CENTELHAS EUCARÍSTICAS
PEQUENA COLEÇÃO
PEQUENA COLEÇÃO
DE
Pensamentos e afetos devotos
a
XXI
Fogos de palha
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SE dissesse que
tenho sempre tratado bem a Jesus, com delicadeza, com verdadeiro amor filial,
diria uma mentira. Tenho começado muitas vezes, mas não tenho prosseguido, e o
edifício da minha piedade cristã está agora como estava há muitos anos!
Recordo-me de que, quando menina,
sentia uma grande vontade de dar-me toda a Jesus, mas senti-me também dominada
por uma grande vaidade e inconstância; e assim
me tenho
arrastado até hoje, alternando práticas de devoção com atos de preguiça e
langor espiritual.
Posso até dizer que experimentei todas
as devoções. A
leitura dum livro, a audição duma
predica, o conhecimento duma alma devota, a assistência a uma função especial
de qualquer congregação, bastava para me prometer a mim mesma e a Deus que
recitaria todos os dias um determinado número de Padres Nossos e
Ave-Marias, que
faria de vez em quando uma Via Sacra,
que recitaria qualquer coroazinha,
que me inscreveria em qualquer confraria; e para isso me ia enriquecendo pouco
a pouco de livros de piedade, punha ao pescoço, um após outro, vários
escapulários, trazia ao peito medalhas de diversos motivos, assistia a funções
particulares em igrejas determinadas, frequentava conferências mensais e semanais...
Como, porém, muitas vezes me
acontecia não poder atender simultaneamente a tantos compromissos tomados,
pouco a pouco os ia esquecendo um após outro até que, vendo-os já todos
abandonados, me refazia desde o princípio com novas resoluções e empenhos sinceros,
começando para depois abandonar, e depois tornar a começar... Resultava daí
que, um mês, dedicava-me toda às
Almas do Purgatório; depois, deixava as almas purgantes, e toda
me dedicava ao Anjo da Guarda; depois
era para a conversão dos pecadores; mais tarde voltava-me para São José; depois
para um outro Santo; depois para Maria Santíssima, ora sob um título, ora sob
outro; e assim por diante, uma série de belíssimas devoções. De princípio
parecia que cada devoção havia de durar toda a
vida, mas, depois de um ou dois meses, deixava-a apagar, para dar lugar a uma
outra; e assim cheguei a experimentar muitas devoções, mas não perseverei em
nenhuma... Entretanto, os anos passaram, e eu... Encontro-me aqui de mãos
vazias. Andei volitando de flor em flor, mas pouco mel colhi; acalentei-me a
fogos de palha, bastantes para não me deixarem gelar, mas que não conseguiram
inflamar-me.
Jesus via tudo e compadecia-se de
mim. Certamente, Ele preferiria ver-me firme e constante em uma só devoção, a
ver-me esvoaçar sobre um cento delas, porque assim eu teria hoje uma piedade um
pouco mais séria e mais sólida do que a que tenho.
Fazendo um sério exame de
consciência, uma verdade ressalta límpida e inegável: e é que, Jesus
Sacramentado, embora fosse para
mim uma grande coisa, não era contudo o pensamento que dominava a minha mente,
e muito menos o afeto que dominava o meu coração. As Comunhões e a Missa
entravam em todas as funções a que assistia, mas não eram para mim a parte
principal...
Percebo agora, sem fazer mais
indagações, a razão por que as minhas devoções se evolaram como o fumo: é
porque não estavam ligadas ao meu coração pelo amor a Jesus Sacramentado... E
quando falta Jesus, falta a pedra fundamental de todo o edifício, e o que não
se recolhe com Jesus, desperdiça-se.
Quantas riquezas teria agora
acumuladas, se tivesse possuído a arte de começar por Jesus todos os meus atos
e referi-los a Ele! Pois bem, contarei mais esta desgraça entre tantas da minha
vida, e aprenderei do passado como regular-me no futuro.
Façamos, pois, um pacto, ó Jesus. Eu
te prometo não empreender mais nenhuma prática de piedade, sem invocar primeiro
o lume
da tua graça e a bênção do teu coração; prometo empenhar-me em compreender que
toda a boa obra, pequena ou grande que seja, parte de ti e deve voltar para ti;
prometo fazer todo e qualquer ato de devoção na
presença do Tabernáculo, ou ao
menos com a mente e o
coração fixos
em ti, quando me encontre fora da
igreja. E tu, da tua parte, concedes-me um generoso
perdão sobre todas as
friezas e indiferenças passadas, e
faze-me a graça de trazer o teu fogo, aquele fogo inextinguível, que substitua as
tênues chamas do meu fogo de palha.
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