CENTELHAS EUCARÍSTICAS
PEQUENA COLEÇÃO
DE
Pensamentos e afetos devotos
a
XXXII
Depois
da morte
__________
AMAR o mundo é
realmente uma loucura. Se o mundo se
recordasse de mim depois da minha morte, se mostrasse algum pesar de me haver
perdido, seria caso para eu sentir alguma pena ao ter de abandoná-lo. Mas, como
me tratará o mundo, quando eu deixar de existir?
Fará comigo como tem feito com todos
os outros: não se incomodará absolutamente com a minha sorte. Parece-me vê-lo a
prosseguir o seu caminho, exatamente como faz agora, sem pensar sequer em que
eu já estarei debaixo da terra. A cova, que há de acolher o meu cadáver, será
comigo bem mais benévola que o mundo, porque, quando este
já não conservar de mim a menor
recordação, a cova conservará ainda os meus ossos... Coisa singular! O sepulcro
causa-me agora horror, mas um dia será o único a ocupar-se de mim; e o mundo,
que me fascina e tenta seduzir-me, dentro em breve me tratará como se eu nunca
tivesse existido.
Como são bem punidos os idólatras
do mundo! Este mundo, do qual tantos procuram as honras, o afeto e o
reconhecimento, não lhes conservará no coração o mais pequenino posto;
quando muito lhes inscreverá os nomes
num registro, que abandonará depois à poeira dos arquivos. Não há um lugar onde
se morra duma maneira tão perfeita, irrevogável e definitiva como na memória e
no coração dos gaudentes e senhores deste mundo. É positivo que naqueles
cérebros e naqueles corações não se ressuscita jamais. E poderia eu, portanto,
esperar depois da minha morte alguma coisa dum mundo que, por minha causa, não
suspenderá um só minuto os seus tráficos, não se privará do mais insignificante
dos seus prazeres, não me conservará o mais exíguo dos seus afetos? Se ele
esquece com tanta facilidade e com a mais abominável frieza os homens mais
ilustres e benemerentes, que fará de mim, pobre grãozinho de areia?
E tu, ó meu Jesus, como me tratarás
quando eu já não existir? Ah! Como és diverso do mundo! Como é diverso o teu
Coração do coração dos homens! Tu me recordarás certamente e para sempre;
recordarás que vim tantas vezes encontrar-te;
recordarás as batalhas que travei comigo mesma para dar-te um pouco de oração
recolhida e um pouco de amor; recordarás a tua pobre criatura que, ignorada de
todos, estava junto do Tabernáculo a chorar culpas em segredo, a esperar
perdões e a invocar misericórdias; recordarás que terei consumado o meu longo
sacrifício, sem dizer nada a ninguém, mas confiando a ti somente todas as
minhas penas; recordarás toda a
minha obscura existência, desde o primeiro instante em que saí das tuas mãos,
até o último em que expirei sobre o teu Coração. E, recordando-me, continuarás
a amar-me como antes, ou ainda mais; recordando-me, tomarás cuidado daqueles
que ficarem chorando junto do meu cadáver e, pelas vias admiráveis da
Providência, as conduzirás à salvação; recordando-me, ordenarás à Igreja
que faça memória perene de mim no Santo Sacrifício da Missa, e que todos os
dias recite uma oração pelo eterno descanso da minha alma.
A minha alma! Eis o que é mais
importante! Que vale elevar monumentos e até pirâmides para honrar quatro ossos
descarnados, se nada se faz em favor da alma? Que diferença entre mim e os
grandes conquistadores e perturbadores do mundo! Aqueles terão os seus nomes
esculpidos sobre o granito e o corpo deposto numa urna de pórfiro; e eu terei o
meu nome escrito na memória de Jesus, e a minha alma repousará no seu Coração.
Portanto, a um mundo que fará comigo
como tem feito e fará sempre com os outros; que continuará a
rir, a gozar e a pecar, mesmo quando
o meu esquife lhe passar vizinho a caminho
do cemitério; que por mim não verterá uma lágrima,
não terá uma palavra de compaixão, nem sequer a recordação de vinte e quatro
horas; a este mundo
com todas as suas lisonjas, com as suas fementidas promessas, com todas
as suas delícias e todas
as suas culpas, a este
mundo eu voto o meu desprezo mais
profundo, o meu abandono mais resoluto, a minha mais cordial aversão!
E a Jesus!... A Jesus eu consagro a
minha fé mais viva na grandeza eterna e imensa da sua divindade, a minha
esperança mais inabalável na fidelidade às suas promessas e na grandiosidade
infinita das suas recompensas, a minha caridade mais ardente pela sua bondade
tão grande e tão terna, que o fez descer à terra para unir-se a mim, e que me
conduzirá um dia ao Paraíso para me ter sempre unida a Ele.
Depois da morte, portanto, o mundo abandonará
para sempre os seus adoradores; Jesus terá sempre no próprio coração os seus
amantes. Portanto... Ó mundo, adeus; ó Jesus, eis-me aqui... Estarei sempre
contigo.
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