Capítulo IV - Contradições

CENTELHAS EUCARÍSTICAS
 PEQUENA COLEÇÃO
DE
Pensamentos e afetos devotos
a
JESUS SACRAMENTADO


IV
Contradições
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 DIGO muitas vezes que quero amar a Jesus, e realmente quero amá-lo; sei que o amor conduz necessariamente à imitação, e que não pode amar-se a Jesus sem imitá-lo; mas, se se trata de eu sofrer um pouco por seu amor tornando-me deste modo semelhante a Ele, logo a coragem me falta e o desânimo se apodera de mim.
Digo que o amo, mas se o sofrimento me assalta vou logo ter com Ele e peço-lhe que me alivie. Afigura-se-me ver a Jesus mostrando-me o coração todo inflamado em chamas de caridade, e peço-lhe... Peço-lhe que tenha compaixão de mim.
Eis a contradição! Tenho uma ferida no coração, e em vez de sofrê-la resignadamente por seu amor, peço-lhe que ma cure... Não reparando que Ele tem uma mais profunda que a minha.
Tenho espinhos agudos que me envolvem a alma e me fazem sofrer um martírio; mas em vez de sofrer-lhes a punção por seu amor, peço-lhe que mos arranque para sempre... não pensando que os espinhos que cercam o seu coração são bem mais agudos e cruéis que os meus.
Tenho também eu que levar uma cruz, uma cruz que me parece tão pesada!... Mas em vez de levá-la com coragem pelo caminho do meu calvário, peço-lhe com insistência quotidiana que me alivie, que me livre desse peso... E peço isto a Ele que tem uma cruz plantada no meio do coração, cruz que não tem semelhança em toda a série das dores humanas.
Jesus é tão bom que, para tornar-me semelhante a Ele e proporcionar-me o seu amor, faz-me participante dos sofrimentos do seu coração... E eu, eu que pretendo amá-lo, ouso desejar e pedir-lhe que Ele mesmo destrua em mim o traço de maior semelhança que tenho com Ele... E pensar eu que toda a minha devoção ao Sagrado Coração consiste quase inteiramente neste desejar as suas delícias e ser isento das minhas penas!
Agora compreendo a razão por que Jesus me não ouve; é porque me quer maior bem que o que merecem as minhas orações; é porque, se eu não sofro um pouco, em quase mais nada me torno semelhante a Ele.
Portanto, terei bem fixa diante dos olhos a imagem do Sagrado Coração de Jesus... aquelas feridas... aqueles espinhos... aquela cruz... e, de futuro, serei mais cautelosa em pedir-lhe que me alivie das minhas dores.
Antes deveria pedir-lhe que me desse um pouco, não mais que um pouco, das suas penas... Mas devo confessá-lo para minha confusão, sinto que me falta a coragem. Contudo quantas almas fervorosas há que todos os dias pedem a Jesus as torne participantes da sua Paixão? Quanto mais penso nisto, mais me sinto humilhada. É possível que eu, com esta estima que tenho de mim, não tenha a coragem de pedir um, ao menos um, dos espinhos da sua coroa?
Que lugar me compete, pois, entre o número das almas devotas do Sagrado Coração? Poderei dizer que ocupo ao menos o último lugar?


Ó Jesus, tu bem o sabes: eu não ouso perguntar-te se sou uma alma afeiçoada ao teu Coração... tenho medo duma resposta desanimadora. Mas, vejas em mim o que vires, seja qual for o grau de imperfeição a que tenha descido, peço-te que tenhas de mim piedade. Eu encontro-me sem coragem, sem energia, porque me falta o verdadeiro amor... O sofrimento repugna-me, causa-me horror; não ouso já prometer-te coisa alguma, quase não ouso sequer dirigir-te uma súplica... Porém estou aqui diante de Ti: Tu amas-me, queres santificar-me, queres salvar-me... Portanto não olhes à minha pusilanimidade e à fraqueza do meu coração: prossegue a obra do teu amor sobre mim, faze de mim o que quiseres, contanto que me faças santa... Contanto que eu vá para o Paraíso.

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