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XIX. ALMA DE MÁRTIR
Se Maria soube cantar
e, com seu cântico inspirado, encher de tons alegres as naves do templo imenso
deste mundo, não foi porque lhe tivesse sido poupado o sofrimento. Não; depois
de Jesus, foi ela que do sofrimento recebeu maior quinhão. De modo que a Igreja
lhe chama na sua linguagem exata “Rainha dos Mártires”. E com quanta razão! — Quem
ama quer dar provas de seu amor. E quanto maior for o amor, maior será a prova.
Por isso afirmou Jesus Cristo que não há maior caridade do que dar a vida por
quem se ama... As almas mesquinhas não amam. Porque amar é dar uma parcela de
si mesmo. Ou dar-se todo inteiro. E disso são elas incapazes. As almas grandes,
porém, amam. Porque sentem necessidade de se sacrificar. Dividem-se. Dão-se aos
pedaços. E, sendo intenso o amor, é completo o holocausto. É, assim, a história
do martírio. A história de Cristo, o mártir divino. A história de Maria, rainha
dos mártires. Cuja vida é um sacrifício perene, marcado pelos sete grandes sacrifícios
que fizeram, por assim dizer, Maria ser martirizada sete vezes.
Oh! Quanto sofreu a
alma gloriosa de Maria! Pequenina ainda, já uma espada lhe transpassa a alma,
pela separação completa de seus queridos e santos Pais. Maiorzinha, pela
separação do Templo, onde tanta paz gozara. Muito jovem ainda e já aceita, pelo
seu Fiat, todas as responsabilidades
e todas as dores que os Livros Santos prometiam à Mãe do Messias. E quanto sofre
com a dúvida de seu santo esposo! E na viagem forçada para Belém, onde o
desprezo e o pouco caso dos seus a provaram rudemente; e, depois, no abandono
da gruta, na penúria em que vê nascer o seu Jesusinho. No templo é a linguagem
cruel do velho Simeão, profetizando coisas tristes... E vem a perseguição desumana
de Herodes, que a leva para o exílio, onde vê ídolos e pecados. Depois, três
dias à procura de seu Menino Deus, com que dor! E lá no remanso de Nazaré sofre
também e como! Vendo crescer, com o seu Jesus, a sombra da cruz que o espera! E
quando ela fica só, depois da morte de S. José e da despedida de seu Filho, que
começava sua peregrinação apostólica, ouve, é verdade, de seus milagres e de
seus sucessos, mas ouve, também, do ódio e das ameaças que O acompanham. E
isso, até à grande realidade: o Filho traído, preso, maltratado, esbofeteado,
cuspido, flagelado, julgado e condenado pelo povo... Ela deixa a sua solidão; e eis o encontro
mais dramático entre uma mãe e seu filho que jamais se deu neste mundo! Depois,
lá no alto do Calvário, é o que todos os grandes pintores procuraram, em vão,
reproduzir: a sagração do amor heróico de uma Mãe que é Mártir duas vezes! E
nasce, assim, o admirável “Stabat Mater”
do Bem. Frei Jacopone.
“Eis — medita o
grande bispo húngaro Prohászka — até onde a guiou, por alegrias e sofrimentos,
o Divino Espírito Santo! Maria — continua o mesmo santo bispo — é o momento
mais maravilhoso da Paixão”. E como se não bastasse ter galgado, assim, ao ápice
do martírio, segue-se a descida da cruz, a sepultura, após a qual, a soledade
dolorosa... São Boaventura, contemplando a alma da Virgem, se lamentava: “eis
que as chagas espalhadas pelo corpo divino de Jesus, eu as vejo todas reunidas
na vossa alma, ó Maria!” O mesmo dizia o grande judeu convertido P. Ratisbonne:
“Toda a paixão de Cristo se reproduziu na alma de Maria, como em um espelho”.
O sofrimento! Eis o
grande problema da vida humana. . Mas que, para nós, cristãos, é problema
resolvido. Amemo-lo, portanto. Soframos voluntariamente, para não nos assemelharmos
aos brutos que sofrem forçados. O sofrimento nos purifica e nos aproxima de
Deus. “Quem entende o que é amor, deve entender o que é sofrimento”, dizia
Prohászka. Por isso Santa Teresa exclamava: "Ou sofrer, ou morrer!” E São
João da Cruz: “Só um desejo eu tenho, Senhor: sofrer e ser desprezado por amor
de Vós!” E o Patriarca seráfico: “Quem me dera, ó Jesus, sofrer o que Vós sofrestes!”
E nós?!
RAINHA dos Mártires,
Virgem dolorosíssima, alcançai-nos a graça de permanecer, sempre, convosco, ao
pé da Cruz. Fazei que, inebriados pelo Sangue de Cristo, amemos o sofrimento e
experimentemos, assim, toda a sua força purificadora e santificadora. Assim
seja!
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Do Livro: A Alma Gloriosa de Maria - Frei Henrique G. Trindade, O.F.M. - 1937 - segunda edição
Do Livro: A Alma Gloriosa de Maria - Frei Henrique G. Trindade, O.F.M. - 1937 - segunda edição
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