CENTELHAS EUCARÍSTICAS
XXVIII
À
boa noite a Jesus
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QUANTO
sinto dever deixar-te, ó
Jesus! Ah! Se não fosse a necessidade
que me obriga ao repouso, ficaria aqui contigo até amanhã, sempre a falar-te,
sempre a olhar-te, sempre a amar-te; parece-me que te diria coisas novas...
Parece-me que o meu coração se inflamaria de novas chamas... Que mais depressa
me tornaria santa... Mas vejo-me constrangida a ir-me embora, a deixar-te, a
condensar todas as efusões do meu coração nesta mesquinha saudação — boa noite!
Boa noite, portanto, ó meu caro
Jesus! Mas como passarás tu um boa noite, neste silêncio, nas trevas, na
solidão? E se devesses passar uma noite como a da Paixão? Ah! Infelizmente
assim será! Tu a orar, e os outros a dormir, ou a blasfemar, a esbofetear-te, a
cuspir-te e ainda pior! E tu que farás?... Tu continuarás a sofrer, a orar, a
amar... Mas se a noite funesta da Paixão foi uma só, as do Tabernáculo não têm
conta... E esta noite vão renovar-se para o teu coração os mesmos ultrajes, as
mesmas dores... Ah! Se eu tivesse império sobre os anjos! Eu faria descer do
Céu uma legião deles, para cantar-te as alegrias do Paraíso e suplantar o
fragor horrendo de tantas blasfêmias... Chamá-los-ia para desdobrarem as suas
asas em volta do Tabernáculo e ocultarem-te assim a maré cheia das torpezas
humanas.
Boa noite, ó meu Jesus! As horas que
passarás dentro em pouco serão como as horas longas do Calvário. Também lá
estavas mergulhado nas trevas... E sobre aquela esplanada não se via senão a
turba feroz dos crucifixores e a turba lacrimante das piedosas mulheres: vozes
de ódio sanguinário e gemidos de amor contristado eram a única melodia que
quebrava aquele silêncio tenebroso. E tu, esta noite, terás a mesma companhia;
de ti não se recordarão, senão muitos desgraçados para ofender-te, e muitas
almas generosas para amar-te... Àqueles pecadores não basta o dia para
ultrajar-te, querem também a noite; e aquelas almas santas sentem necessidade
de ajuntar orações e penitências noturnas às penitências e deprecações do dia.
Quem terá mais força sobre o teu coração? Ó Jesus, tem piedade esta noite
daqueles infelizes! Não sabem o que fazem! Ora por eles!
Perdoa-lhes e fá-los teus!
Esta noite, ó Jesus, escuta as
orações mescladas de pranto que te dirigirão mil e mil almas puras ou
purificadas por uma dor não menos bela que a inocência; tu conheces estas almas....
São esposas tuas... Elas oram por si próprias, mas mais ainda por aqueles
infelizes que te renovam as dores do Calvário. Escuta-as, ó Jesus! Concede-lhes
a conversão de um pecador... Ao menos de um... Oh! Que boa noite seria a tua se
a coroa dos lírios se entrelaçasse com uma coroa de rosas, para engrinaldar-te
o altar e perfumar-te o Tabernáculo!
Boa noite, ó Jesus! Se por acaso
algum mendigo, sem teto, vier procurar um lugar de repouso na soleira do
Templo, abandonando-se, esfomeado e roto, sobre a
pedra gelada... Oh! Ao menos ele
recorde-se de que, pouco longe, vela quem um dia, menos invejável que uma
raposa, não tinha uma pedra para repousar a fronte cansada; e mande-te ele uma
saudação, ao menos um pensamento... E fique-se ali como a sentinela da pobreza
a fazer guarda ao Rei dos Céus.
Boa noite, ó Jesus!
Fale-te por mim a lâmpada com a sua
luz débil; recorde-te a fé que me fez prostrar durante o dia diante do
Tabernáculo em adoração; recorde-te a esperança que me dilatou o coração nas
horas da tristeza e da dor; recorde-te a caridade que informou cada pensamento
meu, cada afeto, todas as
minhas obras e a minha própria vida; recorde-te que também eu chorei aos teus
pés as minhas culpas, e sorri de contentamento debaixo da chuva dos teus
perdões e das tuas graças... Diga-te aquela lâmpada bendita que as almas
viventes do teu amor são ainda muitas e que, se bem que abandonadas à quietude
do repouso noturno, desejam boa noite ao seu Jesus.
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