SÃO JOSÉ
Na Vida de Cristo e da Igreja
Na Vida de Cristo e da Igreja
Pe. Maurício Meschler, S.J.
Edição de 1943
6. O
HOMEM DA VIDA EXTERIOR
A
vida do homem não é nem exclusivamente interior, nem exclusivamente exterior.
Composto de corpo e alma, o homem é chamado a exercer a sua atividade numa
dupla esfera. Além disto ele não vive isolado, mas em sociedade, entrando forçosamente
em relações com seus semelhantes. A sua vida é, pois, mista, isto é conjuntamente
exterior e interior.
São
José conheceu essa lei da nossa natureza. Por isso, deparamos nele, simultaneamente,
a vida interior e exterior. Não foi um ermitão. Não foi um daqueles essênios,
tão numerosos então na Judeia. Vivia na sociedade de seus semelhantes e,antes
de tudo,na da Sagrada Família, de que era chefe, sustentáculo e protetor.
Demais,
estava em relações, mesmo frequentes, com seus concidadãos e exercia uma
profissão que necessariamente, o punha em contato com as pessoas de fora. Teve
de viajar repetidas vezes. Cada ano, no mínimo, Ele ia a Jerusalém para as
grandes solenidades. Constrangido a fugir por ordem de Deus, foi até o Egito e ali
permaneceu certo tempo. Se a arte cristã o representa com um bordão é, entre
outros significados, para lembrar essas viagens.
Finalmente,
São José exerceu uma profissão, uma profissão bem vulgar e material, porque
pelo seu trabalho devia assegurar à Sagrada Família o pão cotidiano. Eis porque
nas pinturas ou mosaicos dos primeiros séculos, vemos um serrote ou um machado
junto do presépio: é a ferramenta do carpinteiro.
Mas
essa vida exterior do nosso santo foi uma vida admiravelmente ordenada e
perfeita. Pelas razões seguintes: primeiramente, por causa dos motivos que o
faziam cumprir seus deveres de estado, assim como pela sua obediência à vontade
de Deus, pelo seu amor a Jesus e a Maria, que formavam sua família, muitíssimas
vezes também por caridade para com o próximo e pelo nobre desejo de lhe ir em
auxílio. Se ele se misturava aos seus concidadãos, nunca era por um sentimento
de tédio ou de cansaço no seu labor, por desocupação, por capricho, unicamente
para seu prazer, à cata de novidades ou de consolações. É bem certo que suas
viagens a Nazaré e ao Egito não foram viagens de recreio. De acordo com os
princípios da perfeição e com as máximas dos santos, a vida exterior deve de
alguma sorte decorrer da plenitude do espírito interior, deve ser uma efusão do
nosso amor a Deus e ao próximo.
Em
segundo lugar, a vida exterior de São José foi uma vida admiravelmente ordenada
e perfeita, pela maneira como se comportava nela. Entregava-se a ela sem que
nada tivessem a sofrer o cuidado pela sua vida interior, a vigilância sobre sua
alma e a sua união com Deus. Sua vida exterior era como que o desabrochar de
sua alma. O pensamento de Deus, o amor de Deus inspiravam, acompanhavam e
enobreciam cada um de seus atos, e transformavam-nos em outros tantos atos de
virtude. Longe de ser comprometida pela vida exterior, a vida interior
enriquecia-se continuamente com todas as dificuldades e contrariedades, com
todos os sacrifícios que se apresentavam. A caridade divina ia também crescendo
incessantemente e o santo desfrutava, além disso, a consolação de ter sido útil
aos seus semelhantes.
São
José dá-nos assim uma grande lição. Todos nós temos que levar uma vida
exterior. Mas é preciso ordená-la. Todos nós temos que trabalhar. Mas é preciso
trabalhar devidamente. E aqui há dois escolhos a evitar: a falta e o excesso.
A
falta. Muitas vezes trabalhamos de menos: é a ociosidade, o desperdício de
tempo, a falta de seriedade, a negligência em consagrar a nossa vida, as nossas
forças e os nossos talentos à glória de Deus e ao bem do próximo. Outras vezes,
também, o mal não consiste em não fazermos nada, em não nos darmos a nenhuma
ocupação, mas em nos gastarmos numa multidão de negócios inúteis, em nos
ocuparmos de coisas que não pertencem à nossa vocação, nem ao; nossos deveres
de estado, que não têm nenhuma utilidade real nem para nós mesmos, nem para
nossos semelhantes. Agir e trabalhar assim não é agir nem trabalhar: é
remexer-se, agitar-se, seguir o próprio capricho. É assim que trabalham certas
aves que passam seu tempo a alisar a plumagem, a saltitar de um barrote a outro
da gaiola, a ensaiar um trinado, a comer e a beber. Acaso é trabalhar ir de
visita a visita, de uma conversa a outra conversa, de um passatempo a outro
passatempo e ter, para isso, todo o tempo à disposição? O trabalho, no
verdadeiro sentido do termo, é o trabalho pedido pelos nossos deveres de
estado, o trabalho útil, o trabalho em relação com a nossa vocação. Tudo o mais
não passa de um meio de fugir ao tédio, de escapar à monotonia mortal.
Examinemos seriamente, perante Deus e perante nossa consciência, de que maneira
empregamos nossa vida, nossas forças e nossos talentos. Um dia Deus nos pedirá
conta não só do mau emprego, mas ainda do desperdício do tempo. Um homem de
coração deveria envergonhar-se de comer sem ter merecido a sua comida, e de
ficar tranquilamente de braços cruzados, quando tão grande número de seus
semelhantes tem de submeter-se a um duro labor, quando o Salvador, Sua Santa
Mãe e São José tiveram de ganhar penosamente o pão quotidiano. O pão que não se
ganhou é um pão roubado, ao menos diante de Deus, pois está escrito: — “Quem não quiser trabalhar, também não há de
comer” (2Tes 3,10). E, além disso, vejamos se, cumpridos os nossos deveres
de estado, não nos resta nada a fazer para auxiliarmos nosso próximo, para
cumprirmos a nossa missão social, para correspondermos às necessidades da nossa
época tomando parte ativa nas obras de caridade. Não é de todos os instantes a
prática do grande preceito do amor de Deus e do próximo? Ponha-se cada um a
trabalhar pelo bem de todos, e em breve estarão resolvidas as questões sociais.
Todos nós podemos muito, se quisermos. Façamos ao menos o que pudermos. Isto
basta.
Em
segundo lugar, o excesso. Podemos trabalhar demais. Trabalha-se demais, quando
o trabalho exterior se faz em detrimento do interior, em detrimento da nossa consciência
e de Deus; quando, absorvidos pelo exterior, descuramos o propor-nos uma
intenção mais alta e sobrenatural; quando nos damos a essas ocupações sem
pormos nossa confiança em Deus; quando nos apegamos a elas servilmente, sem
pensar na eternidade. Tomado no sentido verdadeiro do termo e com a sua
significação cristã, o trabalho exercido para Deus e para a salvação de nossa
alma é uma obrigação e uma honra para o homem. É a condição do seu progresso, e
da sua felicidade no tempo e na eternidade. No céu, a nossa parte será, na
realidade, a que nos tivermos granjeado pelo nosso trabalho. Compreendido
diversamente, o trabalho perde toda a sua significação; torna-se uma divindade
cruel, um Moloc que devora o corpo e a alma do homem. Enfim — e é a isto que
cumpre chegar sempre — o trabalho é para
o homem e o homem é para Deus.
Não
é, pois, um fim, mas um meio... Destarte, afim de não trilharmos caminho falso
em nosso trabalho, propiciemo-nos cada dia alguns instantes para nos
recolhermos e orarmos.
Como
se vê, São José é o modelo indicado para o nosso século, em que se faz do
trabalho um ídolo. Pela justa medida que ele soube guardar, pela sabedoria com
que uniu a vida interior à exterior, Ele é o padroeiro tanto da classe operária
como dos homens apostólicos. Digamos melhor: é o modelo de todos os homens.
Peçamos-lhe a graça de imitá-lo neste ponto: essa graça é uma das que entram
nas suas atribuições.
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