Capítulo XXXVI - As impressões

CENTELHAS EUCARÍSTICAS
 PEQUENA COLEÇÃO
DE
Pensamentos e afetos devotos
a
JESUS SACRAMENTADO


XXXVI
As impressões
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GRANDE consolação sentiria estando com Jesus a meditá-lo, a orar-lhe, a amá-lo! Mas, uma vez que me ponho em sua presença para tratar com Ele, mil divagações me assaltam e me arrastam para longe...
Se me examino um pouco, se entro um instante no tenebroso labirinto da minha alma, concluo que eu sou vítima de tantas impressões que recebo. Uma palavra que me desagrade ou me desgoste, qualquer consolação ou qualquer desprazer, um projeto na mente ou um temor no coração, a consciência de ser enfermiça, a esperança de curar-me ou a certeza de ficar sempre a mesma, uma pessoa encontrada depois de longo tempo, um dever insólito a cumprir durante o dia, a recordação dum recente desgosto ou de uma alegria... E mil outras coisas de pouca ou nenhuma importância, bastam para deixar-me na alma uma impressão, que me dura dias e até meses: e uma só destas impressões basta certas vezes para inutilizar todo aquele pouco de bem que eu porventura faço.
Pobre de mim! Quando recebo uma impressão quase não dou por isso, mas apenas me quero recolher com Jesus, ei-la que se torna viva e, de tal modo se engrandece, que basta para obscurecer toda a minha vida de piedade. Se leio, se medito, se oro, se ouço uma predica, se assisto a uma Missa, se faço a Comunhão, se faço uma visita, eis reaparece aquela impressão, que parecia esquecida, a absorver todos os meus pensamentos. Bem posso eu dissimular, combatê-la, mas aquela bagatela vista ou ouvida, aquela coisa de nada põe-se diante de mim, e não há maneira de a afugentar. Pobres Comunhões as minhas! Que Missas as que eu ouço!
E, todavia, como hei de eu fazer para subtrair-me a esta vexação? Mesmo que me retirasse para um deserto, eu levaria comigo o meu temperamento, e mesmo ali bastaria uma estrela, um hálito de vento, um grão de areia para me impressionarem de maneira a perturbar-me, dia e noite, todas as vezes que eu quisesse entreter-me com Jesus. É possível que as criaturas, mesmo as mais vis, tenham tanta eficácia sobre mim? É possível que eu me tenha tornado tão impressionável? Mas tudo isto, por quê?
É inútil perder tempo à procura dum porquê, que ninguém pode dar-mo. Sou assim feita e assim serei provavelmente até à morte. Portanto, só me resta resignar-me com a minha sorte, e tratar a Jesus da melhor forma que puder...
Contudo, não haveria um meio para viver toda com Jesus e de Jesus, mesmo com o temperamento impressionável que tenho?
Ó Jesus, a ti me encomendo: não poderias tu com a tua graça onipotente fazer-me voar e demorar no teu coração com as próprias asas da minha impressionabilidade? Perdoa-me, ó Jesus, se ouso dar-te um alvitre; mas, bem o vês, este meu alvitre é também uma súplica, e a plica dos pobres agrada-te tanto... Portanto, já que eu tão facilmente retenho as impressões recebidas, faze-me esta caridade: com um teu sorriso, com um sinal, com uma queixa, com uma promessa, com um sentimento, com um dos teus espinhos, com um filamento da tua cruz, com uma flâmula do teu coração, por qualquer meio que mais te aprouver, manda-me uma impressão sobre a fantasia, sobre o coração, sobre a alma, sobre alguma ou sobre todas as minhas potências, mas uma impressão forte, viva, potente, durável, suave ou dolorosa, conforme o teu beneplácito, contanto que eu a sinta sempre viva, de dia e de noite, quando oro, quando trabalho, quando gozo e quando sofro, sempre e em toda a parte... Em suma, eu te peço que seja por ti impressionada de tal maneira, que não possa jamais esquecer-te... Peço muito? Mas, no fim de contas, nada mais desejo, senão conservar a paz, quando quero estar contigo...
Em conclusão, ó Jesus: tu queres que eu ore bem, e eu estou de acordo, quero orar bem; mas eu sou perturbada pelas impressões que recebo de fora, e não consigo superá-las; portanto, ou dissipá-las tu da minha alma com a tua graça, ou superá-las e vencê-las com outras impressões, que venham diretamente da tua piedade e do teu amor.

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