18/03 - Em honra a São José - excertos do livro

SÃO JOSÉ
Na Vida de Cristo e da Igreja
Pe. Maurício Meschler, S.J.
Edição de 1943




7.   O PADROEIRO DA FAMÍLIA
Quando nós representamos São José, vêmo-lo sempre em companhia de Jesus e de Maria. Vemo-lo fundando a Sagrada Família, dirigindo-a, velando por ela. Efetivamente, foi ela o cenário da sua missão, do seu trabalho e da sua morte.

É aliás lei geral: o homem é chamado para viver e agir na sociedade. A vida humana tem o seu coroamento na vida social. Deus, que criou o homem à sua imagem, quis também que a sociedade humana fosse uma imagem dessa sociedade divina que é a SS.Trindade. Na unidade da natureza É na pluralidade das pessoas, na perfeita igualdade de poder e na distinção das processões divinas, a SS. Trindade é o modelo sublime das múltiplas sociedades que, nascendo uma da outra, representam, em graus diferentes, a diversidade numa soberana unidade.
A humanidade toda forma um conjunto de agrupamentos sociais, quer na ordem natural quer na ordem sobrenatural. Desde que inferiores se reúnem sob um superior, há sociedade. A família dá nascimento à comuna, a comuna dá nascimento ao Estado. Do mesmo modo, na ordem sobrenatural, achamos as diversas sociedades religiosas e a Igreja. Todos os graus dessa dupla hierarquia têm em São José um padroeiro e um protetor celeste.
Em primeiro lugar, a família. Para a ordem e prosperidade da família, é preciso primeiro a autoridade que funda e governa a sociedade doméstica. É preciso a piedade que mantêm a família nas relações requeridas com Deus e lhe assegura as bênçãos celestes. É preciso o trabalho que proporciona a subsistência e cria os recursos materiais. É preciso o amor que traz consigo a paz e a alegria.
Já estudamos São José sob todos esses pontos de vista. A sua vocação foi essencialmente a de ser chefe da Sagrada Família. Essa Família, ele a fundou pela sua aliança com Maria. Que dignidade e que graça na sua autoridade, visto que ele representa o Pai Celeste, de quem é a imagem pela pureza, pela sabedoria, pela fidelidade! Ele nos é um admirável modelo na sua piedade, no seu trabalho que executa para se conformar ao beneplácito divino, com zelo, confiando na Providência.
Sabemos, enfim, o que foi o seu amor. Por isso, de que alegria e de que segurança não gozava a Sagrada Família sob esse governo paternal, mesmo no meio das provações e contrariedades que são neste mundo o quinhão de toda família e que não faltaram à de Nazaré! Em todas as circunstâncias foi São José o protetor, o conselheiro, o consolador dos seus.Ele é pois, com toda razão, o padroeiro da família e é honrado como tal em todo lar cristão. Houve jamais uma família que, melhor que a Sagrada Família, fosse a imagem da augusta Trindade? Jesus, Maria, José — eis a trindade terrestre.
A comuna, primeiro, depois o Estado, eis a extensão da sociedade doméstica pelo agrupamento de várias famílias sob um chefe comum, mirando — é pelo menos o fim próximo — assegurar o bem-estar temporal. Em si mesmo, o Estado cristão faz parte do plano divino para a salvação do homem, para a proteção da família, para a economia da Providência no governo do mundo. O Egito oferece-nos um exemplo dessas intenções misericordiosas de Deus: sob a direção de José, filho de Jacó e figura do nosso santo, ele foi um meio de salvação para o povo escolhido e, por ele, um meio de salvação para o mundo. São José, é verdade, não foi um chefe de Estado. Mas, muito melhor ainda do que o ministro do Faraó, ele foi “o pai do rei” (Gn 45,8), do soberano Rei, do Rei dos reis.
E, para ser o chefe da Sagrada Família, era preciso uma virtude mais alta e uma santidade mais excelente do que o pedia o governo do Egito. São José não salvou apenas um só povo e um só país da morte pela fome, mas transmitiu a toda a humanidade o pão da vida eterna.
Pelas suas virtudes, que são bem as virtudes de um chefe de Estado — pela sua sabedoria, pela sua bondade obsequiosa, pela sua política toda celeste — São José é um maravilhoso modelo para todos os que exercem poder, como é um modelo para os súditos, pela sua obediência, pelo seu respeito à autoridade. Só sabe mandar bem quem sabe obedecer bem. Eis porque, outrora, monarcas e chefes de casas poderosas escolhiam a São José para protetor da sua família e do seu país. E José não lhes traiu a confiança. Mas vieram outros tempos, outras máximas presidem hoje ao governo dos Estados: “Não se pensa mais em José” (Ex 1,8). As coisas vão porventura melhor para os príncipes e para os povos? Quem ousaria afirmá-lo?
Em terceiro lugar, temos a Igreja, a grande sociedade sobrenatural, a família de Deus neste mundo. Como em toda sociedade, na Igreja faz-se mister um governo. É a hierarquia do sacerdócio com os seus graus. Ora, o poder sacerdotal estende-se primeiramente ao verdadeiro corpo de Jesus Cristo, real e substancialmente presente na Eucaristia que continua a viver entre nós. Desse poder dimana a autoridade do sacerdócio eclesiástico sobre o corpo místico do Salvador, isto é, sobre os fiéis, para instruí-los, guiá-los, reconciliá-los com Deus, alcançar-lhes e dispensar-lhes as graças e orar por eles.
A Igreja tem o seu modelo na Sagrada Família. Ora, em Nazaré, São José era o chefe, o pai, o protetor, o guia. Por todos esses títulos, ele pertence de maneira especial à Igreja, que era a finalidade, e, por assim dizer, é a extensão e a continuação da Sagrada Família.
Por outro lado, são os sacerdotes, na Igreja, os membros principais. Dessarte, entre São José e o sacerdócio, há uma relação toda particular, sob um duplo ponto de vista. Primeiramente, sob o ponto de vista da função. Como vimos, José teve um grandíssimo poder sobre a pessoa do Salvador. De certa maneira, ele nos transmite Jesus. Foi José quem o educou, quem o sustentou, quem velou por ele. A sua missão consagrava-o muito especialmente à pessoa de Jesus Cristo. Sua vida, seus atos foram a vida e os atos de um sacerdote, visto como o sacerdócio visa primordialmente a administração do sacramento do altar. Se lhe não devemos o Salvador de maneira imediata como o devemos ao sacerdote, que pronuncia as palavras da consagração, as funções que o ligavam a Jesus, os desvelos de que o cercava, tinham entretanto uma importância maior, e o punham com o Senhor numa relação mais imediata do que todos os ministros do altar.
Em segundo lugar, sob o ponto de vista das virtudes, as de São José foram virtudes eminentemente sacerdotais: espírito de fé, pureza, humildade, zelo das almas. Não tornaremos a este assunto, de que já falamos. Como se vê, São José é o mais belo modelo do sacerdote.
Mas, na Igreja de Deus, há uma outra família que pode reclamar a proteção de São José de maneira especial: a família religiosa, a comunidade das almas cuja vocação é o estado religioso. A vida religiosa é excelentemente a escola da perfeição, já que, por dever de estado, o religioso é obrigado a tender à perfeição. Para essa vocação, como para qualquer outra aliás, a perfeição consiste essencialmente no amor de Deus. Mas o que distingue o estado religioso são os meios empregados para alcançar o fim. No mundo, para chegar ao amor de Deus e praticá-lo, as pessoas se contentam com o meio essencialmente necessário — a observância dos preceitos — ao passo que, na vocação religiosa, se recorre aos meios de supererrogação — conselhos evangélicos, votos, que, sem serem em si mesmos obrigatórios para ninguém, constituem os melhores meios de perfeição, porque contribuem muito energicamente para afastar os obstáculos do amor de Deus. Ao apego aos bens exteriores, eles opõem a pobreza; ao atrativo dos prazeres sensíveis, a castidade; aos perigos da vontade própria e da independência, a obediência. A esses meios gerais, comuns a todos os que vivem em religião, cada Ordem acrescenta certos meios particulares para atingir a perfeição da amor divino, pela prática da vida contemplativa ou da vida ativa, conforme se trata de trabalhar unicamente na santificação pessoal ou de consagrar-se ao mesmo tempo à salvação das almas. É assim que se distinguem as Ordens contemplativas e as Ordens ativas.
Mas, de uma parte e de outra, existem relações estreitas entre São José e a vocação religiosa, existem poderosos motivos para invocar a proteção do Santo patriarca. Acaso se propôs ele, neste mundo, outro fim senão a perfeição no amor de Deus? Não praticou, em toda verdade, a obediência, a pobreza, a castidade? Até onde não levou ele a perfeição da caridade? Não uniu admiravelmente a vida contemplativa à vida ativa, a vida interior à vida exterior? Não oferece ele o mais belo modelo das diversas formas de perfeição que as diferentes Ordens religiosas se podem propor? Quem, pois,mais do que ele se aproxima do soberano modelo, Jesus Cristo Nosso Senhor, na união desses dois gêneros de vida? Eis porque todas as Ordens religiosas — quer se deem à vida contemplativa, quer à vida ativa, ou quer professem a vida mista — veem em São José o padroeiro da sua vocação e se comprazem em ter nele o seu protetor especial. Eis porque lhes consagraram particularmente as suas missões entre os infiéis. Não foi junto a ele que os Reis Magos, primícias dos gentios, acharam o Salvador? Não foi ele quem primeiro levou Jesus a uma região idólatra, ao Egito?
Não há, pois, na Igreja um só grupo importante, uma só sociedade d’almas na qual São José não pertença, por assim dizer, à família; em que não deva — permitam-nos a expressão — considerar-se como estando em sua casa. Cada uma das diversas formas que a vida de família reveste é para nós, como para ele, uma cara lembrança e uma doce imagem da vida, das alegrias e dos sofrimentos que foram os seus junto do divino Salvador e de Maria. Ele se santificou na família. Pelo seu admirável exemplo, santificou a vida de família. Foi por isso que, nesta ordem de coisas, Deus lhe deu de ser um poderoso protetor. A família, a sociedade doméstica, seja qual for a forma que revista — família propriamente dita, Estado, Igreja, Ordem religiosa — é uma grandiosa e bela criação de Deus. E por ser uma criação de Deus, por ser de extrema importância para a glória de Deus e para a salvação do mundo, é cara a São José, tanto mais cara quanto mormente hoje em dia, o demônio procura profanar a família, arruiná-la, fazer dela um instrumento de maldição, um inferno na terra. Cumpre, pois, que São José intervenha, que o chefe da Sagrada Família se oponha ao inimigo, que ele, uma vez mais, salve “o Filho e sua Mãe”.

Terminemos por uma reflexão que nos explicará a razão de um título muitas vezes dado a São José. Já que o nosso Santo é o protetor natural de todas as associações ou famílias que se agrupam na Igreja, Pio IX deu-o por padroeiro à Igreja universal. São José, portanto, faz jus, com toda razão, ao nome glorioso de patriarca. Os patriarcas eram os pais e chefes das tribos de Israel,do povo de Deus. Tinham a honra e o privilégio de preparar o nascimento de Jesus Cristo. Muito mais: esposo de Maria, da Mãe de Deus, ele foi o pai legal do Salvador. Ele marca, pois, o apogeu do Testamento antigo e o ponto de partida do novo que — consoante a palavra de Leão XIII numa das suas encíclicas — começou quando a Sagrada Família foi fundada. Na sua qualidade de patriarca, São José pertence, assim, tanto à Lei antiga quanto à nova. É, por conseguinte, o patriarca dos patriarcas. É o patriarca no sentido mais elevado do termo, porque a Aliança nova sobreleva infinitamente ao Testamento antigo sob todos os portes de vista. Com uma das mãos, ele abençoa o antigo, e com a outra o novo Testamento. Quem lhe pode ser comparado?

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