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XXX. ALMA QUE SE PRENDE E VOA
Maria teve alma de
peregrina, alma, portanto, desprendida, inteiramente, das coisas da terra. Mas à
medida que se ia aproximando de seu fim glorioso, mais se desprendia de
qualquer coisa que, mesmo de leve, a impedisse de voar. Com muito mais verdade
do que São Paulo, podia ela exclamar: “desejo,
com veemência, desprender-me dos laços da carne para estar com Cristo”
(Phil 1, 23). Já havia muito, desde a vinda do Divino Espírito Santo, que Maria
guiava e elevava a Igreja nascente, assim quase como havia guiado e guardado o
Menino Deus...
Os últimos anos, ela os passara sempre em maior silêncio,
meditando, trabalhando, visitando os lugares que mais lhe falavam de Jesus
ausente. E tudo isso a desprendia cada vez mais dá Terra, que ela só amava por
ser morada de tantas almas resgatadas pelo sangue de seu Filho Divino. E,
assim, chegava o momento da libertação. Os apóstolos estavam, como reza a
tradição, todos reunidos ao derredor do leito de Maria. E não terá ela, então,
animado a todos? Não os terá encorajado para a luta? Aconselhado, abençoado? E,
sem dúvida, não terá deixado de receber o pão eucarístico para a viagem
sublime. Estava pronta. Havia realizado a sua missão. Já podia a sua alma
gloriosa desprender-se, levantar o vôo... Os seus olhos cerraram-se docemente.
Morreu. Como deve ser bom morrer assim! “Morrer de amor”, dizia Santa
Teresinha. “Nunca pensei que era tão fácil morrer, quando se ama a Deus!” exclamava
Mlle. Louise de França, pouco antes de expirar, na sua cela de carmelita. E
Santo Ildefonso corrigia a linguagem de muitos escritores, dizendo: “Não, os santos morreram no amor, só
Maria é que morreu de amor!” — Desprendera-se de tudo. Era, agora, o vôo triunfal!
“Vencedor da morte, Jesus não podia permitir que sua Mãe admirável, que não
conhecera pecado algum, fosse sujeita à corrupção. Eis por que a morte de Maria
não foi senão um sono, do qual, em breve, ela seria despertada pelo doce
chamamento de seu Filho: “Levanta-te, mãe amada, levanta-te! Eis que se passou
o triste inverno do exílio e dissipou-se já o vendaval das tribulações. Vê a
primavera eternal. Vem e serás coroada!” Assim falava Monsabré. E com quanta
razão. Se já durante toda a sua vida Maria pusera tão exatamente em prática o
programa de São Paulo: “a minha conversação é nos céus!”, que diria, livre dos
laços da mortalidade? Sim, sempre vivera no céu, pois vivera em Jesus e Jesus
era o seu céu. Quando, então, pela ascensão de Cristo, conheceu perfeitamente o
caminho que devia seguir, já não teve descanso. Deitou-se no sepulcro somente
para pagar o seu tributo à morte, mas três dias depois, levada pelos Anjos, com
a ansiedade da seta, desferiu seu vôo glorioso para as alturas... É tradição certa que indo os Apóstolos venerar
seu túmulo, o encontraram vazio. Só acharam os lençóis de linho, alvíssimos,
despedindo de si um perfume celestial.
Como é sublime a
nossa missão: purificar sempre mais a nossa alma, desapegá-la do que é transitório,
para que ela possa voar sobre as coisas deste mundo, ensaiando-se, assim, para
o grande vôo, cuja meta é a eternidade! Amemos os sofrimentos, os desprezos, as
contradições, os trabalhos, eles nos tornam leves para voar... Amemos a Deus e
seremos, de contínuo, atraídos para Ele, conforme a palavra da Escritura “onde está o teu tesouro, está, também, o teu
coração” (Mt 6, 21). É assim que
vivemos? Como águias que procuram as alturas, desprezando o que é terra? Ou nos
arrastamos miseravelmente? Voar, voar! Foi sempre o grito das grandes almas.
Santo Inácio, depois destes remontados voos às regiões sublimes da oração,
abrindo os olhos, dizia, enfastiado: “como me parece mesquinho tudo cá em
baixo!” São Pedro de Alcântara, São José Cupertino e tantos outros santos,
sentiam tais ânsias de voar para Deus, que até seus corpos, subtraindo-se às
leis da gravidade, elevavam-se, milagrosamente sobre o solo. Depois de
instantes, os corpos desciam, mas as almas elevavam-se cada vez mais!
MARIA Santíssima,
Virgem excelsa, desprendei-nos sempre mais das coisas mentirosas deste mundo,
para que sempre mais possamos voar, até que repousemos nos braços de Deus, em
vossa companhia. Assim seja!
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Do Livro: A Alma Gloriosa de Maria - Frei Henrique G. Trindade, O.F.M. - 1937 - segunda edição
Do Livro: A Alma Gloriosa de Maria - Frei Henrique G. Trindade, O.F.M. - 1937 - segunda edição
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