Capítulo XI - Não ouso

CENTELHAS EUCARÍSTICAS
 PEQUENA COLEÇÃO
DE
Pensamentos e afetos devotos
a
JESUS SACRAMENTADO



XI
Não ouso
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QUISERA dizer tantas coisas a Jesus: sobretudo quisera dizer-lhe que o amo... Mas não ouso. Parece-me que, se lho dissesse, sairia do Tabernáculo uma voz indignada a dizer-me que minto. E, contudo, sinto que, com Jesus, não sei usar de ficções.
Esforço-me por dizer-lhe que o amo, mas penso logo que, aquela migalha de amor, que sinto no coração, poderei oferecê-la às criaturas, às quais se contentam com pouco; dá-la, porém, a Jesus... Parece-me que é fazer-lhe um ultraje.
Demais, que amor é o meu? Se me comparo com os Santos, longe de dizer a Jesus que lhe quero bem, vem-me à idéia fazer como Adão: — esconder-me de Jesus. Não sou capaz de fazer um sacrifício um pouco fora do vulgar, ou perseverar no bem durante um mês seguido; é já muito, se me mantenho boa por dois ou três dias... E é com esta miséria de virtude que ouso dizer a Jesus que o amo?
Os atos de fé e de esperança — vá lá! — ainda os digo com um sentimento de persuasão, que parte do meu coração; mas aquele pobre ato de caridade é para mim um escolho contra o qual sempre esbarro... Dizer-lhe que o amo sobre todas as coisas... Como posso falar assim, quando tenho no coração cem bagatelas, que me são mais caras de que Jesus?...
De boa vontade me ajoelho diante do Tabernáculo; sinto prazer em fazer a comunhão; sem dificuldade me prostro a orar; mas ai de mim, se me ponho a examinar a consciência! Encontro tantas misérias, que o desânimo me avassala o coração, e vejo-me quase forçada a sair da igreja, a interromper toda a devoção, porque... Porque não ouso dizer a Jesus que o amo. Ah! O meu pobre coração! Pudesse eu viver sem ele!...
Não ter coração!... É inútil pensar nisso. Deus mo deu e quer que eu viva por ele. Demais, que vida seria a minha, sem coração? É verdade que sofreria muito menos, mas também é verdade que certas alegrias nunca as sentiria... Por exemplo: estar ao pé de Jesus, chorar com Jesus, falar-lhe, esperar n'Ele, amá-lo... Amá-lo?... Mas é este exatamente o meu tormento! É esta exatamente a palavra que não ouso dizer-lhe!
Portanto, que farei?... Farei assim: que o amo, jamais lhe direi, porque temo dizer-lhe uma mentira; limitar-me-ei a dizer-lhe que desejo muito e muito amá-lo, amá-lo como o amam os santos do paraíso... Mas, será verdade que eu desejo isto? Sim, é verdade; posso dizê-lo para minha consolação: é verdade que desejo amar a Jesus...
Tenho ouvido dizer que o desejo de amar a Jesus é já um princípio de amor a Jesus... Será verdade? Deve sê-lo, porque, se uma coisa me é indiferente, não só não a amo, mas nem sequer desejo amá-la, nem mesmo penso nela. Mas em Jesus penso muitas vezes, ao menos de hora a hora, falo-lhe de quando em quando, desejaria mesmo ser uma daquelas almas que vivem dentro do seu Coração... Portanto, sempre tenho algum amor a Jesus... E se o amo hoje um pouco, amanhã não poderei amá-lo muito mais?
Mas afinal, ó Jesus, eu encontro-me num labirinto, e não vejo a maneira de desenredar-me d'Ele. Tenho eu este teu amor no coração? Sim ou não? Eu não entendo coisa alguma; mas escuta, ó Jesus: tenha ou não tenha esse teu amor, eu quero dizer-te e repetir-te para sempre, que o meu maior e mais ardente desejo é este: viver e morrer de amor por Ti.

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