José defende a honra da Virgem. E é esse, para
Maria, um novo motivo de amar seu virginal esposo, de se mostrar grata para com
ele. Maria é, por excelência, a “esposa
do Espírito Santo”, não somente por causa da graça santificante que ela possui
em tal plenitude, mas ainda porque, nela e por ela, o Espírito Santo operou o
mistério da Encarnação. Neste sentido mais elevado, o Espírito Santo é, de
maneira especial, o Esposo de Maria, e São José, sem nada perder do seu título,
é o “amigo do Esposo”.
Notemo-lo:
onde quer que se prepare uma obra importante, encontramos a pureza e a
virgindade. Sem elas, nada de grande se realiza na ordem sobrenatural. Sem
elas, Deus não se quis tornar homem. O Menino é, por assim dizer, a flor e o
fruto da virgindade. A pureza virginal é, pois, uma coisa bela e gloriosa! Ela
vem de Deus, inclina Deus até nós. Por ela é que a divindade se une à
humanidade. Consoante os santos Padres, a virgindade é a incorruptibilidade
numa carne naturalmente miserável. Faz- nos assemelhar aos espíritos celestes.
Ela é, no homem, o reflexo da eterna beleza. Quando Deus a descobre em nós,
esquece o nosso nada. Eis aí porque Ele escolheu para si um pai e uma mãe que
são virgens, e faz consistir suas delícias em habitar com eles (Can 2, 16).
Em
terceiro lugar — e esta nova relação que une José a Maria é uma consequência da
honra que lhe pertence por ser esposo da Virgem bendita — sendo o filho a
finalidade do matrimônio — essa finalidade, como vimos, realizou-se quanto a
José, de maneira admirável e superior, pela conceição virginal de Jesus. Mas a
união conjugal também tem outro fim: a comunidade da vida, o apoio mútuo, uma
solicitude recíproca de todos os instantes. São José foi o companheiro fiel da
Mãe de Deus, o seu sustentáculo afetuoso, o seu consolador dedicado. A vida de
Maria devia ser a vida da Mãe de um Deus que não viera a este mundo para
saborear alegrias e desfrutar honras, mas para nos remir pelos trabalhos, pelos
sofrimentos, pela cruz. Quer dizer que, associada a essa missão, Maria devia
achar em José um socorro e um arrimo. E, de fato, vemos a Sagrada Família,
senão na indigência absoluta, pelo menos numa pobreza tal que Maria e José,
descendentes de uma raça real, devem trabalhar com suas mãos para assegurar ao
Menino o pão de cada dia. Vemo-la, por causa deste Menino, fugir de poderosos perseguidores
e, à custa de mil fadigas, exila-se numa terra estrangeira.
Evidentemente,
nessas conjunturas era preciso decisão e energia. Era preciso auxílio e
proteção. Maria, a doce e terna Mãe, achou esse socorro em José, que foi seu
guia, o seu sustentáculo, a sua defesa. Assim como outrora Israel viajara pelo
deserto, guiado e protegido pela misteriosa coluna de nuvens, assim também a Sagrada
Família, sob a guarda vigilante de José, vai de Nazaré a Belém, a Jerusalém, ao
Egito. Eis porque os mosaicos antigos nos representam sempre São José com um
bordão: é o emblema do protetor de Jesus e de Maria.
E
na humilde morada de Nazaré, que doçura, que paz, que encantadora intimidade
sob a conduta paternal do nosso santo! Tudo se impregna da profunda veneração
de que José cerca a Mãe do Salvador. Temos uma prova evidente desses
sentimentos de respeito na penosa provação de que falamos e que só fez
estreitar os laços de afeto entre os dois esposos. No testemunho de um escritor
eclesiástico, antes de admitir a menor suspeita com relação a Maria, São José
teria crido num milagre. Quanto não devem ainda ter crescido o seu respeito e a
sua veneração ao reconhecer nela a Mãe Santíssima de Deus!
O
amor nascia dessa mútua estima. A natureza e a graça reuniam-se para aumentar esse
amor: a graça e a santidade de Maria, a delicadeza do coração de José, a
consciência de cumprir um dever e de se conformar com a vontade de Deus. Depois
de Deus e do Menino, José não tinha nada de mais caro do que Maria. O próprio
Espírito Santo era o vínculo que unia os corações.
Dessa
compreensão e desse amor sempre nascem a alegria e a paz. Nada perturbava a
calma do santuário de Nazaré. Toda provação, todo sofrimento vindo de fora
parava, de alguma sorte, no limiar daquele lar bendito, sem perturbar a paz
daqueles corações que, em tudo só viam e só queriam o beneplácito de Deus. A
própria Maria e mesmo Jesus podiam edificar-se admirando a virtude tão calma,
tão humilde de José, a sua pureza, a sua santidade.
Na
intimidade de Jesus Menino e de seu santo esposo, Maria já não devia ter
saudades do templo de Jerusalém, onde os seus primeiros anos haviam decorrido
em ardentes aspirações a Deus, ao Deus do seu coração. Ela possuía agora coisa
melhor do que a arca da aliança, coisa melhor do que o sumo sacerdote!
O
que demonstra eloquentemente a conformidade com os desígnios de Deus com que
São José cumpria todos os seus deveres para com a sagrada Família a que ponto
encantavam a sua sabedoria, a sua pureza e a sua santidade o coração de Maria,
é o fato de que essa Virgem bendita, que sobrepuja em excelência todas as
criaturas, se confiava espontaneamente, sem reserva, com o abandono de uma
criança, à conduta de José. Como a noiva do Cântico, ela podia dizer: — “Sentei-me à sombra daquele que eu desejara”
(Cant 2,3). Assim como outrora, nos dias felizes de Salomão, o israelita vivia
em toda segurança à sombra da sua figueira e da sua vinha, assim viviam Jesus e
Maria, sem receio, sob a afetuosa proteção de São José.
Estas
poucas reflexões pretendem apenas transmitir-nos uma pálida ideia do que
encerra a simples palavra do texto evangélico: — “E Jacó gerou a José, o esposo de Maria, da qual nasceu Jesus, que é
chamado Cristo”.
Nenhum comentário:
Postar um comentário