CENTELHAS EUCARÍSTICAS
PEQUENA COLEÇÃO
DE
Pensamentos e afetos devotos
a
XXXIV
Reservas
culpáveis
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É
Jesus que fala
CHAMAS-ME, e
eu venho sempre. Dizes que me amas, e eu creio no que dizes. Ofereces-te toda
a mim; mas, apenas desço ao teu coração, encontro-o ocupado em parte pelos
outros, de modo
que, muitas vezes, só me resta um lugarzinho bem limitado, e nem sempre o mais
belo.
Costumas repetir-me sempre a
mesma oração
— que me amas, que me desejas, que queres ser toda
minha; e não
reparas em que, se as palavras dizem uma coisa, os fatos manifestam o contrário
do que dizes.
Ousas dizer que és toda
minha? Mas... E aquelas reservas que
fazes, não as tomas em nenhuma conta? Se tu não lhes ligas importância,
ligo-lha eu. Eu vejo perfeitamente que, juntamente comigo, queres que
estacionem no teu coração muitas paixõezinhas, que te são mais caras do que eu.
Desejas-me, chamas-me, é verdade; mas não me queres absolutamente conceder o
lugar ocupado pelo amor próprio, por uma certa sensualidade, pela cobiça, pela
ira e por muitas outras misérias que tu sabes.
Queres ser minha, mas com a reserva
de cultivares pensamentos de vaidade, desejos de fazeres bela figura entre os
iguais, de receberes elogios e preferências dos superiores; com a reserva de
julgares sinistramente e severamente as ações dos outros; com a reserva de
pronunciares palavras de crítica, não tanto sobre as ações más que vês, mas
sobretudo acerca das intenções que não vês; com a reserva de, por dias
inteiros, te ressentires de uma pequena ofensa, de levares a efeito certas
pequenas vinganças, de desafogares certas pequenas malignidades.
Dizes que és minha e toda minha; mas
distribuis o teu coração aqui e além por tantas criaturas, de modo que a mim bem
pouco me resta; deixas-te guiar por simpatias, afeiçoas-te levianamente a
tantas criaturas, e por elas fazes sacrifícios dos teus haveres e da tua
pessoa, que por mim certamente não farias.
És minha? Tu? Mas repara bem, e verás
que a mim só concedes o que as criaturas te não pedem, o que elas não sabem
apreciar. Dás-me orações, coroazinhas, missas e várias outras devoções: tudo
coisas muito boas, mas que não perturbam as tuas paixões. Oras, mas, entretanto,
murmuras; rezas o terço, mas intrometes-lhe uma ladainha de lamentos contra os
superiores e o próximo; ouves Missa, mas depois lês um livro frívolo; tens uma
conversação mundana, assistes a um espetáculo que, se não é mau, é pelo menos
pouco edificante. Se eu tivesse de privar-te, ou de uma oração ou de uma
murmuração, qual das duas deixarias tu? Sentes maior gosto em fazer certos
pecadozinhos de gula ou em fazer a Comunhão? Prende-te mais a atenção aquela
amizade ou o Tabernáculo? Entusiasma-te mais um belo vestido ou uma bela
virtude? Estarias disposta a fazer qualquer sacrifício para receber-me? Por
exemplo: — ouvires dizer que és uma nulidade, retardares mais um pouco a tua
refeição, transtornares um pouco os teus hábitos?
Como vês, eu
não sou ainda o senhor absoluto do teu coração; muitos outros há que me
disputam a posse; e estes outros não são do número dos meus amigos. Ah! Quantas
reservas indevidas! Quanta mesquinhez para comigo!... Ouve com atenção: se eu
me mostro muitas vezes resistente em não conceder-te certos favores, a culpa é
tua; é porque não queres despojar-te, por meu amor, das misérias que te cobrem
e te afogam o coração. Pretenderias, talvez, que eu te vestisse com os
esplendores da virtude e da graça, isto é, que cobrisse com a minha beleza as
tuas fealdades? Não, isto não o faço! Primeiramente desembaraça-te daquilo que
não me agrada a mim, e eu te concederei o que te agrada a ti. Se não tens
coragem para te livrares de tantas misérias, deixa que a tenha ao menos eu!
Como queres tu que eu purifique o teu coração e te santifique toda, se à obra
da minha graça opões sempre as tuas reservas? Como queres que a Comunhão te
faça santa e produza em ti todos os seus efeitos, se te reservas sempre o
triste direito de conservar no coração as tuas paixõezinhas, se pretendes
sempre deixar imperturbadas as tuas más inclinações?
Tu não queres regular a tua
generosidade pela minha; e eu sou constrangido a regular a minha pela tua. Tu
contentas-te com não fazer pecados mortais; e eu limito-me a não te pôr no
número dos meus inimigos. Tu negas-me certos sacrifícios do amor próprio, da
gula, da preguiça, da malignidade; e eu te nego tantas graças que em pouco
tempo te fariam santa. Tu te contentas com não matar-me; e eu me contento com
conservar-te a vida. Tu tens as tuas reservas, e eu tenho as minhas. Está bem
assim?
Se continuas deste
modo, acabares
por expulsar-me definitivamente do
teu coração; e se presentemente reservas lugarzinhos pequenos para as tuas
paixões, dentro em breve já não haverá lugar para mim, porque as paixões nunca
dizem basta, e a pouco e pouco querem elas ficar senhoras de tudo.
Tu mesma compreendes que as coisas
assim vão mal, e que, a respeito de santidade, estás muito fora do lugar. É por
isso que me pedes que te livre das tuas paixões e que eu mesmo destrua aquelas
reservas. Mas examina um pouco a tua consciência, os íntimos segredos do teu
coração, e verás que, enquanto me oras, tens medo
de ser atendida, isto é,
tens medo
da humildade e das humilhações, tens medo
de certas privações na comida, nos
hábitos e comodidades da vida, tens medo de
deveres sorrir a uma pessoa antipática e tratá-la bem: numa palavra, tens medo
de deveres desembaraçar-te de tantas misérias, que agora te são caras. E com
estes receios não conseguirás dar largos passos no caminho da santidade.
Toma cuidado; põe de parte toda a
reserva e todo o medo, e vive com generosidade. Não temas, que comigo terás
tudo a ganhar e nada a perder. Aquele coração que te peço, afinal, é
propriedade minha, e se eu o exijo para mim, não é para te privar d'Ele, mas só
para enchê-lo todo de mim, do meu amor, e torná-lo feliz da minha própria
felicidade. E não te agradaria ter o coração feliz?
Feliz......
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