SÃO JOSÉ
Na Vida de Cristo e da Igreja
Na Vida de Cristo e da Igreja
Pe. Maurício Meschler, S.J.
Edição de 1943
Quando
nós representamos São José, vêmo-lo sempre em companhia de Jesus e de Maria.
Vemo-lo fundando a Sagrada Família, dirigindo-a, velando por ela. Efetivamente,
foi ela o cenário da sua missão, do seu trabalho e da sua morte.
7. O
PADROEIRO DA FAMÍLIA
É
aliás lei geral: o homem é chamado para viver e agir na sociedade. A vida
humana tem o seu coroamento na vida social. Deus, que criou o homem à sua
imagem, quis também que a sociedade humana fosse uma imagem dessa sociedade
divina que é a SS.Trindade. Na unidade da natureza É na pluralidade das
pessoas, na perfeita igualdade de poder e na distinção das processões divinas,
a SS. Trindade é o modelo sublime das múltiplas sociedades que, nascendo uma da
outra, representam, em graus diferentes, a diversidade numa soberana unidade.
A
humanidade toda forma um conjunto de agrupamentos sociais, quer na ordem
natural quer na ordem sobrenatural. Desde que inferiores se reúnem sob um
superior, há sociedade. A família dá nascimento à comuna, a comuna dá
nascimento ao Estado. Do mesmo modo, na ordem sobrenatural, achamos as diversas
sociedades religiosas e a Igreja. Todos os graus dessa dupla hierarquia têm em
São José um padroeiro e um protetor celeste.
Em
primeiro lugar, a família. Para a ordem e prosperidade da família, é preciso
primeiro a autoridade que funda e governa a sociedade doméstica. É preciso a
piedade que mantêm a família nas relações requeridas com Deus e lhe assegura as
bênçãos celestes. É preciso o trabalho que proporciona a subsistência e cria os
recursos materiais. É preciso o amor que traz consigo a paz e a alegria.
Já
estudamos São José sob todos esses pontos de vista. A sua vocação foi
essencialmente a de ser chefe da Sagrada Família. Essa Família, ele a fundou
pela sua aliança com Maria. Que dignidade e que graça na sua autoridade, visto
que ele representa o Pai Celeste, de quem é a imagem pela pureza, pela
sabedoria, pela fidelidade! Ele nos é um admirável modelo na sua piedade, no
seu trabalho que executa para se conformar ao beneplácito divino, com zelo,
confiando na Providência.
Sabemos,
enfim, o que foi o seu amor. Por isso, de que alegria e de que segurança não
gozava a Sagrada Família sob esse governo paternal, mesmo no meio das provações
e contrariedades que são neste mundo o quinhão de toda família e que não
faltaram à de Nazaré! Em todas as circunstâncias foi São José o protetor, o
conselheiro, o consolador dos seus.Ele é pois, com toda razão, o padroeiro da família
e é honrado como tal em todo lar cristão. Houve jamais uma família que, melhor
que a Sagrada Família, fosse a imagem da augusta Trindade? Jesus, Maria, José —
eis a trindade terrestre.
A
comuna, primeiro, depois o Estado, eis a extensão da sociedade doméstica pelo
agrupamento de várias famílias sob um chefe comum, mirando — é pelo menos o fim
próximo — assegurar o bem-estar temporal. Em si mesmo, o Estado cristão faz
parte do plano divino para a salvação do homem, para a proteção da família, para
a economia da Providência no governo do mundo. O Egito oferece-nos um exemplo
dessas intenções misericordiosas de Deus: sob a direção de José, filho de Jacó
e figura do nosso santo, ele foi um meio de salvação para o povo escolhido e,
por ele, um meio de salvação para o mundo. São José, é verdade, não foi um
chefe de Estado. Mas, muito melhor ainda do que o ministro do Faraó, ele foi “o pai do rei” (Gn 45,8), do soberano
Rei, do Rei dos reis.
E,
para ser o chefe da Sagrada Família, era preciso uma virtude mais alta e uma
santidade mais excelente do que o pedia o governo do Egito. São José não salvou
apenas um só povo e um só país da morte pela fome, mas transmitiu a toda a
humanidade o pão da vida eterna.
Pelas
suas virtudes, que são bem as virtudes de um chefe de Estado — pela sua
sabedoria, pela sua bondade obsequiosa, pela sua política toda celeste — São
José é um maravilhoso modelo para todos os que exercem poder, como é um modelo
para os súditos, pela sua obediência, pelo seu respeito à autoridade. Só sabe
mandar bem quem sabe obedecer bem. Eis porque, outrora, monarcas e chefes de
casas poderosas escolhiam a São José para protetor da sua família e do seu
país. E José não lhes traiu a confiança. Mas vieram outros tempos, outras
máximas presidem hoje ao governo dos Estados: “Não se pensa mais em José” (Ex 1,8). As coisas vão porventura
melhor para os príncipes e para os povos? Quem ousaria afirmá-lo?
Em
terceiro lugar, temos a Igreja, a grande sociedade sobrenatural, a família de
Deus neste mundo. Como em toda sociedade, na Igreja faz-se mister um governo. É
a hierarquia do sacerdócio com os seus graus. Ora, o poder sacerdotal
estende-se primeiramente ao verdadeiro corpo de Jesus Cristo, real e
substancialmente presente na Eucaristia que continua a viver entre nós. Desse
poder dimana a autoridade do sacerdócio eclesiástico sobre o corpo místico do
Salvador, isto é, sobre os fiéis, para instruí-los, guiá-los, reconciliá-los
com Deus, alcançar-lhes e dispensar-lhes as graças e orar por eles.
A
Igreja tem o seu modelo na Sagrada Família. Ora, em Nazaré, São José era o
chefe, o pai, o protetor, o guia. Por todos esses títulos, ele pertence de
maneira especial à Igreja, que era a finalidade, e, por assim dizer, é a
extensão e a continuação da Sagrada Família.
Por
outro lado, são os sacerdotes, na Igreja, os membros principais. Dessarte,
entre São José e o sacerdócio, há uma relação toda particular, sob um duplo
ponto de vista. Primeiramente, sob o ponto de vista da função. Como vimos, José
teve um grandíssimo poder sobre a pessoa do Salvador. De certa maneira, ele nos
transmite Jesus. Foi José quem o educou, quem o sustentou, quem velou por ele.
A sua missão consagrava-o muito especialmente à pessoa de Jesus Cristo. Sua vida,
seus atos foram a vida e os atos de um sacerdote, visto como o sacerdócio visa
primordialmente a administração do sacramento do altar. Se lhe não devemos o
Salvador de maneira imediata como o devemos ao sacerdote, que pronuncia as
palavras da consagração, as funções que o ligavam a Jesus, os desvelos de que o
cercava, tinham entretanto uma importância maior, e o punham com o Senhor numa
relação mais imediata do que todos os ministros do altar.
Em
segundo lugar, sob o ponto de vista das virtudes, as de São José foram virtudes
eminentemente sacerdotais: espírito de fé, pureza, humildade, zelo das almas.
Não tornaremos a este assunto, de que já falamos. Como se vê, São José é o mais
belo modelo do sacerdote.
Mas,
na Igreja de Deus, há uma outra família que pode reclamar a proteção de São
José de maneira especial: a família religiosa, a comunidade das almas cuja
vocação é o estado religioso. A vida religiosa é excelentemente a escola da
perfeição, já que, por dever de estado, o religioso é obrigado a tender à
perfeição. Para essa vocação, como para qualquer outra aliás, a perfeição consiste
essencialmente no amor de Deus. Mas o que distingue o estado religioso são os
meios empregados para alcançar o fim. No mundo, para chegar ao amor de Deus e
praticá-lo, as pessoas se contentam com o meio essencialmente necessário — a
observância dos preceitos — ao passo que, na vocação religiosa, se recorre aos
meios de supererrogação — conselhos evangélicos, votos, que, sem serem em si
mesmos obrigatórios para ninguém, constituem os melhores meios de perfeição, porque
contribuem muito energicamente para afastar os obstáculos do amor de Deus. Ao apego
aos bens exteriores, eles opõem a pobreza; ao atrativo dos prazeres sensíveis,
a castidade; aos perigos da vontade própria e da independência, a obediência. A
esses meios gerais, comuns a todos os que vivem em religião, cada Ordem
acrescenta certos meios particulares para atingir a perfeição da amor divino,
pela prática da vida contemplativa ou da vida ativa, conforme se trata de
trabalhar unicamente na santificação pessoal ou de consagrar-se ao mesmo tempo
à salvação das almas. É assim que se distinguem as Ordens contemplativas e as
Ordens ativas.
Mas,
de uma parte e de outra, existem relações estreitas entre São José e a vocação
religiosa, existem poderosos motivos para invocar a proteção do Santo
patriarca. Acaso se propôs ele, neste mundo, outro fim senão a perfeição no
amor de Deus? Não praticou, em toda verdade, a obediência, a pobreza, a
castidade? Até onde não levou ele a perfeição da caridade? Não uniu admiravelmente
a vida contemplativa à vida ativa, a vida interior à vida exterior? Não oferece
ele o mais belo modelo das diversas formas de perfeição que as diferentes
Ordens religiosas se podem propor? Quem, pois,mais do que ele se aproxima do
soberano modelo, Jesus Cristo Nosso Senhor, na união desses dois gêneros de
vida? Eis porque todas as Ordens religiosas — quer se deem à vida
contemplativa, quer à vida ativa, ou quer professem a vida mista — veem em São
José o padroeiro da sua vocação e se comprazem em ter nele o seu protetor
especial. Eis porque lhes consagraram particularmente as suas missões entre os
infiéis. Não foi junto a ele que os Reis Magos, primícias dos gentios, acharam
o Salvador? Não foi ele quem primeiro levou Jesus a uma região idólatra, ao
Egito?
Não
há, pois, na Igreja um só grupo importante, uma só sociedade d’almas na qual
São José não pertença, por assim dizer, à família; em que não deva —
permitam-nos a expressão — considerar-se como estando em sua casa. Cada uma das
diversas formas que a vida de família reveste é para nós, como para ele, uma
cara lembrança e uma doce imagem da vida, das alegrias e dos sofrimentos que
foram os seus junto do divino Salvador e de Maria. Ele se santificou na
família. Pelo seu admirável exemplo, santificou a vida de família. Foi por isso
que, nesta ordem de coisas, Deus lhe deu de ser um poderoso protetor. A família,
a sociedade doméstica, seja qual for a forma que revista — família propriamente
dita, Estado, Igreja, Ordem religiosa — é uma grandiosa e bela criação de Deus.
E por ser uma criação de Deus, por ser de extrema importância para a glória de
Deus e para a salvação do mundo, é cara a São José, tanto mais cara quanto
mormente hoje em dia, o demônio procura profanar a família, arruiná-la, fazer
dela um instrumento de maldição, um inferno na terra. Cumpre, pois, que São
José intervenha, que o chefe da Sagrada Família se oponha ao inimigo, que ele,
uma vez mais, salve “o Filho e sua Mãe”.
Terminemos
por uma reflexão que nos explicará a razão de um título muitas vezes dado a São
José. Já que o nosso Santo é o protetor natural de todas as associações ou
famílias que se agrupam na Igreja, Pio IX deu-o por padroeiro à Igreja
universal. São José, portanto, faz jus, com toda razão, ao nome glorioso de
patriarca. Os patriarcas eram os pais e chefes das tribos de Israel,do povo de
Deus. Tinham a honra e o privilégio de preparar o nascimento de Jesus Cristo.
Muito mais: esposo de Maria, da Mãe de Deus, ele foi o pai legal do Salvador. Ele
marca, pois, o apogeu do Testamento antigo e o ponto de partida do novo que —
consoante a palavra de Leão XIII numa das suas encíclicas — começou quando a Sagrada
Família foi fundada. Na sua qualidade de patriarca, São José pertence, assim,
tanto à Lei antiga quanto à nova. É, por conseguinte, o patriarca dos
patriarcas. É o patriarca no sentido mais elevado do termo, porque a Aliança
nova sobreleva infinitamente ao Testamento antigo sob todos os portes de vista.
Com uma das mãos, ele abençoa o antigo, e com a outra o novo Testamento. Quem
lhe pode ser comparado?
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