CENTELHAS EUCARÍSTICAS
PEQUENA COLEÇÃO
DE
Pensamentos e afetos devotos
a
JESUS SACRAMENTADO
V
O Crucifixo
O Crucifixo
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PONHO nele muitas
vezes os meus olhos; beijo-o, de manhã, apenas desperto; beijo-o à noite antes
de adormecer, e durante o dia... quantas vezes... mas Jesus não está todo aqui.
Aqui está a figura, um pouco mais longe a realidade; aqui Jesus sem palavra,
além com as suas palavras de vida eterna; aqui vejo-O morto, acolá encontro-O
vivo; aqui o Calvário, além o Cenáculo.
Olho para o meu crucifixo, mas
parece-me que Jesus do Tabernáculo o olha mais do que eu; parece-me que me está
convidando para eu fixar toda a
minha atenção, para eu aprender a recordar sempre que o Jesus da Hóstia é
o mesmo que um dia foi o Jesus da
Cruz.
Mas, és realmente tu, ó meu
sacramentado Senhor, que um dia morreste sobre esta
cruz, e duma maneira tão bárbara? Estes cravos atravessaram realmente as tuas
mãos? Estes espinhos estiveram realmente em volta da tua fronte? E o teu
Coração, aquele coração tão doce, tão belo... Foi realmente alanceado desta
maneira? E foi sobre estas
carnes que realmente se desencadeou uma furiosa saraivada de flagelos? E, por
único conforto, deram-te o fel, a mirra e uma tempestade de blasfêmias? És,
pois, tu, mesmo tu, este Jesus que eu vejo aqui cinzelado... O Jesus morto sobre
o Calvário? E quem foi esse
bárbaro assassino?... Meu Deus! Que pergunta!
Eu próprio fui o carnífice, e Jesus, o próprio Jesus foi a vítima... o delito
foi perpetrado lá... a vítima está aqui, no Tabernáculo... E qual é a
vingança?... A vingança? Ei-la aqui: a Santa Comunhão!
Depois de tantos maus tratos, Tu me
vens ainda a visitar, a estar comigo, a dares-te a mim? Mas onde aprendeste um
tal modo de punir os teus crucifixores? Eu coroei-te de espinhos, e tu dás-me o
direito de cingir o diadema e de reinar contigo? Eu esbofeteei-te, e tu
fazes-me certas carícias à minha alma, que me sabem a paraíso? Eu vesti-te de
louco, e tu vestes-me com a tua graça? Eu flagelei horrivelmente as tuas
carnes, e tu, depois de as tomares imortais e gloriosas, dás-mas em mantimento?
Eu derramei todo o teu sangue, e tu ofereces-mo em bebida? Eu alanceei o teu
Coração, a parte mais nobre da tua humanidade, e tu ofereces-mo como o teu dom
mais precioso?... Mas se eu te tivesse amado como um serafim, poderias tu ser
mais liberal para comigo?... Ó Santa Eucaristia, tu és realmente um mistério! E
o que mais me confunde a razão, é que Jesus tenha amado tanto uma criatura tão
má como eu sou.
Este Crucifixo, esta imagem fria e
muda do meu Jesus, deve, sem dúvida, fazer ouvir uma linguagem misteriosa e
potente... Os santos olhavam-no, choravam, eram arrebatados em êxtases...
Ficavam horas inteiras, dias inteiros a contemplá-lo, liam nele coisas sempre
novas... E não é senão uma figura. Eu estou diante da Hóstia e, momentos após,
sinto-me cansada! Rezo um pouco, e já não posso dizer mais nada! Recebo-a, e
uma hora depois já estou esquecida de tê-la recebido... E não é uma figura, mas
a realidade, a grande realidade de Jesus! Que distância entre mim e os santos!
Mas, ou santa ou pecadora, hei de
querer sempre bem ao meu Crucifixo, e a Hóstia hei de considerá-la sempre como
coisa minha. Estudarei o Crucifixo para conhecer sempre melhor a Hóstia, e
estudarei a Hóstia para conhecer sempre melhor o Crucifixo. O Crucifixo me
recordará sobretudo que eu tenho sido a pior das almas, e a Hóstia me recordará
que Jesus me tem amado como se eu tivesse sido sempre uma santa. O Crucifixo me
fará arrepender dos pecados, a Hóstia me fará amar a Jesus.
Amar a Jesus, que bela coisa! Mas eu
amarei a Jesus também crucificado; somente que, crucificado, o amarei com as
lágrimas nos olhos, e na Hóstia o amarei com o sorriso nos lábios; crucificado
o amarei gemendo, na Hóstia o amarei cantando... E continuarei a amá-lo sempre,
enquanto tiver um fio de vida. E depois?...
Depois... O Crucifixo sobre o peito,
a Hóstia no coração... Que me restará senão morrer e voar para o Céu?
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