SÃO JOSÉ
Na Vida de Cristo e da Igreja
Na Vida de Cristo e da Igreja
Pe. Maurício Meschler, S.J.
Edição de 1943
5. O
HOMEM DA VIDA OCULTA E DA VIDA INTERIOR
Como
tivemos ensejo de observar, São José é um santo oculto. Sua vida exterior
passa-se na sombra e no silêncio. A sua vida interior — aquela em que ele é
particularmente admirável — também é sombra e obscuridade. Nele, a sombra atrai
a sombra.
A
vida do nosso santo não oferece aos olhares nada de extraordinário, nada que
provoque atenção. Dos seus primeiros anos nada sabemos. Ele só nos aparece no
momento do advento do Salvador. Descende da família de Davi, decaída do seu
antigo esplendor. Os seus dias, na maioria, transcorrem na pequena povoação de
Nazaré, que motivou a pergunta: — "De
Nazaré pode sair alguma coisa boa?” (Jo 1,46) e ele não parece haver
exercido ali qualquer função oficial. Conhecem-no simplesmente como um
carpinteiro — profissão que não tem nada de glorioso. Quanto à sua missão
especial e pessoal de pai legal de Jesus, por mais bela e mais sublime que seja
em si mesma, ela precisamente requeria a sombra e o silêncio. Os profetas, os
apóstolos e os mártires proclamaram a divindade de Jesus e, por isso mesmo,
adquiriram a glória. Ao contrário, a missão de São José, durante a sua vida
inteira, foi encobrir essa divindade.
Já
o vimos: ele foi a sombra do Pai Celeste não só representando o Pai junto de Jesus,
mas ainda subtraindo aos olhos do mundo a divindade do Salvador, visto como aos
olhos de todos ele era o pai do Menino. Ora, a sombra não é só o silêncio. Ela
cobre com mistério tudo o que lhe entra na esfera. Velando a divindade de Jesus,
São José velava também o milagre realizado em Maria: a virgindade e a
maternidade divina.
Essa
missão especial, José aceita e cumpre-a de todo o coração, sem desmenti-la uma
só vez durante a vida inteira.Ele quer ser oculto, quer permanecer oculto. Mas
isso não bastava. Que maravilhas poderia ter ele revelado falando da Virgem
admirável, objeto de profecias tão numerosas e luminosas, esperança do povo de
Deus! Ele abriga sob o seu teto o Messias esperado com tanta impaciência e não
trai com uma só palavra o seu segredo! Leva-o consigo para o túmulo.
Quando
vêm os dias em que o Salvador realiza seus milagres, quando a glória da
Ressurreição transforma em triunfo os sofrimentos e as humilhações da Paixão,
José já não é deste mundo. Mesmo quando o cristianismo alarga as suas
conquistas, o nosso santo ainda permanece na sombra até que venha a hora de se
lhe prestar um culto bem merecido.
Tal
foi a prodigiosa vocação de José: ser a sombra, projetar a sombra sobre si
mesmo e sobre tudo o que entra na sua esfera, sobre o próprio Deus.
A
sua vida exterior foi, pois, uma vida oculta. Mas isso não bastava. Era mister
que essa vida oculta fosse igualmente uma vida interior. Assim o pedia a missão
do santo patriarca. Ser o guarda e o protetor da vida oculta de Jesus era a vocação
de São José. Ora, essa vida oculta do Salvador era essencialmente uma vida interior.
Para velar por essa vida, mister se fazia uma alma, um santo que amasse e praticasse
a vida interior.
Que
vem a ser essa vida interior? É o lado espiritual, o lado melhor da vida
humana. É a vida que confere ao homem uma grandeza e um valor muito acima das
aparências da vida exterior. Ela consiste na parte que a alma, o espírito do
homem, pelo seu lado superior e sobrenatural, toma nos atos exteriores. É o
homem vivendo para Deus, de Deus e em Deus. Assim sendo, para frisá-la em
alguns traços, a vida interior consiste sobretudo na pureza do coração, na fuga
de tudo o que pode desagradar a Deus e tornar-nos menos agradável a seus olhos,
por conseguinte na fuga de toda falta voluntária e ainda na vigência sobre o
nosso interior. Consiste, além disso, em nos esforçarmos por transformar todos
os nossos atos exteriores em outros tantos atos de virtude — de uma virtude
sobrenatural; transformá-los em outros tantos méritos perante Deus, dando-lhes
uma intenção reta e sobrenatural. Consiste enfim, em conversarmos diretamente com
Deus pela oração e em correspondermos fielmente às suas inspirações.
Eis
aí, praticamente, a vida interior. Tal deve ter sido a de São José. Mas quem
nos fará compreender-lhe a perfeição? Pensemos na missão gloriosa de José,
pensemos nas graças que Deus lhe concedeu dessa missão! Se desde o primeiro
instante de sua existência Maria recebeu uma plenitude transbordante de dons celestes,porque
devia ser a mãe do Salvador, José, cuja missão tem mais de uma analogia com a
de Maria, deve ter por sua vez recebido as graças correspondentes à sua alta
vocação. Esse capital de graças não pôde senão multiplicar-se pela prática da
vida interior, e frutificar tanto mais quanto a vida exterior do nosso santo
era mais humilde e, de alguma sorte, mais vulgar. Além disso, uma contínua
intimidade com o Salvador e com Maria favorecia singularmente o progresso da
vida interior.
Que
pureza nos pensamentos de José, suas intenções, porquanto, fruindo da sociedade
de Jesus, ele estava incessantemente, como os anjos, em presença do Deus três
vezes santo! Que recolhimento em suas ações, desde que a sua vida toda se
achava, por isso mesmo, diretamente consagrada ao serviço de Deus, à execução
dos conselhos divinos! Que fervor na caridade, pois tudo em torno dele, tudo o
que ele via, tudo o que ouvia, eram outras tantas revelações do amor de Deus, outras
tantas inexauríveis fontes de graças, outras tantas manifestações da sabedoria
e da beleza divinas! José estava imerso em Deus. A luz de Deus banhava-lhe a vida
interior, como a luz do astro das noites transparece através da nuvem que a vela
por um instante.
São
José é pois, o melhor modelo da vida interior. Sem dúvida, ele não era a luz
que impõe a atenção e fere todos os olhares. Compará-lo-íamos antes a um perfume
cujo aroma respiramos sem reconhecer sempre donde se exala. O nosso santo é,
pois, ainda agora, na Igreja, o padroeiro da vida interior. Essa vida interior
faz a sua grandeza. Ela lhe é necessária. Sem ela, ele não teria passado de uma
sombra vã diante dos homens e diante de Deus. Ter-se-ia assemelhado a esses
ricos e a esses grandes do mundo de quem a Escritura diz, que “no seu despertar, nada acharam nas suas mãos”
(Sl 76,6). Com ela e por ela, José foi rico diante de Deus. Foi grande da
grandeza do próprio Deus. Por ser Deus, e por ser infinitamente feliz em Si
mesmo, Deus nos é oculto, silencioso, invisível. E é a vida interior que nos
associa a essa grandeza de Deus, porque ela consiste essencialmente em viver
para Deus e em Deus.
A
vida interior é pureza, porque é uma frequente conversa com Deus, espelho de
toda pureza. É riqueza, porque tudo o que fazemos, fazemo-lo para Deus e o
transformamos numa recompensa eterna. É força porque, pela união com Deus, ela
nos atrai a graça de vencermos os perigos e as dificuldades da vida exterior.
Coloquemo-nos,
pois, sob a proteção de São José e, confiantes no seu socorro, trilhemos os
caminhos da vida interior, pela vigilância sobre nós mesmos, pela pureza de intenção
em todas as coisas, pela prática da oração, pela docilidade às inspirações da
graça. Sem estes exercícios da vida interior, a própria vida mais oculta
ficaria sem mérito diante de Deus, sem valor para a eternidade. E, para entrar
nessa Terra prometida da vida interior, não há guia melhor nem mais seguro do
que São José: é uma das recompensas concedidas aos serviços que ele prestou à
santa infância do Salvador.
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