Capítulo VIII - Que mal há nisso?

CENTELHAS EUCARÍSTICAS
 PEQUENA COLEÇÃO
DE
Pensamentos e afetos devotos
a
JESUS SACRAMENTADO



VIII
Que mal há nisso?
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SE uma alma prova alguma ternura na oração, se chora de suavidade diante do Santíssimo Sacramento, se experimenta doçuras sensíveis em muitos atos de piedade, e se até deseja estas coisas... que mal há nisso?
Contudo, há quem se apavore como diante duma mina ou, quando menos, diante dum perigo real e gravíssimo para a verdadeira devoção e para a virtude. E não raro se ouve dar-se a isto o nome de sensibilidade morbosa, de sentimentalismo, e até de sensualidade espiritual, e só porque uma pessoa devota mostra ter tais tendências e gostos, já é acoimada, se não de fingida, certamente de iludida e de mal fundada na piedade.
Será, portanto, necessário privar o coração humano duma grande parte da sua vitalidade, só porque tem o dever de viver como cristão? Não poderá o sobrenatural existir e produzir o bem sem a destruição do natural? Se o coração, amando sempre a Deus, conserva e aumenta o próprio natural sentimento afetivo, que mal há nisso?
Este sentimento, esta sensibilidade de coração, por si mesma, não é má; portanto, porque se não poderá referir a Jesus e valer-se dela para se estar mais unido a Ele?...
Tem-se dado, e não uma só vez, o caso de uma alma a qual, vendo-se motejada na sua sensibilidade, e não tendo a força de se deixar julgar mais doente de morbosidade afetiva que animada de verdadeira devoção, abandonasse toda a prática religiosa, e volvesse o próprio coração, que tinha necessidade de amor sensível, para as criaturas, perdendo-se talvez? Pense nisto quem, embora seja puro e cândido como a neve, é frio e duro como o gelo. O homem não tem só uma cabeça, tem também um coração: não vive só da razão, mas também, e muitas vezes, do sentimento. Pretender sufocar este sentimento, não permitir que ele compareça e opere na vida religiosa e moral, é uma crueldade e um absurdo.
E tu, ó Jesus, o que dizes desta sensibilidade do coração? Desagrada-te porventura? Vês nela algum mal? Ah! Se tu fosses inimigo da devoção sensível, das lágrimas de ternura, e de certas expansões de corações cheios do teu amor, quando desceste à terra não terias tomado carne em um país oriental, onde tudo fala de poesia e de sentimento, onde as inteligências são propensas ao lirismo mais arrebatado, onde os corações se deixam levar mais facilmente do entusiasmo, onde a sensibilidade dos corações parece tocar os limites da consciência;... Não terias vivido lá onde o Cântico dos Cânticos era uma das melodias mais caras ao povo e ao sacerdócio... Não te terias deixado aproximar, beijar sobre os pés e banhar de lágrimas, por uma Madalena... A Madalena! Quantas virtudes!... Mas quanta sensibilidade de coração naquela mulher!... Contudo, tu a privilegiaste a ponto de a considerares primeira, depois de tua Mãe... E se agora alguma alma de temperamento semelhante ao de Madalena quiser chorar e amar aos teus pés... Que mal está nisso?
A sensibilidade de coração, a tendência para as lágrimas, desacompanhadas da prática da virtude, são perigosas. Mas quando se cultiva a humildade, quando se tem caridade para com o próximo, quando se obedece aos superiores, quando se pratica a mortificação, quando se possui o espírito de sacrifício, que mal há em derramar uma lágrima beijando o Crucifixo, em sorrir de ternura olhando o Tabernáculo e a Hóstia, em gostar suavemente uma doçura interior ao fazer a Comunhão?
O Jesus, tu és Deus; portanto é justo e necessário amar-te, quanto se possa, duma maneira sobrenatural e divina... Ó Jesus, tu és Homem: portanto se fores amado também duma maneira humana e com sensibilidade humana... Que mal há nisso?

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